quarta-feira, 24 de junho de 2015

O TEMPO HISTÓRICO



Parabenizo o vereador Afrânio Boppré (PSOL), que obteve a aprovação da alteração do ano de fundação de Nossa Senhora do Desterro, antigo nome de Florianópolis,  passando a considerar o ano de 1673 como válido para a contagem do aniversário da cidade, e não mais 1726.

Medida  importante, não para homenagear Dias Velho, um matador de índios, mas em respeito à memória desta cidade e de sua identidade.

Esta é uma discussão antiga. Vários historiadores catarinenses já se debruçaram sobre o assunto.  Se admitirmos que Florianópolis tem o ano de 1726 como marco inicial, quando se emancipou política e administrativamente do município de Laguna, então o Brasil não começou em 1.500 e sim em 1822, ano de sua independência.

Lamentavelmente observei diversas críticas contra a mudança de data, alegando que a Câmara tem assuntos mais importantes. "O que são 53 anos a mais?" Ora, Brasília (DF) tem somente 55 anos, assim como milhares de municípios brasileiros alcançaram somente agora meio século. Concordaria que naquela casa legislativa há muito vereador legislando causas menores, quando não envolvidos em falcatruas, mas criticar a correção de um dado histórico chega a ser tacanho. 

Não se trata apenas do tempo cronológico, mas sobretudo do tempo histórico, que tem o protagonismo dos grupos humanos, provocadores de mudanças sociais, simultaneamente modificados por essas mudanças. O tempo pode ser vazio de fenômenos sociais quando não habitam seres humanos em determinado ambiente, mas numa cidade ele é preenchido de significados e significantes.

Quem sabe logo algum vereador se dedique à aprovação de um plebiscito para consultar o povo, se aprovam a mudança de florianopolitano para outro gentílico livre da pecha de ditador sanguinário. Por quê? Porque Florianópolis não é  a memória de Floriano, mas de muitos outros(as) fulanos(as) e cicranos(as). Àqueles que fizeram e fazem a história desta cidade, que aqui viveram e vivem. E nossos habitantes do presente merecem o resgate do passado, com a dignidade da lembrança e o direito da participação.


REVOLVER AO REVÓLVER RESOLVE ?





              Dia 1º de maio de 2015, em São Paulo,  Matheus Moreno das Chagas,  18 anos de idade, morreu alvejado por um tiro, após forçar a entrada, por engano, no apartamento do vizinho. No dia 12, mesmo mês,  em Fraiburgo, simpática cidade do meio oeste catarinense, um menino de 12 anos morreu após ser atingido por um tiro na cabeça, por engano, pelo namorado de sua mãe. Semana passada, no trânsito conurbado e conturbado de Florianópolis, presenciei um tiro de revólver disparado do interior de um Corolla, contra outro veículo que saía em alta velocidade. Dessa bala não tive notícias, se foi perdida ou achada no corpo de mais um inocente

O PL 3722/2012, do deputado federal Rogério Peninha Mendonça, de Santa Catarina, revoga o Estatuto do Desarmamento, que restringiu o porte e dificultou a aquisição de armas. Com a proposta, o tempo de vigência do registro de arma é aumentado, a idade mínima para a aquisição é reduzida, e a autorização para o porte civil não exige mais justificativas. 

Cotidianamente armas de fogo acendem um rastilho de insegurança, pavor, morte e ódio, há décadas antes de deputados revolvidos em falso dilema de baixo calibre:  Cidadão armado inibe a violência.
   
O texto do PL saca de sua cartucheira estatística baleada uma inverdade: “após o desarmamento, muito mais cidadãos, indefesos, tornaram-se vítimas da violência urbana”. Os dados reais mostram que homicídios cresciam 8% antes do Estatuto, contra 1% atual. Além disto, violência urbana não é feita somente de latrocínios, mas sobretudo de homicídios resultantes de conflitos diversos, advindos do complexo aglomerado das cidades, muitos até banais, como dirigir um automóvel ou beber uma cerveja. A urbanidade é espelho de contradições inerentes à lógica do capital; um amálgama de tensões com inimigos, imagináveis ou não, em cada esquina.
   
O desejo de matar antecede o uso da arma, dizem belicosos especialistas, como se a morte fosse apenas fruto do desejo, deixando de fora o acaso, a reação inadequada, a cólera, o erro e a oportunidade, que movem o dedo ao gatilho sem a ocorrência do desejo ou da premeditação.

Por ano, meio milhão de pessoas no mundo têm suas vidas eliminadas pelo revólver. Outras milhões são feridas e/ou ameaçadas. O comércio de armas movimenta anualmente mais de 100 bilhões de dólares. No Brasil, em 2012,  morreram vítimas de armas de fogo 42.416 pessoas.  





A  matéria legislativa armamentista sugere um faroeste, esperando “contribuir para o aperfeiçoamento do nosso ordenamento jurídico”, cometendo o vacilo de revolver ao "seguro" e persuasivo revólver, que resolverá tão somente o fluxo de caixa dos produtores e comerciantes de armas. E neste bang-bang movido a sangue, mocinhos e bandidos morrerão ainda mais.