sábado, 19 de abril de 2014

Mambembes do asfalto

(Texto escrito por Murilo Silva, Filósofo e animador cultural, publicado no jornal Notícias do Dia, em 23/07/2009, p. 06)
Fonte da imagem: http://divagacoessolitarias.blogspot.com.br/

Vejo o acender da luz sobre o palco, adornado de faixas brancas e pretas. Nas poltronas, uma platéia impaciente, vestida em armaduras de lata, com os pés emborrachados. O artista, um olho no equilíbrio outro no olhar da audiência, exibe sua graça repetitiva. Escravo do tempo da sinaleira, o malabarista nem sempre consegue a bilheteria desejada. 

Pois bem, a Prefeitura de Florianópolis quer acabar com o espetáculo, perseguindo os perigosos mambembes, ameaçadores da paz e da ordem. “A maioria deles são de fora”, dizem os administradores do Paço Municipal, que tanto vendem a imagem da linda Floripa, lá fora. 

Não faz muito tempo, placas encravadas no barro dos canteiros, cinicamente exibiam o alerta da prefeitura "Quem dá esmolas não dá futuro." Chega de hipocrisia. Tirem, isto sim, as crianças das sinaleiras e os esmolentos profissionais. Usem os serviços de assistência social e apresentem alternativa de trabalho e renda. A permanência dos mesmos completa o escárnio da miséria. E aquelas placas, agora em menor número, me fazem lembrar a tradicional e enjaulada recomendação zoológica para que não dêem comida aos animais.

Assistindo os malabares, pago satisfeito. Às vezes não pago, somente sorrio. Outras vezes, nem sorrio, apenas paro e passo. E os gnomos, inofensivos artistas da polis, continuam ali, apenas trabalhando. 

A insensatez da prefeitura me faz lembrar do conto “Um Artista da Fome", de Franz Kafka, onde o protagonista, o jejuador, era um artista que ficava dias sem comer, dentro de uma jaula forrada de palha. O espetáculo era jejuar diante dos olhos curiosos do povo. Kafka expõe a indiferença diante do sofrimento da dor. E o espetáculo cessa com a morte do artista: “ Pois bem, limpem isto aqui! – ordenou o fiscal. Enterraram o artista da fome, com palha e tudo. Em seu lugar, puseram uma jovem pantera. Até mesmo as pessoas mais insensíveis acharam agradável ver o animal selvagem pulando na jaula que durante muito tempo tão lúgubre parecera.” 

Nesta ilha paradisíaca, o palco será para uma jovem pantera panfleteira, a serviço – quem sabe – de alguma imobiliária. 

Prefeito, o dinheiro é meu. E por favor, respeite o direito de livre expressão dos artistas de rua, garantido no ordenamento jurídico brasileiro. 

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