sábado, 19 de abril de 2014

Carcereiros e déspotas


(Texto de Murilo Silva, como Presidente do Fórum Cultural de Florianópolis, publicado no Diário Catarinense, em 26/12/2009, p. 10)

Pintura de Richard Marchand
Fonte da imagem: http://www.fragmentosdeumavirgula.com.br/


O DC publicou matéria sobre a área que hoje abriga o complexo penitenciário de Florianópolis. Quase ao final, encontramos a afirmação do vereador Gean Loureiro, sobre o “interesse político de entidades culturais e comunitárias”, que lutam para que a área não seja vendida à construção de prédios comerciais e residenciais, mas que seja integralmente transformada num abrigo de cultura, de lazer e de equipamentos sociais.  

Que outro interesse motivaria as entidades, senão o político? Talvez porque não exista uma política cultural séria em Florianópolis, assim como no Estado? Será esta uma reflexão natalina, elaborada ao pé de uma árvore que deixou o Papai Noel vermelho de vergonha? E que interesse motivou o voto dos vereadores que aprovaram a alteração do zoneamento da área da penitenciária? Interesse público?  É verdade que, com isto, não aprovaram a sua venda, mas “apenas” a tornaram mais atraente aos gordos olhos do mercado imobiliário.

Recomendaria ao jovem parlamentar a leitura do livro “Vigiar e Punir: nascimento da prisão”, do filósofo Michel Foucault, onde se encontra uma análise científica, amplamente documentada, acerca dos métodos coercitivos, adotados pelo poder público na repressão da delinquência. “Um déspota imbecil pode coagir escravos com correntes de ferro; mas um verdadeiro político os amarra bem mais fortemente com a corrente de suas próprias ideias; é no plano fixo da razão que ele ata a primeira ponta (...) o desespero e o tempo roem os laços de ferro e de aço, mas são impotentes contra a união habitual das ideias, apenas conseguem estreitá-la ainda mais; e sobre as fibras moles do cérebro funda-se a base inabalável dos mais sólidos impérios.”, sabiamente escreveu Foucault.

Senhor vereador Gean, por favor, não subestime a inteligência de nosso povo. Não façamos a política do carcereiro, usando correntes de ferro, mas sim a política das ideias baseadas na razão e na liberdade.  Daqui a pouco, sem tempo e espaço para apartes, estaremos todos encarcerados entre prédios e carros, afundando na lama cega da arrogância, misturados à lama fétida do esgoto.


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