Apostilas de Filosofia

FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO

Abaixo, seguem 04 apostilas de ensino de Filosofia, para o ensino médio,  elaboradas pelo professor Murilo Silva, no ano 2000, publicadas e distribuídas pelo Rede de Ensino Energia em Santa Catarina, a partir de 2001. 


Filosofia - Apostila 1



Introdução:



Cada pessoa, em algum momento de sua vida, ou em todos, pergunta a si próprio: Como será o mundo no futuro? Em prazos curtos ou longos, todos imaginam. A injustiça social existirá eternamente?  A natureza será  esmagada pelo homem? E será que o homem tem uma natureza esmagadora? Saídos do colo de nossos pais, para o colo da cultura, abraçamos um mundo de dúvidas, espantos e admirações. Temos muito o que perguntar sobre: a alegria, a tristeza, a saudade, a beleza, a feiúra, a vaidade, a mídia, a Internet, a aids, o sexo, o namoro, a prostituição, o casamento, o amor, a amizade, as drogas, o real, a profissão, a política, a violência, a música, a moda... Filosofar é, de certa forma, aproximar-se desta postura, de seguir perguntando. É investigar deixando de lado o medo, a arrogância e o preconceito. É estar pronto para enfrentar um debate rico e respeitoso sobre nossas vidas, sobre coisas muito importantes. Coisas que, por engano, achamos não ter importância alguma, que podem estar tão próximas e às vezes parecem tão distantes.   

Estas e outras questões, vamos conversar, ler e escrever no decorrer do ano, procurando conhecer um pouco o filosofar. Evidentemente não pretendemos estudar  os 26 séculos de história da Filosofia, mas apenas espiar alguns momentos importantes para nossas reflexões no presente. 

A disciplina que durante anos esteve impedida, agora pede licença para ocupar seu espaço de aula, convidando a todos para uma viagem intelectual, cujo passaporte é a curiosidade. Na bagagem, apenas o necessário: análise, reflexão e crítica.  Vamos filosofar?  
   

Análise
 Decomposição de um todo
 em suas partes constituintes.

Reflexão
Ato ou processo por meio do qual
 o homem considera suas próprias ações.

Crítica
 Apreciação minuciosa,  julgamento.

Expulsa da escola e incompreendida:
Com a aplicação da Lei no 5692/71, de autoria de um  regime militar instalado em 1964 no Brasil, o ensino de Filosofia ficou restrito a ambientes universitários. Suas aulas foram excluídas do ensino de segundo grau, deixando de pertencer ao grupo de disciplinas obrigatórias.  Durante o tempo em que a Filosofia “ficou de castigo”, outras disciplinas  ocuparam os espaços, como EMC e OSPB. Uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), apesar de destacar a formação filosófica como indispensável ao exercício da cidadania, não classifica a Filosofia como disciplina obrigatória. Lamentável esquecimento ou  decisão, somente corrigido com iniciativas de leis estaduais complementares. No ano de 1998, Santa Catarina passa a adotar no currículo de escolas secundárias a obrigatoriedade do ensino de Filosofia. 
Mesmo sem o contato com esta disciplina, todos  já ouviram, leram ou até falaram: Minha filosofia de vida é...; A filosofia do nosso time...; Nossa filosofia de trabalho...; Cheio das filosofias!!! Filosofia de botequim. Expressões como estas, diariamente são reproduzidas em todos os lugares, fazendo-nos pensar que todos, em qualquer situação, “precisamos” ou “padecemos” de uma filosofia, e de que toda crença é filosofia. As expressões filosofia de botequim e cheio das filosofias, servem para identificar o discurso de um bate-papo descontraído, ou de animados pelo álcool, ou ainda daquele chato que complica a cantada na menina. Estas formas de inclusão da palavra, são geralmente carregadas de um profundo desconhecimento, levando-nos a enxergar filósofos em sujeitos falantes e misteriosos, que só argumentam coisas “sem pé nem cabeça”. 
Quando ouvimos em empresas, times de futebol ou partidos políticos, as expressões  “minha filosofia” ou “nossa filosofia”, podemos dizer que são inadequadas para descrever o que realmente é filosofia. Porém, este tipo de expressão, que observamos como do senso -  comum, apresenta algumas características importantes do pensamento filosófico: coerência e lógica. Quando um deputado apresenta sua “filosofia de partido”, apesar de não ser filosofia propriamente dita, expõe um conjunto de idéias que pretendem - e nem sempre são - coerentes e lógicas, conferidas na prática. 

O que é Filosofia? Onde Está? Procura-se! 
Afinal de contas, o que é Filosofia? O que é ter uma visão filosófica? Quantas filosofias existem? Somos todos filósofos, ou somente os “estranhos” são?  Precisamos realmente de filosofias? Qual a  utilidade de seu estudo? 
Existem várias definições para a filosofia, tão variadas quanto o número de filósofos. Grandes pensadores marcaram épocas, trabalhando conhecimentos naturais e históricos, fundando e destruindo conceitos, pela fala e pela escrita. Uma definição clássica, bastante aceita no decorrer dos séculos, é do filósofo grego Platão. Em sua obra Eutidemo, encontramos Filosofia como o uso do saber, o mais válido e mais amplo possível, em proveito do homem.    
Hoje, o filósofo, vivo ou morto, encontra-se em  livros, também publicados em CDs. Para ver um, teremos que lê-lo. Para ser um, teremos que escrevê-lo. De modo geral a filosofia está em toda a parte. Desde que o pensamento reflexivo se faz presente, o ser humano filosofa. No entanto, saber o que é filosofia lendo o que foi escrito  e escrevendo o que ainda não foi, é o caminho mais especial, seguro e verdadeiro para a questão.  
Um filósofo italiano do século XX, Antonio Gramsci, escreveu-nos sobre a impossibilidade da existência de um homem que não filosofa, lembrando que não existe homem sem pensamento. Porém, acerca do homem “filósofo profissional”, conclui: 

“...não só ‘pensa’ com maior rigor lógico, com maior coerência, com maior espírito de sistema do que os outros homens, mas conhece toda a história do pensamento, sabe explicar o desenvolvimento que o pensamento teve até ele e é capaz de retomar os problemas a partir do ponto em que se encontram, depois de terem sofrido as mais variadas tentativas de solução.”   

Podemos afirmar que filosofar é ler e escrever...
- exercendo a liberdade da reflexão.
- utilizando de análise e  crítica.
- decidindo não aceitar o óbvio imediatamente. 
- olhando o mundo de longe.  
- encarando no cotidiano as idéias e as coisas.
- pensando conceitos e fatos. 
- afirmando e negando.
- investigando e  compreendendo.

O que não é Filosofia?  
Filosofia não é religião, política e ciência. Porém, todas tiveram seu momento filosófico inaugural, e sustentam-se em idéias e regras específicas, fundamentadas em filosofias.  Hoje, a Filosofia  “visita” estas  áreas, analisando, refletindo e criticando. A mais visitada é a ciência, que somente no século XVII separou-se da Filosofia, e desde então caminha em seus campos particulares, como a Sociologia, a Química, a Biologia, a Psicologia, etc. Todas as áreas sustentam e desenvolvem seus conhecimentos específicos, e a Filosofia “fica de olho”.
Assim, por exemplo, o médico e o biólogo, tratando de seus assuntos, fazem juízos de realidade. O filósofo faz juízo de valor. Uma célula cancerígena ou um buraco na camada de ozônio, exigem estudos que identificam  reais conseqüências no organismo vivo. A Filosofia, tratando da Medicina e da Biologia, pode pensar acerca da eutanásia (morte concedida àqueles que encontram-se acometidos por doenças incuráveis), da felicidade, e da ética na tecnologia. 
O objetivo da Filosofia é formar um todo, coerente e lógico, daquilo que aparece fragmentado em nossa experiência cotidiana. Ela amplia e relaciona os “pedaços” do conhecimento dominado por especialistas (padres, cientistas e políticos), procurando respostas para além da fé, das teorias e dos preconceitos.   

Utilidade da Filosofia:
Sua utilidade é muito questionada. Qual o resultado do olhar filosófico? Para que serve o ensino de Filosofia hoje, se a ciência caminha sozinha? Responder estas questões, é filosofar acerca do útil. É pensar a utilidade e suas relações. Refletir as diversas ocasiões em que a utilidade faltou ou sobrou.           
 Deixemos que a filósofa brasileira, Marilena Chauí, ajude-nos a discutir o útil e a filosofia, com este texto simples e inteligente. 

       Inútil? Útil?
O primeiro ensinamento filosófico é perguntar: O que é o útil? Para que e para quem algo é útil? O que é o inútil? Para que e para quem algo é inútil?
O senso comum de nossa sociedade considera útil o que dá prestígio, poder, fama e riqueza. Julga o útil pelos resultados visíveis das coisas e das ações, identificando utilidade e a famosa expressão “levar vantagem em tudo”. Desse ponto de vista, a Filosofia é inteiramente inútil e defende o direito de ser inútil.
Não poderíamos, porém, definir o útil de outra maneira?
Platão definia a Filosofia como um saber verdadeiro que deve ser usado em benefício dos seres humanos.

Descartes dizia que a Filosofia é o estudo da sabedoria, conhecimento perfeito de todas as coisas que os humanos podem alcançar para uso da vida, a conservação da saúde e a invenção das técnicas e das artes.
Kant afirmou que a Filosofia é o conhecimento que a razão adquire de si mesma para saber o que pode conhecer e o que pode fazer, tendo como finalidade a felicidade humana.
Marx declarou que a Filosofia havia passado muito tempo apenas contemplando o mundo e que se tratava, agora, de conhecê-lo para transformá-lo, transformação que traria justiça, abundância e felicidade para todos.
Merleau-Ponty escreveu que a Filosofia é um despertar para ver e mudar o nosso mundo.
Espinosa afirmou que a Filosofia é um caminho árduo e difícil, mas que pode ser percorrido por todos, se desejarem a liberdade e a felicidade.
Qual seria, então, a utilidade da Filosofia? Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às idéias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas  ciências e na política for útil; se der a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes.
     (CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 5. ed. São Paulo: Ática, 1995.  p.18.)




Exercícios para Sala

1 – Defina a Filosofia? 

2 – Como a Filosofia se relaciona com o conhecimento científico?

3 -  Onde está a utilidade da Filosofia para Marilena Chauí? Escreva sobre o útil e o inútil  na sociedade.   



Exercícios  para Casa
1 - Descreva  alguma situação que faz parte do seu cotidiano, e depois tente adotar uma atitude filosófica diante da mesma.


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Philo + Sofhia : A Origem da Palavra. 
A partir de agora, teremos contato com algumas palavras-chaves, de origem grega, que nos revelarão diversos ambientes filosóficos. Comecemos com Filosofia: palavra grega, formada por philo, que deriva de philia (amor fraterno, amizade), e de sophia, que deriva de sóphos (sábio). A partir daí, podemos afirmar que o filósofo é aquele que ama a sabedoria; aquele que deseja saber. Um grego nascido no século V antes de Cristo, Pitágoras de Samos (aquele da Matemática), é considerado o inventor da palavra filosofia. Porém, dois séculos antes de Pitágoras já se filosofava na Grécia, e afirma-se que o primeiro filósofo grego foi um próspero negociante, também político e geômetra, chamado Tales de Mileto, o mesmo do “Teorema de Tales”. Grande observador que, dizem, enquanto previa a eclipse do sol de 585 a.C., teria caído num poço. Ambos são pré-socráticos, ou seja, nasceram antes de Sócrates. Porém, alguns dos pré-socráticos, mesmo vivendo durante e depois de Sócrates, estão assim classificados porque expressaram pensamentos comuns ao período anterior a Sócrates.    



Filosofia: Da Visão Mitológica à Visão Racional 

Mýthos, do verbo mythéomai, significa: dizer, conversar, contar, anunciar, nomear. Num período longo da história grega, a sabedoria foi exclusivamente construída em conversas e narrações mitológicas. A teogonia e a cosmogonia eram as duas formas de pensamento que sustentavam a narrativa mítica. Theogonía, palavra composta de théos (deus, divino) e de gónos (ação de engendrar, procriar);e a Kosmogonía, também composta de gónos, apresenta Kósmos  (princípio ordenador do mundo).Então, a  theogonia narrava o nascimento dos deuses, dos heróis, dos homens e da natureza, como fruto das relações sexuais dos próprios deuses; e a cosmogonia narrava a geração da ordem do mundo a partir das relações sexuais entre o concreto e o divino. Alguns historiadores afirmam que o nascimento da  filosofia teria partido de um sistema de explicação do mundo, não necessitando inventar um novo sistema. É verdade que os primeiros filósofos partiram das mesmas inquietações mitológicas, e muitos continuaram se valendo de explicações mitológicas. Porém, o que fazem de fundamental, é substituir os elementos divinos por  elementos da natureza. Como veremos mais detalhadamente, os pré-socráticos teriam extraído das narrativas mitológicas a relação entre o caos e a ordem do mundo, substituindo deuses por homens, ou por formas da natureza, como o ar, a terra, a água, o fogo, etc.

A guerra de Tróia, segundo Homero, começou por causa do rapto da bela Helena pelo troiano Páris, filho do rei Príamo. Neste relato, o fado ou destino  “a parte que cabe a cada um”  desempenha um papel principal: a todo momento, os deuses impõem uma série de obstáculos aos heróis,  mas jamais conseguem modificar, com seus atos arbitrários, o curso do destino.

Em Teogonia, Hesíodo descreve a criação do mundo a partir de Caos, Gaia (Terra) e Eros (Fecundidade). Sucedem-se outras divindades, que com caprichos quase humanos amam, mentem, traem e lutam entre si. Finalmente, com a vitória de Zeus, os deuses instalam-se no Olimpo. Nesse relato, Hesíodo ordena os vários mitos contraditórios entre si, explicando também os fenômenos da natureza e da história. Mais que isso, mostra que, após a vitória de Zeus, o homem está livre das maquinações dos deuses. Zeus, que faz reinar a justiça, apenas castiga ou premia os homens, de acordo com os atos de que são responsáveis.

A diferença entre  pensamento mítico e  pensamento filosófico é expressada na posição do historiador inglês John Burnet (Burnet apud Chauí, 1994)  que destaca duas características do mito que determinam o verdadeiro oposto da filosofia nascente:
- o mito narra o passado, a filosofia explica o presente.
- o mito atrai o mistério e as contradições, justificando as ações dos deuses, e a filosofia repele o mistério e as contradições.

Nascimento da Filosofia: 

A filosofia nasceu na Grécia, numa forte tensão entre mito e razão. A narrativa mágica deu lugar aos poucos à explicação racional. Contudo, acrescentamos que não só os gregos buscavam a sabedoria a partir do mito ou da razão. Povos de todo o mundo, em todos os continentes, tão ou mais antigos que os gregos, produziram conhecimentos e construíram diversificadas culturas. Assim foram as nações indígenas, que antes da colonização européia, possuíam um vasto campo de conhecimento nas Américas. Da mesma forma os egípcios, os chineses, os árabes, os africanos, e muitos outros. 
É importante ressaltar que alguns historiadores da filosofia sustentam a tese orientalista para explicar o surgimento da filosofia. Quando afirmamos que a filosofia é grega, consideramos fatores históricos e políticos que levaram os gregos a exercerem fundamental influência na cultura européia ocidental, de onde nós brasileiros – e  grande parte do planeta – somos descendentes. Entre alguns fatores, destacamos: 
- desenvolvimento da navegação.
- invenção do calendário.
- invenção da moeda.
- escrita alfabética.
- invenção da política.


Fonte da imagem: http://meditacaofilosofica.blogspot.com.br/


Grécia, Filosofia e a suas Épocas : 

Em geral, divide-se a história da sociedade grega em quatro épocas: 
1º - Época Homérica (Século XII a.C.)
Domínio dos aqueus, dórios e jônios sob Creta, Micenas e Tróia. Inicialmente viviam num regime patriarcal e pastoril , e durante quatrocentos anos estabeleceram uma economia doméstica e agrícola, substituindo mais tarde por uma economia urbana e comercial. Este período encontramos registrado nas narrativas do poeta Homero,  nos  poemas Ilíada e Odisséia. 
2º - Época da Grécia Arcaica ou dos Sete Sábios (Século VIII a.C.)
Povoamento dos gregos na encosta do Mediterrâneo, com a passagem da monarquia agrária à oligarquia urbana, quando começa a surgir  cidades, como: Atenas, Esparta, Tebas, Megara, Corinto, Mileto e Éfeso. O artesanato e o comércio eram as bases da economia.
3º - Época clássica (Século V a.C.) 
Atenas tornou-se a cidade mais importante da Grécia, expandindo seu império marítimo e seu poderio militar e comercial. Época em que se desenvolveu a democracia, e atingiu-se o apogeu da vida urbana, intelectual e artística. 
4º - Época helenística (Final do Século IV a.C.)
A Grécia passou para o poderio do Império de Alexandre da Macedônia, e finalmente tornou-se colônia do Império Romano.

Podemos visualizar o desenvolvimento da filosofia antiga a partir da segunda época, a Grécia arcaica, dividida em quatro períodos que duraram pelo menos dez séculos: 
-     pré-socrático ou cosmológico.
- socrático ou antropológico. 
- sistemático. 
- helenístico ou  greco-romano.



Exercícios para Sala

4 –O que é teogonia e cosmogonia? Explique

5 – Escreva sobre o nascimento da  Filosofia.

6 – Estabeleça a semelhança e as diferenças entre o mito e  Filosofia.


Exercícios  para Casa

2 – Leia o texto abaixo e escreva, no mínimo trinta linhas, outro exemplo de mito, podendo ser pura imaginação sua ou algo escutado de alguém, retirado de jornal, revista, Internet, televisão, etc.   

Mitos de Hoje
Você já ouviu falar em boitatá? Na antiga Desterro (atual Florianópolis), os nativos não só ouviam, como também viam (alguns ainda vêem) o boi-ta-tá. O professor e artista Franklin Cascaes, que durante muitos anos pesquisou o imaginário da população descendente dos açorianos, escreveu:
Eles falavam que viam sempre um fogo, um facho de fogo. Esse facho de fogo, para eles, se mostrava com várias formas do mundo objetivo. Por exemplo, diziam: ah, eu vi  um monstro semelhante a uma batina de padre, eles viam a saia do padre. Outras vezes se apresenta que nem um pássaro, outras vezes que nem uma vela, uma lanterna. Outras vezes parecia ser um bicho, um gambá, uma coisa qualquer. Eles olhavam e observavam essa forma. E contavam depois isso para mim.
Como artista eu estudei o caso. O dia em que eu descobri esse tal de boitatá, conhecido nesse mundo inteiro e no Brasil como “Mboy-Tatá”, nome indígena que significa “cobra de fogo”. Os indígenas já conheciam este ente desde a mata, esta forma espiralada, eles diziam que tinha uma forma comprida, quase que nem cobra, eles falavam muito isso. É justamente quando o fogo, o “fátuo” começa a soltar; depois é a aragem, o vento que dá as diversas formas. Formas e cores. O apronta para dar o bote neles. Daí o “mboy”. Já o português disse “boitatá”, boi de fogo. Também disseram “baitatá”, baita é uma coisa grande, “tatá” é fogo, o que dá um animal muito grande em forma de fogo. Depois, ainda batizaram de “bitatá”. Bita, é cabra. Aí eu recriei em cima de tudo isso. De acordo com as histórias que escutei, que eu vi, é que eu começo a trabalhar a minha arte e as minhas histórias.
Aí eu fui dar formas, conhecidas dentro do mundo objetivo, não é? Para as palavras que eu ouvi dessas pessoas que avistavam os elementos e criavam no pensamento, com o medo, com o susto que eles levavam, todas aquelas figuras. Eles viam o boitatá e se escondiam, com as mãos no bolso, por causa da eletricidade, e para evitarem que o fogo fosse atraído pelos dedos e aí queimassem as pessoas, queimasse a roupa. Aí, eles até chegaram a inventar uma história e diziam: “fulano, corre depressa, vai buscar a corda do sino para amarrar o boitatá”. Sempre que eles avistavam o boitatá, eles gritavam pelo nome de uma pessoa qualquer: fulano, corre depressa, vai buscar a corda do sino para amarrar o boitatá. Isso é para espantar o boi.
(CASCAES, Franklin J. Franklin Cascaes: vida e arte e a colonização                                açoriana. Florianópolis: Ed. da    UFSC, 1981. p. .50.)
        
Experimente caminhar à noite na mata, no cemitério, ou em algum aterro de lixo orgânico, que o boitatá aparecerá em várias formas. Este “facho de fogo” escrito por Cascaes, é o resultado da liberação do gás na decomposição de materiais orgânicos que, ao entrar em contato com o oxigênio, incendeia-se. 
Como já vimos, em comum com a Filosofia, o mito tem o objetivo de explicação da vida, dos fenômenos naturais e humanos. A diferença é que no mito as contradições e irracionalidades fundamentam a argumentação, e na Filosofia as contradições e os mistérios são afastados pelo uso da razão. O mito justifica-se nas crenças, e a Filosofia fundamenta-se na razão. O exemplo do “boitatá” é apenas um caso, não muito atual, de como o pensamento mítico se manifesta na sabedoria popular, representando o lendário e irreal, a ficção e a mentira. Explicações míticas são utilizadas em ambientes lúdicos e educativos, para crianças no despertar da imaginação, para o entretenimento dos adultos e também, como veremos adiante estudando ideologia, na manutenção do preconceito e da opressão. 

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Pré-Socráticos: O Problema da Cosmologia
“Tudo era um caos até que surgiu a mente e pôs ordem nas coisas.”
 Anaxágoras

Na época da Grécia arcaica ou dos sete sábios, as colônias da Jônia e da Magna Grécia foram berços dos primeiros filósofos, os chamados pré-socráticos. Veremos rapidamente apenas oito deles: Tales de Mileto, Anaxímenes, Anaximandro, Pitágoras, Zenon, Xenófanes,  Parmênides e Heráclito. 

Cada um destes primeiros filósofos elaborou  pensamentos que se opunham às explicações mitológicas, procurando um princípio primordial constitutivo da natureza, que em grego é Physis. Na história da filosofia os pré-socráticos são os  precursores de uma forma de pensamento que deu início à filosofia: a cosmologia. 
Kosmología, palavra composta de kósmos, que vimos antes, corresponde ao princípio ordenador do mundo, e de logía, derivada de lógos. Certamente, lógos é uma das palavras mais importante de toda a história da filosofia. Sua tradução não é simples. Os gregos sintetizavam o que nós não conseguimos. Ou seja, no português lógos possui sentidos múltiplos, que no  grego não se encontra separado: palavra, conversa, pensamento, norma, regra, ser, realidade, razão, linguagem, explicação, etc. O importante é fixarmos que, ao contrário da teogonia e da cosmogonia, a cosmologia dá o impulso necessário para o nascimento da filosofia, pois significa a explicação racional sobre a origem e ordem do mundo natural, sobre as causas das transformações, da geração e do perecimento de todos os seres.                       
Veremos rapidamente alguns dos pré-socráticos, o que pensavam sobre o  princípio das coisas e do universo, ou seja, sobre o que os gregos entendiam como Arkhé (o que está à frente). Para compreender os pré-socráticos, assim como toda a história da filosofia, exige-se que relaxemos intelectualmente, deixando de lado a arrogância baseada na crença de que nossos conhecimentos não têm história. Estes primeiros pensadores,  filosofando há mais de dois mil e  seiscentos anos, começaram decidindo não aceitar o óbvio mítico. 


Tales de Mileto (c. 625-558 a.C.) 
A água, para este filósofo, por acaso aquele do poço,  é o elemento primordial na origem do universo e de tudo que existe. Esteve no Egito e  na Babilônia, onde havia uma grande escola de Astronomia. Como vimos anteriormente, foi o primeiro dos filósofos. Para ele, a Terra é um disco que flutua sobre a água. (foto/água) 

Anaxímenes (c. 585--529 a.C.)
O ar é o elemento que dá origem a tudo. Para ele, os corpos mais sólidos e flácidos originam-se do movimento de condensação e rarefação. A Terra, segundo este filósofo, é um plano sustentado pelo ar. (desenho/sopro)

Anaximandro (c. 610-546 a.C.)
A água, o ar, a terra e o fogo compunham o universo. Mas havia um elemento fundamental para este filósofo, o ápeiron. Palavra formada pelo prefixo negativo a e pelo substantivo peras (limite, extremidade), ápeiron significa ilimitado, infinito, ou interminável, de onde decorre o quente, o frio, a terra e o ar. Para Anaximandro, a Terra é um cilindro achatado e os astros são luzes de fogo que se entrevêem através dos furos de tubos de névoa do céu. (foto /desenho p.25)  

Pitágoras (Segunda Metade do Séc. VI a.C.)
Os números para este filósofo, também matemático, são entidades constitutivas e ordenadoras da realidade, onde o hum (1) é o regente. Misturando elementos religiosos e morais, defende que a salvação do homem está na eliminação dos conflitos em busca da harmonia, onde os números são o caminho. Examinando a música, este filósofo descobriu que o som varia de acordo com o comprimento da corda. Descobrindo os acordes, afirma que a música (assim como o universo) é uma relação numérica, que soa desagradável quando não atinge a harmonia. (desenho/notas musicais + números)

Zenon (séc. V a.C.)
Este afirmava que o movimento é impossível, e que é uma ilusão de nossos sentidos. Define o espaço como infinito e acredita que os corpos não se movem, pois teriam que atravessar partículas infinitas. Assim, uma flecha partindo do ponto A nunca atingiria o ponto B posto que entre estes há um espaço infinito. Percebe-se, por este raciocínio, o seu idealismo em contradição com a realidade. (desenho do famoso “paradoxo de Zenão / Aquiles e a tartaruga, p31)

 Demócrito (c. 470-370 a.C.) 
O átomo, combinado infinitamente, é o mundo. Átomos é uma palavra composta do prefixo negativo a e do verbo témno (cortar, dividir), e por isso significa o não-cortável, o indivisível. Segundo Demócrito, até a alma humana é um composto de átomos leves, lisos e redondos, que se mantêm por meio da respiração, responsável pela troca de átomos situados fora do organismo. A morte é o rompimento dessa troca, quando os átomos da alma se encontram  fora e espalhados. (desenho / átomo, p. 41 )


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Parmênides (c. 540-450 a.C.)

 Afirmava que o ser é imóvel, eterno e infinito. Para ele as coisas não mudam, apenas aumentam em quantidade e repetem-se infinitamente. O movimento só existe no mundo sensível, e a percepção causada pelos nossos sentidos é ilusória. Para ele, só o mundo inteligível é verdadeiro, pois a certeza surge através de meios lógicos e dedutivos, como fruto da razão. O conhecimento adquirido pelos sentidos é classificado apenas como opinião. Esse pensamento, que veremos mais adiante,  inaugura a metafísica e a lógica. (retrato de Parmênides / p. 32)



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Heráclito (c. 536-470 a.C)

Afirmava que o ser é múltiplo, porque está constituído de oposições internas. O movimento é fruto da luta dos contrários. Para este filósofo “tudo flui”. A mudança ocorre sem cessar, e o que num certo momento existe, antes era diferente e depois também será: Nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio, pois na segunda vez o rio já é outro e nós também somos. Negando a estática do ser, Heráclito afirma sua dinâmica, e utiliza a imagem do fogo como forma de simbolizar o infinito devir (vir a ser / tornar-se), o fogo eterno e vivo, que ora se acende, ora se apaga. (retrato de Heráclito / p. 34 )  



Metafísica,  Lógica e Dialética
Estas três palavras acompanham os grandes temas da filosofia até os dias de hoje.  
Metafísica (depois da Física) é uma palavra grega surgida no século I a.C., criada por Andronico de Rodes ao classificar  as obras de Aristóteles após as obras de Física. Porém, este “após”, a partir do século V da nossa era, é considerado como “além” do mundo sensível. A metafísica investiga o que está por detrás das coisas naturais e físicas, que por vezes considera como meras aparências. O pensamento de Parmênides é considerado fundador da metafísica, ao contrário de outros pensadores que buscavam o princípio ( a arkhé) do universo em um dos seus elementos, como água ou ar. 
Parmênides, ao afirmar que só o mundo inteligível é verdadeiro, e que a certeza só surge através de meios lógicos e dedutivos, também funda o pensamento  lógico. Ao expor que o ser é e que o não-ser não é, elabora um dos princípios básicos da lógica: o princípio da não-contradição. O que não é pensável equivale a que não exista. O Ser, ao contrário, é pensável porque existe, e existe porque é pensável. Nesse sentido, ser e pensar equivalem-se. A metafísica de Parmênides sustenta a lógica do mesmo modo que seu raciocínio lógico fundamenta a sua metafísica. 
O conceito de dialética é muito diversificado, assumindo na filosofia diversas  aplicações. Entre os pré-socráticos, vamos admitir duas posições dialéticas: de   Parmênides e de Heráclito.

Na primeira,  dialética é “arte do diálogo”, ou seja, quando Parmênides afirma O que é, é e O que não é, não é, está encarando a dialética como um modelo formal de argumentação acerca de proposições. O ser é uno, e resultante da não-contradição.  Na segunda, a dialética um método de compreensão de uma realidade contraditória e, por isso, em movimento. Quando Heráclito pensou o devir, admitiu a mudança como resultado de uma luta de contrários, o ser múltiplo. Podemos consentir que este pensador tenha lançado as bases da lógica dialética, que nos séculos XVIII e  XIX de nossa era foi motivo de grandes obras filosóficas escritas pelos alemães  Hegel e Marx, e que só mais adiante iremos estudar. 

Exercícios para Sala 
7 – O que é cosmologia?

8 – Com a turma dividida em oito grupos, cada equipe pesquisará um dos oito pré-socráticos aqui estudados e, após pesquisa (sugestão: CHAUI, Marilena Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles, volume1. 2º edição. São Paulo:Brasiliense, 1994.), haverá um debate no qual se confrontarão os diversos pensamentos dos primeiros filósofos gregos.


9 -  Escreva sobre a dialética em Heráclito e Parmênides.


Exercícios para Casa 

3 – Utilizando um dicionário e um livro de filosofia (sugestão: ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo: Mestre Jou. e CHAUÍ, M. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Brasiliense.) atribua resumidamente o significado de cada palavra abaixo. 


Arckhé; Cosmologia; Devir; Dialética; Lógos; Metafísica; Physis; Ser.


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Atenas e a Invenção da Democracia 

Na época da Grécia arcaica (século VIII a.C.), avanços técnicos como a navegação e o estabelecimento do poderio econômico e militar provocaram o surgimento da pólis (cidade), onde exigiu-se a criação de instituições reguladoras. Este foi o período vivido pelos pré-socráticos. Porém, somente na época clássica (século V a.C.), Atenas foi a cidade mais importante da Grécia, expandindo seu império marítimo, militar e comercial, e atingindo o apogeu da vida urbana, intelectual, artística e política. Época em que a democracia foi inventada e fortalecida, e na qual viviam  Sócrates e os sofistas. A filosofia, afastando-se da cosmologia  pré-socrática, mudou o foco de suas reflexões para assuntos da teoria do conhecimento, da ética e da política. O que está em pauta é a formação do sábio virtuoso e do cidadão, e por isso é também conhecido como o período antropológico (ánthropos: o humano oposto ao divino).   
Demokratía, palavra composta de dêmos (o povo, os cidadãos) e de krátos (o poder), significa “o poder popular” ou “o governo de todos os cidadãos”. Apesar da democracia de hoje basear-se na democracia dos gregos da época clássica, algumas diferenças precisam ser apontadas. Nem todos eram cidadãos. Escravos, mulheres, crianças e estrangeiros não participavam do espaço da cidadania. Para se ter uma idéia, segundo Demétrios de Falero (309 a.C.), na democracia ateniense existiam 21.000 cidadãos livres e 400.000 escravos. Não era uma democracia representativa, como as modernas em que o cidadão utiliza o voto para a  escolha de seus representantes. Era uma democracia direta ou participativa, na qual os cidadãos discutiam e votavam seus assuntos nas assembléias gerais (chamadas de ekklesía) e no conselho de quinhentos cidadãos ( boulé ), onde cada cidadão era submetido a um sorteio, obtendo a garantia de participar das decisões da pólis.                 

Sócrates
Filho de um escultor, Sofronisco e de uma parteira, Fenareta, Sócrates(470-399a.C.)nasceu em Atenas. Este homem, apesar de ter sido considerado extremamente feio, muito lembra Jesus Cristo. Sócrates nada escreveu, e muitos duvidam de sua existência. Homem sem muitas posses, quando falava exercia um  estranho poder, principalmente entre os mais jovens que muito o procuravam, passando horas discutindo em praça pública. Porém, ao contrário de Jesus, Sócrates não profetizava e nem afirmava verdades divinas. Além disto, era herói de guerra, e dizem que gostava de grandes bebedeiras e que exercia o sexo viril dos gregos (naquela época era comum um homem adulto ter amantes masculinos),  gostando também  do convívio com as prostitutas. O fato de não ter  escrito, o que faz alguns negarem a sua existência, muitos registros sobre sua vida particular podem ser calúnias e, talvez, verdades. 
Porém, o que mais nos interessa não é sua vida particular, e sim a força de seu pensamento, que marcou decisivamente a cultura ocidental. O que se conhece da filosofia socrática, deve-se a alguns de seus  seguidores (discípulos), especialmente Xenofonte e Platão.
 Das obras que Xenofonte escreveu sobre este filósofo, tão discutido e até imaginado, destacamos as Memoráveis. Obras onde Xenofonte mostra um Sócrates leal aos amigos, piedoso e justo, preocupado com a ética.
Platão, em seus diversos diálogos, registra a imagem de um Sócrates inimigo dos sofistas, que veremos logo abaixo, e fundador da filosofia especulativa. Assim, o Sócrates de Platão combate as certezas portadoras de belos argumentos, dispensando as palavras sedutoras, voltando-se para os problemas dos homens e suas ações, abordando assuntos acerca da moral, como a justiça, a coragem e a covardia, de forma especulativa.
 Além destes dois, destacamos também Aristóteles, que apesar de não haver conhecido o filósofo, responsabilizou-o pela criação da ciência. Em Aristóteles, Sócrates muda o significado de logos  grego e atribui “a razão que se dá de algo” ou o sentido de conceito. 
  Sócrates, autor da famosa frase sei que nada sei , criou um método para a procura do saber. Utilizando a ironia (“perguntar fingindo ignorância”, eiróneia em grego), interrogava homens, mulheres e escravos, sem se importar com a situação de cidadania de cada um. Suas perguntas colocavam o interlocutor em tal situação que não havia saída senão reconhecer a própria ignorância. Utilizava a maiêutica (“parto”, em grego), dizem que para homenagear o ofício de sua mãe, que paria corpos. Sócrates paria idéias, demostrando que estas surgiam das pessoas interrogadas e não dele. 
O tribunal dos heliastas, composto por cerca de 500 representantes sorteados entre as dez tribos de Atenas, reuniu-se em 399 a.C., com o objetivo de julgar Sócrates por diversos crimes: não-reconhecimento dos deuses do Estado; introdução de novas divindades; e  corrupção da juventude. Os acusadores: Meleto (poeta), Anitos (rico curtidor de peles e influente orador e político) e um homem chamado Licão. A pena: tomar um veneno chamado cicuta, extraído de uma planta. 
A história de sua condenação, defesa e morte, é contada no belo diálogo de Platão, Apologia de Sócrates, e vale a pena ser lido. Nesta obra, Platão mostra Sócrates examinando e refutando as acusações, e não reconhecendo em si mesmo nenhuma culpa. Porém, Sócrates é condenado por uma margem de apenas sessenta votos. E  apesar de Meleto pedir a pena de morte, o tribunal, constrangido, deixa que Sócrates escolha sua pena. Este  estabelece a pena que julga merecer, propondo o sustento no Pritaneu (lugar onde se reuniam em grandes refeições os cidadãos com reconhecidos préstimos à pátria). Diante da “teimosia” de Sócrates, que não apresenta uma pena e sim uma honraria, a condenação não pode ser desfeita, e a única alternativa  seria a morte, bebendo cicuta. A execução é adiada por 30 dias.  Durante este período alguns de seus amigos preparam uma fuga, que é recusada por Sócrates. Ele preferiu  morrer a  declarar-se culpado. 

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Sócrates e os Sofistas 
Os primeiros sofistas não eram atenienses, e por isso não eram cidadãos. Eles vieram da mesma região dos pré-socráticos, e trouxeram de lá um conjunto de técnicas de linguagem – oratória e eloqüência –, que é a arte de bem falar, fazendo-se mestres e professores. Historiadores da Grécia atribuem aos sofistas o título de fundadores da pedagogia democrática. Os dois principais sofistas foram Protágoras (485 – 411 a.C.)  e Górgias (485-380 a.C.), e a interpretação que fazem deles difere muito. Se alguns os defendem, outros os execram. Ficaremos com esta segunda interpretação, próxima a Platão.
Vimos anteriormente que em Atenas se exercia a democracia direta, em que as discussões eram feitas em público, e as decisões dependiam das argumentações. Apesar dos sofistas não participarem das assembléias, devido à condição de não-cidadãos, exerciam uma influência periférica muito grande, pois ganhavam a vida com aulas particulares, nas quais ensinavam a arte da retórica e da persuasão. Para estes educadores do uso palavra, retórica é a arte de oferecer o logói, argumentos e definições, de acordo com nossa utilidade. A persuasão se baseia na dialética (aqui entendida como confronto de argumentos contrários) e por isso é praticada com opiniões. Coube aos sofistas a justificação do ideal democrático, que muito interessava à emergente classe dos comerciantes.
Contemporâneos de Sócrates, os sofistas foram muito criticados por este. Afinal, Sócrates mantém a divisão entre opinião e verdade, aparência e realidade, percepção sensorial e pensamento. Ao contrário dos professores de retórica, Sócrates não professa, apenas pergunta. O Sócrates, especialmente àquele visto por Platão, combate certezas vestidas de belos argumentos, afastando-se de palavras somente sedutoras. Abordando os problemas dos homens e suas ações, conversando assuntos acerca da moral, como a justiça, a coragem e a covardia, Sócrates cria uma forma especulativa que será muito importante para a filosofia.
Partindo desta compreensão, ao estabelecer um  paralelo entre Sócrates, os sofistas e a filosofia, afirma-se que o lugar da filosofia é a praça pública, ou seja, a política. Nesta vocação pública, Sócrates é a incômoda pedra nos sapatos dos poderosos, e os sofistas são os legítimos construtores do  discurso oficial do poder.  
No próximo bimestre, lendo Platão e Aristóteles, teremos novos contatos com Sócrates. Também retomaremos estes pensadores, quando entrarmos no terceiro bimestre, em assuntos de moral, ética e política. 


Exercícios para Sala 


10 – Quais as diferenças principais da democracia grega na época clássica (Séc. V a.C.), para a democracia moderna?


11 - Explique o método socrático de investigação do saber.


Exercícios para Casa

4 – Procure um exemplo de argumento, ou invente um, que você considera  bonito e falso. Tente elaborá-lo da forma mais verdadeira possível, e depois escreva sobre a sua inverdade.

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Bibliografia: 
 ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo: Mestre Jou.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofando. Introdução à filosofia. 2ª ed. São Paulo: Moderna, 1993.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. In: Col. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1974.

BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. 4ª ed. Brasília: UNB, 1992.

BORHEIN, E. Os filósofos pré-socráticos. São Paulo:Cultrix, 1977. 

BOTTOMORE, Tom. Dicionário marxista. Rio de Janeiro: Zahar, 1988.

CHÂTELET, F. et alii. História das idéias políticas. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 1985.

CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 5ª Ed. São Paulo: Ática, 1995. 

_______. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles, volume1. 2º edição. São Paulo:Brasiliense, 1994.  

GAARDER, J. O mundo de Sofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

GRAMSCI, Antonio. Obras escolhidas. São Paulo, Martins Fontes, 1978.

HEGENBERG, Leonidas. Dicionário de lógica. São Paulo: EPU, 1995.

Coleção História do Pensamento: das origens a idade média. volume 1 São Paulo: Nova Cultural, 1987.
PLATÃO. A república. 2ª ed. São Paulo: Difel, 1973.


Filosofia - Apostila 2


Introdução:

Atenção! Iremos continuar nossa “viagem intelectual” no terreno mais acidentado da filosofia. Se pegássemos um atalho procurando facilitar nosso percurso, certamente não alcançaríamos o destino: compreender a filosofia. Se nos esforçarmos especialmente neste bimestre, conseguiremos entender o que muitos nunca entenderam na filosofia. Esta incompreensão resulta na classificação da filosofia como “um bicho de sete cabeças”. Por isso encontraremos aqui, uma linguagem específica compondo pensamentos variados. Questões que – após alguma “turbulência” e possíveis  “enjôos” – nos possibilitarão entender como e o quê os filósofos disseram sobre a matéria, a idéia, a realidade, o fenômeno, o pensamento, o espírito, o real, o ideal, etc. Talvez algumas destas questões somente ficarão mais claras a partir do terceiro bimestre, quando falarmos da política, da ética e da moral, onde nossos estudos estarão bem apoiados em exemplos do dia-a-dia. 
Assim não ficaremos assustados com algumas palavras e conceitos novos que aqui enfrentaremos. Por exemplo: ontologia. Esta é uma palavra importantíssima na filosofia  e, apesar de familiar, não é a forma banguela de expressar a função do dentista (odontologia); e não  significa o estudo das flores ou a identificação de grandes coleções poéticas (antologia).  Também aprenderemos significados de palavras já conhecidas só que utilizadas em sentidos bem diferentes da filosofia. Saberemos que materialista não é  a pessoa portadora de extrema ambição por bens materiais; mecanicista não é um profissional de oficina mecânica; e idealista não é exclusivamente o camarada que segue algum ideal.
Ao final desta apostila encontraremos a “galera” da filosofia reunida com dados de suas vidas e algumas de suas realizações. Poderemos “visita-los” a qualquer momento, principalmente quando algum for citado. Também para consulta, reproduzimos logo após as biografias um “esquema filosófico” com todas as concepções, correntes e escolas da filosofia desde a Antigüidade até a Idade Contemporânea. O esquema pode nos ajudar a ter uma visão global do assunto que aqui trataremos. Com isso perceberemos  a diversidade e a extensão do conhecimento filosófico, impossível de ser aqui abordado na sua totalidade. Vamos filosofar?

Ontologia e Epistemologia: A Questão do Ser e do Pensamento

Diariamente produzimos, consumimos e distribuímos conhecimentos. Às vezes somos pegos de surpresa nesta tarefa tão deliciosa e fascinante que é o conhecer. Estamos certos de alguma coisa e mais tarde percebemos nosso engano. A verdade de hoje pode não ser a de amanhã. O que pensávamos como verdadeiro é abalado por falta de idéia, conceito, teoria, hipótese, preconceito, amor, amizade, crença, confiança, etc.. É abalado por não corresponder a verdade. Conhecer implica à busca da verdade. A verdade é aquilo que corresponde a realidade. Mas o que é verdade? O que é realidade?  Ora, a realidade é o que é. Porém, que é ser real? Como se estabelece no pensamento? Afinal, o que estas questões tem em comum com a filosofia?
  Veremos que estas perguntas ocupam um lugar especial na filosofia e que situam-se na delicada relação entre  ser e  pensamento,  matéria e idéia, sujeito e objeto. Diversas foram as perguntas e as respostas e suas repercussões. Por isso retomaremos o pensamento dos gregos e estudaremos importantes pensadores da Idade Média, Moderna e Contemporânea. Todos abrigados em inúmeras correntes na importante tarefa do conhecimento.  

Ser
Em português, ser traduz a expressão grega ta onta  que significa os entes, os seres, as coisas existentes. Como conceito filosófico, expressa a unidade da existência e da essência. O ser denomina todas as coisas materiais que estão fora do pensamento: natureza, realidade, fenômenos naturais, etc.. O ser  é de natureza material.  

Pensamento
A palavra pensamento deriva do verbo latino pendere, significando ficar em suspenso. O pensamento exprime nossa capacidade de conhecimento intelectual e abstrato, é a expressão de nossa existência racional. Como categoria filosófica designa a consciência do sujeito. Pode entender-se como: alma, espírito, mente, sentimentos, emoções, conceitos, percepções, etc.. Ao pensamento, de natureza imaterial, opõe-se o ser.  

A questão fundamental da filosofia é tratada na relação entre o ser e o pensamento onde delimita-se dois campos de estudos denominados:

Ontologia (ta onta – os entes, os seres, as coisas existentes)
Epistemologia (episteme – ciência; provas e demonstrações)

A primeira trata do elemento primordial do mundo na essência das coisas, e aqui trataremos como sinônimo de metafísica; a segunda, do elemento primordial do mundo na essência do conhecimento. Em todas as áreas do conhecimento, experiências cotidianas e manifestações da cultura geral,  a ontologia e a epistemologia estão presentes com seus retalhos e sempre darão “muito pano para a manga”. Os dois campos estão intimamente ligados e só podemos compreende-los no entrelaçamento de seus conceitos. A relação entre o ser e o pensamento no campo ontológico e epistemológico refletem dois aspectos, completamente opostos, em que as diferentes filosofias irão se agrupar:  
Unidade / Permanência  X  Multiplicidade / Devir
Temos de um lado  as filosofias que priorizam a unidade e imutabilidade do ser que começou com Parmênides; e do outro, as que priorizam a multiplicidade e pluralidade do devir, da transformação das coisas umas nas outras, e que começou com Heráclito. 

Exercícios  para Casa
1 – Escreva sobre qualquer assunto de sua preferência, ocupando no mínimo vinte linhas.  No final elabore três frases afirmando e/ou negando as certezas existentes no assunto escolhido. 

Ontologia, Epistemologia e Seus Períodos 
A história da ontologia e da epistemologia é riquíssima em detalhes. Destacaremos inicialmente dois aspectos que consideramos fundamentais na pergunta pelo ser: o realista e o idealista. O primeiro destes está caracterizado desde Platão e Aristóteles  na Ontologia Clássica. O segundo aspecto (idealista) começou com a Ontologia Moderna. 
Realismo 
Concepção filosófica em que a existência do mundo exterior é evidente por si mesma. Esta existência é distinta do sujeito que conhece o objeto em sua essência.  
Idealismo 
Concepção filosófica que entende o intelecto como conhecimento de nossas próprias idéias. A realidade em si  é a representação da idéia. 

A Ontologia Clássica:  o Fim da Cosmologia e o Início do Realismo Filosófico
No bimestre passado vimos que a palavra grega metafísica (depois da física) surge no século I a.C., criada por Andronico de Rodes ao classificar  as obras de Aristóteles após as obras de Física. Aristóteles, bem antes da metafísica ter surgido como palavra, entendeu-a como a ciência das primeiras causas e dos primeiros princípios. Porém, antes deste, Platão apresentou a necessidade de uma ciência das ciências, após ter concluído seus estudos em ciências particulares: aritmética, geometria, astronomia e música. Em sua obra República ,admite o caráter supremo de uma ciência examinadora de  pontos comuns que revelam áreas intimamente interligadas. Platão e Aristóteles criam e sustentam o caráter universal desta suprema ciência: a metafísica. 

No nascimento da filosofia estudamos a substituição do saber mitológico pelo cosmológico. Os primeiros filósofos buscaram o  princípio (a arkhé)  que causa e ordena o mundo, dedicando-se à explicação do devir, ou seja, à multiplicidade, à mutabilidade e às oposições do ser. Lembrem-se das águas do rio de Heráclito e da afirmação “o ser é e não é”. A cosmologia era uma explicação sobre a physis, era uma física. Porém, como já vimos, o pré–socrático  Parmênides, esboçando a origem da metafisica,  afirmou  a imobilidade e  a eternidade do ser. E Quando expôs  o ser é e  o não-ser não é, elaborou um dos princípios básicos da lógica: o princípio da não-contradição. O que não é pensável equivale a que não exista. O ser, ao contrário, é pensável porque existe, e existe porque é pensável. O não-ser nada é. 

Platão, concordando com Heráclito na afirmação do não-ser como algo contraditório, múltiplo e mutável, classifica um mundo sensível nos limites da aparência. Concordando com Parmênides na afirmação do Ser como imóvel, idêntico e pensável, classifica um mundo inteligível nos limites do intelecto puro. Aristóteles, que apesar de seguir o caminho platônico na conciliação do pensamento pré-socrático, elaborou novos conceitos, incorporando e descartando algumas idéias de seu mestre. Ao mundo sensível platônico, ilusório e aparente, Aristóteles propõe um mundo real em que a mudança constante e a multiplicidade dos seres são estudadas por uma ciência teorética: a física. O estudo do objeto desta física,  estudo que consiste numa tarefa primeira, ele propõe uma Filosofia Primeira: a metafísica. Nesta ciência elevada ou primeira investiga-se, pelo pensamento ou intuição intelectual, todas as essências estudadas por outras ciências, como na física. Esta investigação chega, de acordo com o filósofo, às verdades primeiras e aos princípios universais da realidade.  
As alternativas metafísicas platônica e aristotélica,  conciliatórias do pensamento de Heráclito e Parmênides, dão início à ontologia em detrimento da cosmologia, alicerçando o pensamento de toda a tradição filosófica.    


A Ontologia Cristã
Com a expansão do Império Romano em toda a região da bacia do Mediterrâneo, a cultura grega é amplamente divulgada, o que é conhecido como o período helênico. Os romanos, que desenvolveram um forte poderio militar, político e administrativo, se mantiveram no poder durante seiscentos anos (de 300 a.C. a 300 d.C.).  Ocorre uma avassaladora apropriação da cultura grega pelos romanos e a filosofia fica dividida em pequenas escolas, das quais citamos as mais importantes:  estoicismo, epicurismo, ceticismo e neoplatonismo. 
As principais escolas deste período compartilhavam do conceito de filosofia como vida contemplativa, e da afirmação da questão moral frente as teorias. 
escola estóica: fundada por Zenão de Cício, exerceu influência no pensamento ocidental e está fortemente presente em doutrinas modernas e contemporâneas. Um dos ensinamentos estóicos é o cosmopolitismo, doutrina que concebe o homem como cidadão do mundo e não de um país. 
escola epicurista: fundada por Epicuro de Samos, elabora uma ética sustentada na sensação como critério da verdade e do prazer. 
escola ceticista: fundada por Pírron de Élis (pirronismo ou ceticismo) foi a que afirmou a impossibilidade do conhecimento da verdade e da falsidade, do belo e do feio, do bom e do ruim. É a decisão pela completa suspensão do juízo. 
escola neoplatônica: fundada na Alexandria por Amônio Saccas, tem como maior representante Plotino. Nesta escola a filosofia de Platão é utilizada para defender as verdades religiosas no interior da consciência. 
É neste cenário que surge um movimento social e religioso que se tornará a maior expressão cultural da doutrina religiosa do ocidente: o cristianismo. 


Com o fim do Império Romano o cristianismo se fortalece ainda mais. Através da Igreja Católica os cristãos assumem a educação dos novos povos do norte europeu – invasores do território romano e grandes responsáveis pela queda do seu Império – assumindo também todo o poder político e religioso que irá se manter durante toda a Idade Média. A partir daí muita lenha na fogueira da Santa Inquisição iria queimar junto com os infiéis. 

Se lembrarmos que a filosofia surge num rebento separador de razão e mito, entenderemos que, na Idade Média, a filosofia retorna ao mito reunindo as verdades da razão às verdades da fé. Conciliam o conteúdo da revelação bíblica ao conteúdo da ontologia grega, provando a existência de Deus e os predicados de sua essência. O mundo deixa de ser eterno para ser criado e terminado; a razão passa a ser imperfeita e limitada, não podendo alcançar a verdade se não recorrer à fé; Deus: imaterial e infinito, é produtor de matéria e finitude. 
Dois longos períodos caracterizam a filosofia medieval: a patrística e a escolástica. A primeira teve como figura principal Santo Agostinho  (354-430 d. C.); a segunda, Tomás de Aquino (1225 -1274 d. C.).

Patrística
Agostinho ficou conhecido por "cristianizar" Platão, fazendo vários paralelos entre a parte espiritualista Platônica e as sagradas escrituras. Agostinho faz a distinção entre o corpo (sujeito à sorte do mundo) e a alma com a qual se pode conhecer Deus. Tentou provar que sem a fé a razão não é capaz de chegar à felicidade. A razão para Agostinho serve como auxiliar da fé, esclarecendo e tornando inteligível aquilo que intuímos. 

Escolástica
A escolástica é uma continuação da patrística acrescida de outros princípios. Sem destruir os dogmas da igreja, adaptava-os a uma certa necessidade de estudo e compreensão do mundo, reforçando a harmonização da razão com a fé. Nos escreve à respeito Mariana Allen Peterson: 

Os filósofos escolásticos tiveram que superar um problema irremovível. Baseavam seu pensamento na filosofia cristã anterior, isto é, na patrística ... Mas lembremo-nos de que o sistema agostiniano era platônico: faltava-lhe qualquer distinção entre o natural e o sobrenatural, entre a razão e a fé, entre a filosofia e a teologia. A mentalidade medieval exigia explicações racionais; os homens do século IX em diante desejavam ardentemente estudar o mundo e compreendê-lo.
São Tomás é conhecido por ter cristianizado Aristóteles, à semelhança do que fez Agostinho com Platão. Apesar de Aristóteles não ter conhecido a revelação cristã, como diz Tomás, e de sua obra ser original, autonôma e independente de dogmas, ele está em harmonia com o saber contido na Bíblia. As observações sobre Aristóteles vão permanecer em todas as suas obras. Tomás de Aquino afirma que podemos conhecer Deus pelos seus efeitos, ele é o último em uma escala evolutiva, a causa de todas as coisas.
A Ontologia Clássica e Cristã: O Realismo em Comum 
Afirmamos no início deste assunto que as duas ontologias (clássica e cristã) caracterizaram-se no aspecto realista. Porém, podemos perguntar: Como admitir realismo pelo que vimos nas filosofias de Platão e Aristóteles? E as filosofias dos Santos Agostinho e Aquino que misturam filosofia com religião?
A resposta está no que estas filosofias tinham em comum na pergunta pelo ser: O que é a realidade? Ambas partiram do princípio de que a realidade existe e pode ser conhecida  e que a verdade é a correspondência entre as coisas e os pensamentos. Estes princípios realistas se fundamentavam na existência de um ser infinito: a idéia  ou Deus. Portanto a filosofia, desde Platão e Aristóteles, adotou uma atitude realista mostrando que o sujeito pode apreender o objeto na sua essência.

A Ontologia Moderna (séculos XV a XVIII)
Com o declínio do feudalismo o mercantilismo e o colonialismo entram em cena, abrindo espaços para a burguesia. Esta foi conquistando o poder econômico até consolidar-se plenamente no poder político, o que só ocorre em 1789 com a Revolução Francesa.  
Um movimento filosófico, literário e artístico é difundido da Itália para outros países da Europa: o Renascimento (fins do séc. XIV até  fins do séc. XVI ). Termo de origem religiosa e que durante a Idade Média designou o retorno do homem a Deus, a partir do século XV Renascença representa a renovação moral, política e intelectual resultante de uma recriação dos valores da civilização greco-romana. Representou também a renovação religiosa que foi a reforma protestante. Neste período  as escolas filosóficas antigas são retomadas: o platonismo, o aristotelismo, o estoicismo, o epicurismo e o ceticismo. O aristotelismo da Renascença exclui a interpretação de Aristóteles dada por Tomás de Aquino. 
Deus é retirado do centro da explicação do real e substituído pelo homem e pela natureza física. As preocupações filosóficas voltam-se para as questões epistemológicas, na tentativa de superar as ontologias clássica e medieval derrubando a ontologia como a ciência das essências. Um saber diferente, paralelo à filosofia, é inaugurado: a ciência. Esta apresentou a necessidade de um método matemático e experimental que rompeu com a visão aristotélica. Destacam-se nesta tarefa os cientistas: Copérnico, Galileu, Kepler e Newton. 
O grande nome entre os filósofos deste época é Kant. A partir dele surge uma nova ontologia. O problema ontológico não é mais realista e sim idealista. O que Kant fez foi sintetizar o racionalismo e o empirismo, demonstrando que o sujeito do conhecimento é uma estrutura universal, idêntica para todos, em todos os tempos e lugares.
Veremos antes, o que  o racionalismo e o empirismo propunham:        

Racionalismo 

Palavra derivada de razão- do latim ratio- o racionalismo é a doutrina que admite o pensamento abstrato como única fonte do conhecimento da verdade. Os filósofos racionalistas (Descartes, Spinoza, Leibniz, Kant e outros) entenderam que o conhecimento é verdadeiro quando é universalmente válido e logicamente necessário.    


Fonte da imagem: http://cursos.unipampa.edu.br
René Descartes é o principal representante do racionalismo num século sob o domínio da Igreja Católica onde, apesar de um domínio em fase decadente, as fogueiras da Inquisição ainda tinham muita lenha para queimar. Ele enfrentou o grande desafio de racionalizar sobre a natureza das coisas  provando a existência de Deus.  
No livro Discurso do método elaborou um método baseado em procedimentos matemáticos, “para bem conduzir a própria razão e procurar a verdade das ciências”.  Este método analítico parte do princípio de que o universo material - incluindo os seres vivos - é uma grande máquina. Mostra que podemos compreender o todo a partir de suas partes.  Este filósofo criou uma dúvida metódica estremecendo as bases do conhecimento filosófico da época. Tal dúvida resultou na conclusão “Penso Logo Existo”.  
Descartes procura reconstruir o edifício do saber, guiado pelo ideal de uma ciência universal cujos conteúdos principais pudessem ser deduzidos das idéias inatas. Estas idéias são inatas porque já nascemos com elas e independem de nossa experiência, diferente das fictícias que são vindas da fantasia e das adventícias que vem de fora.   Assim, por exemplo, a idéia do quiliógono (polígono regular de mil lados) e do infinito são inatas porque não são cabíveis na experiência, nas percepções.  


Empirismo

Derivado do grego empeiria (experiência) o empirismo, ao contrário do racionalismo, afirma que a experiência é a única fonte de nossos conhecimentos e que a verdade só se obtém através de nossos sentidos. Quando nascemos, de acordo com os empiristas, nossa mente ou razão é uma “tábua rasa” ou uma “folha em branco” onde a experiência irá preenche-las. Alguns dos representantes mais importantes do empirismo são os filósofos ingleses Bacon, Locke (teórico do liberalismo que veremos no próximo bimestre), Berkeley e Hume. 
(desenhar um frango tremendo de frio)
 O inglês Francis Bacon, cujo sobrenome lembra um gostoso lanche servido em Fast Food, lembrará a partir de agora um frango congelado. Porquê? Por que este filósofo, nascido em 1561, morreu em 1626 de bronquite, após ter recheado um frango com neve. Tal experiência era para descobrir a relação da baixa temperatura com a putrefação dos corpos. Este filósofo, considerado “pai da ciência moderna”, escrevia em todas as suas obras a célebre afirmação: Saber é poder.  Bacon procurou mostrar que o saber contemplativo e desinteressado  deveria ser substituído pelo saber instrumental. Sua filosofia demarcou o início de uma nova ciência desenvolvendo a teoria da indução com mais amplitude que Aristóteles. Em sua obra Novum Organum (novo órgão) denunciou os preconceitos – chamou-os de ídolos – que dificultavam a compreensão da realidade: ídolos da tribo; ídolos da caverna; ídolos do foro; e ídolos do teatro.    

Kant e a  Conciliação Ontológica 
No século XVIII Immanuel Kant representou para a filosofia uma revolução comparável à de Copérnico na astronomia.  Antes de Kant os filósofos ou consideravam importante a atividade mental do sujeito ( racionalismo ), ou a determinação do objeto real exterior ( empirismo ). Com Kant, assim como Copérnico que “centraliza o sol” afirmando que a terra gira em torno dele e não o contrário,  a ontologia passa a  centralizar no sujeito a questão do conhecimento. Porém ele afirma não ser possível o conhecimento das coisas como são em si. Somente podemos conhecer os fenômenos. A palavra fenômeno, que etimologicamente significa, em grego, “o que aparece”,  no esquema kantiano explica perfeitamente a nossa participação na construção do mundo dos fenômenos, pois só existe porque aparece para nós. A síntese ou conciliação entre sujeito e objeto, entre empirismo e racionalismo, mostra que o conhecimento da realidade do mundo é uma construção mental. Conhecemos a priori só o que nós mesmos colocamos na realidade. Estas condições a priori do conhecimento  Kant chamou de "transcendental" ( não é o mesmo que transcendente) porque partem daquilo que é anterior a toda experiência. Para conhecer as coisas  é preciso obter a experiência sensível (empirismo), porém esta experiência torna-se inválida se não contar com as formas a priori, anterior à experiência (racionalismo).
A pensamento kantiano, quanto à possibilidade do conhecimento, é conhecido como agnosticismo. Esta palavra deriva do grego a (não) e gnosis (conhecimento), significando o não conhecível, incognoscível. O agnosticismo de Kant, negando a possibilidade de conhecer a essência das coisas e afirmando o conhecimento apenas do fenômeno,  acaba com toda a ontologia pensada desde os clássicos. Desta forma, funda uma nova ontologia influenciando diversas correntes dos séculos XIX e XX, tanto no idealismo como no materialismo. Inaugurou, acima de tudo, o idealismo como concepção de conhecimento que nega a realidade em si e afirma a realidade estruturada pelas idéias produzidas pelo sujeito. 

Hegel e a Razão Histórica

O filósofo alemão  Hegel (século XIX), pensador do idealismo romântico, elaborou uma profunda crítica às soluções racionalista, empirista e kantiana, de onde observou que todos deixaram de compreender uma questão elementar da razão: a história. Para Hegel a razão é histórica e  movida por contradição. Afirmar que é histórica não significa reduzi-la a um simples relativismo, de onde a verdade jamais atingiria valores universais. Isto porque a razão não ocupa um lugar na história, ela é a história O elemento contraditório que determina o movimento da história é a dialética. Neste caso, Hegel entende os conflitos filosóficos expressos pelas idéias inatas, empíricas e transcendentais (kantianas), como parte do movimento da história. As duas primeiras, de acordo com o filósofo, priorizaram o objeto e erraram por excesso de objetividade. A última, a razão pura de Kant, priorizou o sujeito e errou por exagero de subjetividade.
 Hegel compreende a razão dialética como uma síntese necessária do objetivo com o subjetivo.  Lembremos que no bimestre passado vimos a dialética em Platão como um diálogo e nesta apostila, em Aristóteles, como simples retórica. Para Hegel a dialética é a natureza do pensamento, e é inspirada no pré-socrático Heráclito: 
(desenho/retrato de hegel falando)
 “Aqui finalmente vemos terra: não há proposição de Heráclito que eu não tenha acolhido na minha lógica”. 


A dialética hegeliana opera através das tríades: tese, antítese e síntese. A antítese é a negação da tese e a síntese é a unidade das duas (tese e antítese). Muitos se enganam ao afirmar que este caráter triádico foi inventado por Hegel ou que este tenha  retirado de Heráclito. Na verdade, Hegel foi quem melhor o elaborou como um conceito abstrato, porém foi o pensador Proclo quem inventou este esquema tríadico. 
Na filosofia moderna e contemporânea, tanto nas concepções idealistas e materialistas, a dialética será entendida no sentido hegeliano. Em Marx e Engels, com o materialismo dialético, a dialética hegeliana será colocada de “pernas para o ar” representando uma significativa virada na interpretação da história.        

Comte e o Positivismo

O filósofo Auguste Comte é considerado o fundador do positivismo. Este termo foi utilizado primeiramente por Saint Simon significando o método exato para as ciências e sua extensão para a filosofia. Comte adotou-o para identificar sua filosofia que parte da impossibilidade de se conhecer a “essência das coisas”. De acordo com este filósofo a ciência deve limitar-se ao positivamente dado, ou seja, ao estudo dos fenômenos imediatos da experiência e suas relações, sem preocupar-se com o “porquê” dessas relações. Neste sentido, o positivismo retoma o empirismo e acompanha a crítica feita por Kant à ontologia clássica, afirmando que a ciência positiva deve desistir da busca das causas primeiras e finais, limitando-se à descrição dos fenômenos. É inegável sua contribuição no campo científico, especialmente nas ciências biológicas (evolucionismo) e humanas (sociologia).
Comte classificou as ciências na seguinte ordem: matemática, astronomia, física, química, biologia e sociologia. Esta sequência, segundo ele, aparecem no tempo (na história)  de acordo com o grau de complexidade. A matemática seria a mais simples e abstrata e a sociologia, fundada por ele, a mais complexa e concreta. Tal complexidade é determinada por núcleos constantes como a propriedade, a família, a pátria e a religião. Sua filosofia considera a história, ao contrário do vir-a-ser hegeliano, um progresso daquilo que já estava determinado de forma embrionária, e que necessariamente deveria atingir uma ordem hierárquica, de resultados finais. Sua ciência é o único guia da vida, única moral e única religião possível.
O positivismo tornou-se a mais importante corrente legitimadora da organização técnico-industrial da sociedade moderna, expressando o otimismo da origem do industrialismo de diversos países no ocidente. No Brasil a inscrição “Ordem e Progresso” da nossa bandeira, é um exemplo de tal influência.


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Idealismo e Materialismo
Antes de seguirmos nossos estudos nas origens da ontologia contemporânea, iremos entender como as filosofias se agruparam em torno do ideal (pensamento, espírito, consciência) e do material (ser, matéria, natureza).  Veremos como, a partir de Descartes, Bacon e Kant, passando por Hegel, Comte e Marx, as respostas ontológicas podem ser resumidas em: idealismo e materialismo.

O Idealismo
Aqui o pensamento (espírito, consciência) é eterno, infinito, primeiro e o ser (matéria, natureza) dele deriva. A introdução do termo idealismo é atribuída ao filósofo Leibniz (séc. XVII) que dirigindo-se principalmente à  visão platônica distinguiu-a das visões materialistas. Porém a localização do idealismo na filosofia de Platão foi contestada e abandonada por alguns filósofos, que preferiram substituir esta classificação por “realismo das idéias”. Isto porque Platão, além de rejeitar a multiplicidade do mundo, privilegiou as idéias como essências das coisas, conferindo assim a existência real das próprias idéias. Outros filósofos preferiram somente acrescentar a palavra “objetivo” ao idealismo platônico.
Diversas são as correntes idealistas que encontramos na história da filosofia: idealismo lógico; idealismo fenomenológico; idealismo crítico; “idealismo atualista” etc. Entre os principais filósofos idealistas estão Descartes, Leibniz, Kant e Hegel. 


O Materialismo 
Aqui o ser (matéria, natureza) é eterno, infinito, primeiro e o pensamento (espírito, consciência) dele deriva. De forma geral foi usado pela primeira vez em 1674 por Robert Boyle.
Ao longo da história a concepção materialista assumiu formas diversas. O materialismo nasceu nos países do Oriente antigo (China, Índia, Babilônia, Egito) e nos fins do séc. VII a.C.  desenvolveu-se nas colônias jônicas da Grécia. No séc. V a.C. os pré-socráticos Demócrito e Leucipo, que nem chegaram a se conhecer, expressaram na doutrina atomista a primeira tentativa de conciliar o logos de Heráclito com o logos de Parmênides, iniciando um materialismo cosmológico. Na Idade Média o materialismo fica mais de mil anos fora do pensamento filosófico, quando a teologia apropria-se da filosofia e transforma razão em fé. Na Renascença, com os descobrimentos científicos e geográficos do séc. XVI, o materialismo é retomado do mundo dos filósofos gregos e multiplica-se em inúmeras escolas. Destacamos duas espécies de materialismo resultante desta multiplicação:  materialismo mecanicista e materialismo dialético. 

Materialismo Mecanicista
O materialismo mecanicista, também denominado materialismo vulgar, explica os fenômenos da natureza através das leis da mecânica e reduz todo o conhecimento qualitativamente diferente - como a biologia, a química, a psicologia etc. – a processos puramente mecânicos. Esta espécie de materialismo teve raízes na Antigüidade, com o atomismo, e desenvolveu-se com a ciência moderna entre os séculos XVII e XIX, quando finalmente desaparece como concepção filosófica permanecendo apenas na ciência . 
Entre os atomistas o caráter mecanicista, como vimos anteriormente, pode ser sinônimo de cosmológico. Explicando o mundo como uma grande máquina que comporta um sistema de movimento dos corpos, este materialismo ganhou novos representantes a partir do século XVII.  O filósofo Hobbes (1588-1679) foi um grande exemplo desta recuperação do materialismo mecanicista (ou metodológico), defendendo a noção de movimento e de corpo como única forma de explicação dos fenômenos. Segundo o filósofo, o conhecimento de alguma coisa sempre implica no conhecimento de seu movimento. O conhecimento acerca da natureza considera seu “corpo natural” e da sociedade um “corpo artificial”. Entre suas obras, destacamos “Sobre o Corpo”(1655) onde trata do mecanicismo invadindo os domínios do espírito. 
A filosofia de Descartes também foi materialista mecanicista. Este filósofo compreendeu o mundo governado pela exatidão das leis matemáticas e descreveu-o como uma máquina perfeita. O método de Descartes, aplicado na biologia por Willian Harvey, trouxe importantes revelações para o entendimento do fenômeno da corrente sanguínea  
A partir das últimas décadas do século XIX, os seguidores do materialismo mecanicista não são mais filósofos e sim cientistas. Com o desenvolvimento da física, primeiramente com a dinâmica que é parte da mecânica que estuda os movimentos dos corpos sob a ação das forças, e posteriormente com Hamilton substituindo a idéia de força por energia,  o mecanicismo encontra seus limites nas ciências físicas. Nas ciências naturais, embora com menos intensidade, o materialismo mecanicista serviu para combater obstáculos metafísicos que impediam o desenvolvimento de suas pesquisas e acabou se transformando em tendência reducionista. Da mesma forma na sociologia, resultando na redução de leis sociais à princípios biológicos e psicológicos. 
       
Materialismo Dialético
Baseado em Demócrito e Epicuro sobre o materialismo e em Heráclito sobre a dialética, Marx concebe um materialismo dialético, tentando superar o pensamento de Hegel e Feuerbach.
Ludwig Feuerbach procurou introduzir a dialética materialista, combatendo a doutrina hegeliana que, segundo ele, apesar de traçar um método revolucionário concluía por uma doutrina eminentemente conservadora. Da crítica à dialética idealista, partiu Feuerbach à crítica da Religião e da essência do cristianismo. Feuerbach pretendia trazer a religião do céu para a Terra, ele condiderou que, ao invés de Deus ter criado o homem à sua imagem e semelhança, foi o homem quem criou Deus à sua imagem e semelhança. Seu objetivo era conservar intactos os valores morais em uma religião da humanidade, na qual o homem seria Deus para o homem. 
Marx contestou Feuerbach, afirmando que seu humanismo e sua dialética eram estáticas: o homem de Feuerbach não tem dimensões, está fora da sociedade e da história, é pura abstração. É indispensável segundo Marx, compreender a realidade histórica em suas contradições, para tentar superá-las dialeticamente.



As Origens da Ontologia Contemporânea (a partir do século XIX )

O positivismo e o hegelianismo, ambos “amados e odiados”, inspiraram as filosofias que surgiram nas origens da ontologia contemporânea. O século XIX foi o marco da autonomia científica. Definitivamente a ciência separa-se da filosofia. Especialmente na ciência o positivismo teve sucesso e na filosofia inspirou algumas correntes mecanicistas, como:  o pragmatismo, o cientificismo e o vitalismo. Destacamos quatro filosofias que em grande parte deram origem à ontologia contemporânea: fenomenologia, genealogia e marxismo.  

Fenomenologia
Surgida no século XIX com o filósofo Franz Brentano, a fenomenologia representou uma tentativa de “humanização” da ciência. À excessiva objetividade e pretensa neutralidade da filosofia positivista, a fenomenologia direcionou sua principal crítica. O maior representante da fenomenologia, também conhecida como filosofia da vivência, foi Edmund Husserl. Segundo ele, as três funções principais da filosofia são: separar psicologia e filosofia; manter o privilégio do sujeito diante dos objetos; e renovar o conhecimento de fenômeno. 
Vimos anteriormente que fenômeno, em grego, é o que aparece. Também vimos que o agnosticismo de Kant  negou a possibilidade de conhecer a essência das coisas afirmando o conhecimento apenas do fenômeno. A fenomenologia, apesar de concordar com Kant na importância do sujeito do conhecimento, discorda de seu agnosticismo. Para Husserl, tudo o que existe é fenômeno e apresenta-se diretamente à consciência que é sempre consciência de alguma coisa. Esta consciência de é o que o filósofo chama de intencionalidade. Portanto a essência das coisas, ao contrário de Kant, podem ser conhecidas. Toda a consciência é um ato intencional e esta intencionalidade é sua essência.
Afirmando a intencionalidade da consciência, a fenomenologia bate de frente com os racionalistas que entendem a consciência separada do mundo. E quando afirmam que o objeto só existe para um sujeito que lhe dá significado, contrariam os empiristas que entendem o objeto em si. Além disto, os fenomenólogos defenderam que o conhecimento intelectual não resume a consciência que o homem tem do mundo, pois a intencionalidade é – além de cognitiva – afetiva e prática.        
O existencialismo foi a corrente que herdou da fenomenologia todo o aspecto subjetivista que fundamentará o sentido da existência do homem. Seus principais representantes: Kierkegaard, Heidegger, Sartre, Merleau-Ponty e Ricoeur.


Genealogia
Este termo significa o estudo da origem de todas as famílias. Na filosofia, genealogia identifica um método de decifração utilizado por Nietzche. Através de poemas e aforismos (frases curtas e conceituosas), ele marcou a filosofia dando à interpretação especial importância. 
Segundo este pensador, as classes superiores inventaram as palavras e com elas impuseram uma interpretação. O pensamento lógico-racional expulsou a visão mística e instintiva da arte trágica pré-socrática e definiu as fronteiras entre o verdadeiro e o aparente. Assim começou, a partir de Sócrates, a degeneração da filosofia baseada na ilusão ontológica de um pensamento puramente racional. Para Nietzche, a aparência é a única existência. Ao homem, destinado à multiplicidade, cabe a interpretação instintiva. O conhecimento é resultante de um conflito de instintos. No conhecimento do fenômeno do trágico, que Sócrates dispensou, é que poderemos atingir a verdadeira natureza da realidade. Portanto o conhecimento é  resultante de um conflito de instintos. Resgatando Heráclito, com a valorização do da mudança, do devir, Nietzche afirma não existir uma realidade inteligível, única e imutável. Para ele, a verdade necessária e universal não existe, mas apenas inúmeras idéias do real em constante transformação.
 Se no sentido ontológico Nietzche parte da destruição das idéias socráticas, no sentido moral se coloca radicalmente contra o cristianismo. Ele afirma que os cristãos “São os escravos e os vencidos da vida que inventaram o além para compensar a miséria; inventaram falsos valores para se consolar da impossibilidade de participação nos valores dos senhores e dos fortes; (...) criaram a ficção do pecado porque não podiam participar das alegrias terrestres e da plena satisfação dos instintos da vida.” 
Na filosofia, Nietzche foi visto como uma espécie de homem solitário e incompreendido. Seu pensamento é interpretado para justificar diversas verdades. Após sua morte, por iniciativa de sua irmã Elisabeth, foi utilizado para fundamentar o nazismo e o fascismo. Mais acertadamente e extremamente fecunda, sua filosofia influenciou obras recentes de pensadores como Foucault, Deleuze e Guattari. Ambos estão agrupados na corrente identificada como arqueogenealogia. Também inflenciou algumas das principais correntes de pensamento do século XX, como o existencialismo, a filosofia analítica e a psicanálise.     

O Marxismo
Dá-se o nome de “marxismo” para identificar o pensamento de Karl Marx. Porém o marxismo - durante e após Marx - foi interpretado de tantas formas que fica até difícil expor sua filosofia com o título de marxismo. O próprio Marx, diante das diversas interpretações, chegou ironicamente a admitir não ser marxista. No próximo bimestre, ao tratarmos da política, voltaremos a este filósofo procurando entender sua grande contribuição na economia e na história.
No sentido ontológico, o marxismo sustentou que o ser prima sobre a consciência. Esta reflete a realidade material – que é o ser – e por isso não se enquadra em nenhuma das formas idealistas já vistas na filosofia. O ser, ou realidade, de que o marxismo trata é portanto um princípio materialista. Como já vimos anteriormente, não se refere aqui a um materialismo mecanicista e sim dialético, pois concebe os fenômenos materiais como processos.
Com o marxismo é possível compreender certas ligações necessárias entre o aspecto psicológico e social da humanidade; entre os aspectos econômicos, sociais e políticos; e , principalmente, a articulação entre todos estes aspectos e as idéias produzidas pela sociedade. Por isso, podemos afirmar que a grande contribuição marxista às ciências humanas insere-se numa nova interpretação dos fenômenos humanos. Estes são o resultado das contradições sociais determinadas pelas relações econômicas sustentadas na exploração do trabalho.         
Assim, esclarecendo condições objetivas da existência do homem, o marxismo transforma-se numa grande filosofia, utilizada sobretudo na política, e se expressando no século XX  através da obra de pensadores como Gramsci, Althusser, Lukács, Goldmann, Schaff, e Lefebvre. Também nas obras dos filósofos da Escola de Frankfurt como Horkheimer, Adorno, Benjamin e Habermas.

A Epistemologia
A epistemologia, que é sinônimo de gnosiologia quando estuda a origem e o valor do conhecimento humano em geral e sinônimo de teoria do conhecimento quando estuda o valor dos sistemas científicos, partindo dos princípios fundadores das ciências físicas e humanas, de seus critérios de verdade e verificação. Portanto trataremos epistemologia nos dois sentidos. 

A Questão da Verdade 
Uma questão epistemológica fundamental pode estar expressa da seguinte forma: Qual o alcance e a verdade do conhecimento? O que podemos conhecer? Existe a verdade? Num sentido mais restrito, também de forma crítica e descritiva, a epistemologia estuda o conhecimento científico em particular. Como vimos, a epistemologia pode ser estudada a partir do nascimento da filosofia até hoje e seu começo como disciplina – como parte autônoma da filosofia – deu-se somente na Idade Moderna, principalmente com os filósofos: Descartes, Looke, Hume e Kant.
Como disciplina a teoria do conhecimento é o estudo crítico e reflexivo de problemas surgidos da relação entre sujeito e objeto do conhecimento. Trata da origem, dos limites e do valor do conhecimento, investigando e relacionando a verdade entre os conceitos e as coisas.
A verdade existe e sempre foi perseguida. Em todas as idades, culturas e épocas, o ser humano procura a verdade. O que move a filosofia e cria as diferentes formas de filosofar, é o desejo do verdadeiro.
A Verdade: Concepções e Teorias 
A filósofa brasileira Marilena Chauí nos lembra que a verdade pode ser entendida na filosofia a partir de três concepções construídas em línguas diferentes: grego, latim e hebraico. 
Em grego, diz-se aletheia, que significa o não-escondido. O verdadeiro está nas próprias coisas e plenamente visível à razão. O falso está escondido nas aparências e nunca é como parece ser. Portanto, aletheia refere-se ao que as coisas são. Em latim, diz-se veritas e refere-se ao rigor da afirmação. Diferente da aletheia, aqui a verdade não se refere às coisas e sim ao enunciado, à linguagem. Referimos à veritas para os fatos que foram. Em hebraico, diz-se emunah, que é uma palavra de mesma origem que amém, e significa confiança. A verdade agora  é fruto da espera e da confiança na palavra dada, no pacto realizado, na profecia, no futuro. Referimos à emunah para coisas e ações que serão.
Diversas teorias sobre a natureza da verdade aparecem na filosofia combinando aletheia, veritas, e emunah. Trataremos de aborda-las no grupo de quatro espécies: materiais, lógicas, axiomáticas e axiológicas. 
Materiais ou Objetivas: Nas ciências naturais encontramos o grande exemplo desta verdade, onde a aletheia predomina. As coisas são por demonstração e verificação através da experiência. Correspondem com os fatos reais. São as verdades de fato. Exemplo: O ser humano, sem estar com equipamento de mergulho, não pode respirar debaixo da água; esta mesma água é composta de dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio.     
Formais ou Lógicas: Ausência de contradição e coerência do raciocínio consigo mesmo. Aqui a veritas é predominante, onde o verdadeiro é submetido a regras lógicas da argumentação. É também chamada de verdade de razão. Exemplo: Todos os alunos são do Colégio X. Ora, fulano é aluno. Logo, fulano é do Colégio X.   
Axiomáticas ou Convencionais: É a verdade , nem sempre evidente, que é sustentada por determinada comunidade de cientistas, onde o consenso e a confiança no uso de regras e convenções estabelecem o verdadeiro. Este é a espécie de verdade onde predomina a emunah. Exemplo: Alguns axiomas e postulados na matemática não dependem de verificações anteriores. 
Axiológicas:. Semelhante a anterior (ambas derivam da raiz grega axios – o que tem valor, estima, dignidade) é baseada em critérios convencionais. Porém, as convenções aqui tratadas são as sociais e não as científicas. Divide-se em três: 
a - verdade axiológica propriamente dita: valores éticos, estéticos, religiosos, jurídicos, etc.. Temas como o aborto, a eutanásia e a pornografia, pertencem a este campo de verdades, determinadas nos mais diversos contextos sociais. Assim, a verdade em uma sociedade pode não ser  verdade em outra sociedade.    
b – verdade pragmática: é o verdadeiro a partir de critérios práticos e não teóricos. Também pode ser entendida como aquilo que é vantajoso para o sucesso de uma pessoa ou grupo social.
c- dogmática ou religiosa: verdade que dispensa o uso de coerência consigo mesma e da correspondência com a realidade, bastando o uso da crença, da fé. 

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Lógica
Tudo que é verdadeiro é lógico. É lógico que estamos lendo esta apostila. É lógico que para ler tenhamos que abrir nossos olhos. É lógico que um automóvel precisa de combustível para andar. É lógico que eu preciso de dinheiro para tomar um ônibus. É lógico que preciso caminhar se o automóvel não tiver combustível e eu estiver sem grana. Porém posso aguardar uma carona e é lógico que não precise caminhar. É lógico, lógico, lógico... Repetidas vezes pronunciamos esta palavra para expressar evidências. Na filosofia é uma disciplina bastante estudada. Veremos aqui um pouco de sua história e de seus procedimentos. 


Lógica Formal e Lógica Dialética

Vimos no bimestre passado que lógos, de onde deriva “Lógica”, é uma das palavras mais importante da filosofia e que sua tradução não é simples. No português esta palavra de origem grega possui sentidos múltiplos: conversa, pensamento, norma, regra, ser, realidade, razão, linguagem, explicação, etc. Também vimos que os pré-socráticos, opondo-se a narrativa mítica, começaram a estabelecer determinadas leis do pensamento. 
No início desta apostila reproduzimos a seguinte oposição para introduzir nossos estudos em ontologia: 
Unidade / Permanência  X  Multiplicidade / Devir
Priorizando a unidade e permanência  do ser temos a lógica formal. Priorizando a multiplicidade e pluralidade do devir, da transformação das coisas umas nas outras, temos a lógica dialética. 
  

Lógica Formal

Sócrates (lembrem-se da maiêutica), os Sofistas (retórica) e Platão não chegaram a sistematizar uma lógica formal propriamente dita. Este último até entendeu-a como um procedimento intelectual e lingüístico que resultaria do confronto de opiniões opostas, ou seja, a partir da dialética (em grego a palavra dia quer dizer dois e o sufixo lética refere-se a logos).  
Somente Aristóteles, apesar de nunca ter usado a palavra “lógica”, empregada séculos depois pelos estóicos, foi quem sistematizou-a como um estudo preparatório da investigação e do saber demonstrativos. Em vários  textos que compõe sua obra Organon (significa instrumento) o filósofo distingue dois tipos de discursos: o dialético que parte do provável e termina no provável, e serve apenas como retórica, e o demonstrativo partindo do verdadeiro e terminando no verdadeiro, é o argumento lógico por excelência.  As principais características atribuídas por Aristóteles à lógica ou  analítica (assim ele denominava) são:
instrumental: serve de um instrumento para o pensamento correto;
formal: expressa através da linguagem as formas gerais dos pensamentos não se ocupando com os conteúdos presentes; 
normativa: apresenta regras e normas fundamentais para a verdade do pensamento ;
propedêutica: conhece e indica os métodos e as demonstrações necessários para o início de qualquer filosofia ou ciência;
doutrina da prova: condiciona e fundamenta as demonstrações, a partir da verificação de hipóteses e conclusões;  
geral e temporal: atribui princípios, como na razão, de universalidade, necessidade e imutabilidade, independendo das circunstâncias, das pessoas, do tempo e do lugar.


A contribuição maior da lógica aristotélica encontra-se nos primeiros princípios:

- Identidade: 
Quando A é A. Um ser é sempre idêntico a si mesmo.   

- Contradição: 
Quando é impossível afirmar A é A e não-A. Um ser não pode ser e não ser idêntico a si mesmo ao mesmo tempo.

- Terceiro Excluído: 
Quando somente são válidas duas possibilidades: A é X ou A é não-X. Uma é necessariamente verdadeira e a outra necessariamente falsa.  


Lógica Matemática:
A lógica matemática, que também é formal, inicia-se no final do século XIX com Frege. No século XX seus maiores representantes são Whitehead, Russel e Wittgenstein. Esta é a lógica que utiliza uma linguagem simbólica artificial, constituindo uma linguagem ideal ou perfeita em substituição às ambigüidades de todas as outras línguas.
Para identificar as diferentes proposições eles utilizam as letras: p, q, r, p1, q1, r1 etc. Quanto aos conectivos utilizam os seguintes sinais: 

“não”_____  “ou”_____ “e”_____ “implica” ou “se..., então...” _____

“equivalente a” ou “se e somente se” _____ “logo” ou “portanto” ____

Como exemplo vamos considerar o seguinte argumento: 

“O aluno silencioso está concentrado em sua prova  ou está concentrado na prova de outro.
 O aluno silencioso não está concentrado em sua prova.
 Logo, está concentrado na prova de outro” 

De acordo com a lógica matemática, este argumento fica simbolizado da seguinte forma:

p ______ q
                                  ____  p
                                               _______________
                                                            q



Fonte da imagem: http://cantadordeestorias.com.br/

Lógica Dialética
Vimos em diversas ocasiões, nesta apostila e na anterior, os vários sentidos que a palavra dialética assumiu na história. Porém, como lógica dialética, iremos admitir somente o sentido dado por Hegel, Marx e Engels.
Muitos estudiosos, inclusive na filosofia, afirmam não ser possível a inexistência de uma lógica dialética. Segundo estes, o primeiro termo (lógica) já exclui o segundo (dialética). Isto porque, no momento em que elaboramos os argumentos, nos sujeitamos às regras imóveis do pensamento correto. Portanto, baseado nesta visão, a lógica dialética só é possível como uma Teoria do Caos.       
A opção pela real existência da lógica dialética, parte da compreensão de que a produção da idéia é dialética e que somente sua expressão é formal. Assim, pensamos dialeticamente o que é dito ou escrito formalmente. Porém, a aceitação mais fecunda da lógica dialética, parte do entendimento de que a lógica formal é ineficaz para explicar fenômenos sociais. Esta ineficácia também é observada em determinado grau de desenvolvimento atingido pelas ciências naturais. Por exemplo, na física de hoje os estudos da estrutura íntima da matéria dispensam a explicação clássica de causalidade formal e exigem explicações que compreendam novas relações de processo. Também na biologia, onde as concepções organísmicas ganham espaço, o formalismo não consegue dar conta das  explicações “contextuais” exigidas.
A lógica dialética não é operatória no sentido formal. Sua abrangência operatória é global e reivindica uma historicidade. Nem tampouco é um método científico e sim um raciocínio filosófico. Um raciocínio que parte das determinação do ser que se constitui e se transforma. 
O movimento do raciocínio dialético desenvolve-se da seguinte forma: 
- A tese da afirmação geral sobre o ser. Por exemplo: “O lápis é de madeira.” 
-  A antítese compreende a negação da afirmação da tese anterior. “O lápis não é feito só de madeira." A antítese é a primeira negação que também pode ser negada.
- A síntese constitui a negação da negação, onde se encontram a tese e        antítese repensadas. “O lápis é produto do trabalho humano com o auxílio de instrumentos." Portanto, a síntese constitui uma nova tese a ser desenvolvida no infinito movimento do pensamento.

As Leis da Lógica Dialética:
- A passagem da quantidade à qualidade: o processo de transformação das coisas se faz por saltos; é a passagem do ser para o ser outro.
- A interpenetração dos contrários: a contradição como força motriz provocadora do movimento e da transformação.
- A negação da negação: é a interação das forças contraditórias; a tríade que explica o movimento (tese, síntese e antítese)



Conclusão 

O que é a realidade? Esta questão é mais do que presente. Diríamos que ela é também passado e futuro. O problema da realidade, considerado fundamental para a filosofia, poderia tomar conta de várias apostilas como esta e mesmo assim não se esgotaria. Questões ontológicas e epistemológicas persistem na procura de uma solução definitiva para a razão. Soluções, que preferimos aceitar como não definitivas,  foram e continuam sendo aceitas ou rejeitadas. Alguns filósofos e cientistas,  contraditoriamente apoiados no deslumbramento de suas épocas, sobretudo no séc. XXI em que a eficiência tecnológica é tão homenageada, esqueceram que o conhecimento não tem limites e que a história não tem fim. 
As alternativas clássicas continuam alimentando um rico debate filosófico: Permanência ou Devir? Idéia ou Matéria? Realismo ou Idealismo? Racionalismo ou Empirismo? Idealismo ou Materialismo? Racionalismo ou Empirismo? Lógica Formal ou Lógica Dialética?  Esta constante procura garantiu à filosofia a missão mais nobre do conhecimento, pois o ser humano possui  razão para procurar a razão das coisas. A investigação filosófica é constante e profunda, e mesmo que repouse na explicação ou defesa de algum aspecto do conhecer e do agir, deverá sempre seguir seu rumo na procura de questões e respostas novas para o ser e o pensamento. Sempre!


Fonte da imagem: http://divorciadosenlaiglesia.blogspot.com.br/

Galeria dos Filósofos
Adote sempre um filósofo para a cabeceira de sua cama e boa leitura!
Destacamos aqui uma resumida biografia de apenas alguns dos mais importantes filósofos e de alguns cientistas, importante para a compreensão do assunto que tratamos nesta apostila. Em cada biografia, colocamos o título de algumas obras do filósofo para você procurar nas bibliotecas ou livrarias. Leve-os para sua casa e conheça melhor seus pensamentos. Afinal para conhecer melhor sobre eles somente a partir deles.


Platão nasceu em Atenas ( 428-7 a.C.) e lá morre ( 348-7 a.C.). Seu nome é derivado de seu vigor físico e da largueza de seus ombros (platos significa largueza). Com vinte anos de idade entra em contato com Sócrates, tornando-se seu discípulo durante nove anos, até  quando seu mestre é condenado e bebe o cálice de cicuta. Em 387 a.C., num ginásio que levava o nome do herói Academos, Platão funda a Academia, que podemos considerar como a primeira universidade do ocidente, somente fechada definitivamente após setecentos anos pelo imperador Justiniano. Na porta da “universidade platônica” existia uma inscrição advertindo que ali não devesse entrar “quem não soubesse geometria”, pois Platão considerava a matemática o modelo seguro para enfrentar o relativismo e a diversidade de opiniões. Além de cartas Platão escreveu cerca de trinta Diálogos. Suas obras contavam sempre com Sócrates como protagonista. O sistema filosófico de Platão baseia-se na distinção de duas formas de conhecimento: o sensível e o intelectual. O primeiro, como crença e opinião, só alcança a aparência das coisas; o segundo, como raciocínio e intuição, alcança a essência das coisas, as idéias. Portanto, o Ser verdadeiro somente é alcançado pelo conhecimento intelectual.  No livro VII da República Platão expõe o mito da caverna, obra bastante reproduzida até hoje, onde compara a condição de conhecimento dos homens à de escravos presos numa caverna. Esta, numa parede ao fundo, apresenta somente as sombras das coisas e dos seres iluminados pelo sol lá fora, visão que os escravos consideram a verdadeira. Assim, a filosofia consistia no esforço de libertação das aparências, de saída da caverna para encarar as coisas verdadeiras.       

Aristóteles nasceu em 384 a.C. em Estagira, cidade pertencente aos domínios da Macedônia. Com dezoito anos Aristóteles chegou em Atenas para estudar. Lá encontra duas instituições de ensino: a de Isócrates, seguidor do pensamento dos sofistas, que ensinava política como emissão de opiniões prováveis sobre coisas úteis; e a Academia platônica. O filósofo escolhe a Academia e permanece até a morte de Platão. Convidado pelo imperador Filipe da Macedônia para educar seu filho Alexandre, Aristóteles sai de Atenas e só retorna quando Alexandre, no lugar do pai que fora assassinado, começa a construção de  seu grande império na conquista do Oriente, o que provoca um afastamento entre os dois. Aristóteles discorda da fusão da civilização grega com a oriental por considerar a primeira uma comunidade perfeita e bastante peculiar,  impossível de ser transmitida a outros povos: os bárbaros. Retornando para  Atenas funda uma escola, o Liceu, que iria rivalizar com a Academia. O Liceu, ao contrário das investigações matemáticas da Academia de Platão, transformou-se num grande centro de estudos voltados especialmente às ciências naturais. O biologismo torna-se uma grande referência na filosofia de Aristóteles influenciando sua física e sua metafísica, refletindo em sua doutrina acerca do movimento. Algumas obras: 

Zenão de Licio: (335 a.C. – 263 a.C.) Filósofo grego, fundador o estoicismo. Influenciou-se pela obra do Demócrito de Abdera. Estudou com afinco, quando jovem, a obra dos socráticos. Posteriormente, transferiu-se para Atenas, cuidando dos negócios paternos. Em 314, abandona tudo para dedicar-se apenas à Filosofia. Ficou mais de 20 anos estudando e pensando, antes de expor suas teorias e sistemas filosóficos, deixando-se impresionar sobretudo pela obra de Demócrito de Abdera. Acaba por fundar o estoicismo, pensamento moral que se baseia na ataraxia, buscando um espaço de equilíbrio favorável à sabedoria. Disse, segundo Diógenes Laércio, a máxima: “Viver em harmonia com a natureza.” Muitos acham que se suicidou após julgar terminada sua obra.

Epicuro: (341 ou 342 a. C. – 270 a. C.) Filósofo grego, fundador da escola filosófica conhecida por Epicurismo. Os ensinamentos de Epicuro se baseiam no desprezo pelas superstições e crenças e que o prazer é o sumo bem do homem. O prazer mencionado por ele dizia respeito às coisas do espírito e nunca materiais. Entretanto , o desvirtuamento dessa filosofia provocou a idéia falsa de sensualismo. Epicuro era, sobretudo, virtuoso, sóbrio e profundamente moralista. Sua doutrina é fudamentalmente ética e sustenta que  a satisfação do indivíduo não deve levá-lo aos vícios. A maioria de seus manuscritos foi copilada por Diógenes Laércio que formou o Livro X de vidas e opiniões de filósofos célebres. A escola de Epicuro manteve-se em evidência até o final do século III.

Aurelius Augustinus (354-430) 
Santo Agostinho nasceu no norte da África, na cidade de Tagarte. Quando criança era cristão, mas depois interessou-se por outras religiões, como a dos maniqueus, que formavam uma seita, e dividiam o mundo entre o bem e o mal, trevas e luz, espírito e matéria. Foi influenciado pelos estóicos e os neoplatônicos, e também aderiu ao ceticismo. Conheceu a palavra do apóstolo Paulo e abandonou o maniqueísmo, convertendo-se à fé cristã. Desiste do cargo de professor e volta a Tagaste onde funda uma comunidade monástica, disposto a fundamentar racionalmente a fé, como foi comum na Idade Média. Vira vigário aos trinta e seis anos, praticando a vida ascética e mais tarde bispo de Hipona. Algumas obras: Contra Academicos; As Confissões; De Trinitate; e a Cidade de Deus.

São Tomás de Aquino (1227-1274)
Nasceu em um castelo próximo à cidade de Aquino, na Itália. Com 25 anos escreveu um opúsculo O Ente e a Essência. Virou professor e foi para Paris, onde escreve comentários sobre a Bíblia. Nessa cidade passa a vida escreve as duas Sumas que compõe a sua obra: A Suma contra os gentios e a Suma teológica. Trata de Deus e suas obras, da fé no mistério a santíssima trindade, da encarnação, dos sacramentos e da vida eterna. Afirma que o homem possui uma capacidade, passada por Deus, de distinguir naturalmente o certo e o errado. Este filósofo faz uma exposição completa da religião católica, identificando o que há de verdade nela. Gentios eram os pagãos e os maometanos.  Acerca das mulheres, como Aristóteles, que dizia ser o homem ativo ,criativo e doador de energia vital na concepção, enquanto a mulher é receptora e passiva, Aquino encontra justificativas com a afirmação da Bíblia que a mulher deriva de uma costela do homem. A obra de São Aquino é imensa, alguns de seus trabalhos foram escritos por ele mesmo, outros ditados e outros ainda reportados. 

Nicolau Copérnico
Monge e astrónomo polaco (1473 - 1543). Autor de um livro, publicado pouco antes da sua morte, onde defendia o movimento da Terra em volta do Sol. Esta tese contrariava as crenças dominantes, de base aristotélica de que a Terra estaria no centro do mundo, com o Sol e os restantes astros girando à sua volta. 

Galileu: (1564 – 1642) Nasceu em Pisa, Itália e morreu em Arcetri, Itália. Matemático, físico e astrônomo italiano condenado pela Inquisição. Construiu o primeiro telescópio e inúmeros aparelhos de precisão, descobriu que a Terra gira em torno do sol e estabeleceu as leis que ainda regem a Física e a Astronomia. 

Kepler: (1571 –1630) Astrônomo austríaco, foi um dos fundadores da Astronomia moderna, Juntamente com Galileu e Copérnico, Kepler foi um dos fundadores da Astronomia moderna, derrubando a teoria geocêntrica de Ptlomeu e lançando as bases da física newtoniana, que efetuou a fusão das teorias da mecânica celeste e terrestre. A existência dos satélites de Júpiter, anuncianda por Galileu, é questionada por Kepler, que se lança a pesquisas próprias sobre o assunto. Galileu lhe envia uma luneta, com a qual ele acaba reconhecendo a exatidão das afirmações do astrônomo italiano. Em 1596 publica Mysterium Cosmographicum, obra em que argumenta a favor das hipóteses heliocêntrica. Envia cópias deste trabalho a Galileu Galilei, em Pádua, e Tycho Brahe, em Praga. Este último convida-o a trabalhar como seu assistente, cargo que Kepler assume em 1600. Em Astronomia Nova, obra que publicou em 1609, expões 2 das leis de movimento dos planetas. Hoje essas leis são conhecidas como leis de Kepler. 

Harvey Willian: (1578 – 1675) Considerado por muitos com  pai da medicina moderna. Estudou por muitos anos o sistema de circulação. Em 1628 publicou uma obra sobre as pesquisas: Exercícios anatômicos relativos à mobilidade do coração e do sangue. Nesta obra Harvey demonstrou que existia o movimento circulatório. Mais tarde, 1651, publicou outra obra: Exercitationes de gerationes de animalum, sobre suas pesquisas embriológicas. Desenvolveu ainda pesquisas sobre os seres vivos, relatando suas observações na obra Omne vivun ex ovo, onde estabeleceu o axioma de que todo ser vivo provém de um ovo. No período da Guerra Civil Inglesa, acompanhou o rei Carlos I à Escócia, indo depois para Oxford, onde ficou até 1656. Nesta época dedicou-se aos diversos estudos da Medicina e trabalhou como médico particular de Carlos I. Quando Oxford foi sitiada pelo Lord Fairfax, Harvey voltou para Londres. Em 1654 recusou a presidência do Royal College, mas permaneceu ligado a ele até sua morte.


Thomas Hobbes: (1588 – 1979) Filósofo inglês, empirista, desenvolveu uma filosofia baseada no materialismo, um dos dos primeiros a propor o conceito do Estado absolutista. Conviveu com Bacon, Bem Johnson, Galileu e Descartes. Segundo Hobbes, “não existe outra coisa senão o movimento e a matéria; também os espíritos são explicados pela dinâmica sutil, inatingível pelos sentidos.” Hobbes, mediante o materialismo mecânico, explica também a vida psíquica, o conhecimento e o agir. Do ponto de vista de moral e política, Hobbes conceituou a teoria do Estado Absolutista. Algumas obras: Elementorum Philosophiae Sectio Tertia de Cive;  Leaviathan; Philosophiae sectio prima de corpore; e Elementorum philosophiae sectio secunda de homine. 

René Descartes
Filósofo francês (1596 - 1650), considerado o fundador da filosofia moderna. Pondo em causa todo o saber adquirido, Descartes vai chegar a uma certeza indubitável, a da sua existência como ser pensante: "Penso, logo existo". A partir dessa certeza procura reconstruir o edifício do saber, guiado pelo ideal de uma ciência universal cujos conteúdos principais pudessem ser deduzidos das ideias inatas, de que as três principais correspondem às três substâncias: Deus, a alma e o mundo. Sua filosofia é reconhecida nos campos materialista e idealista. Quando Galileu foi condenado pela inquisição Descartes passa a escrever com extrema ambigüidade, sendo conhecido como “o filósofo mascarado”. Foi um dos criadores da geometria analítica. Obras: Discurso do método, Paixões da alma, Meditações metafísicas, Princípios de filosofia, Regras para a direção do espírito.

Leibniz: (1646 – 1716) Filósofo e matemático alemão. Teólogo e jurista. Historiador, enveredou até pela lingüistica. Foi o último dos grandes racionalistas do sec XVII. Como teólogo pugnou pela aproximação entre as diversas seitas cristãs, e escreveu o Systema Theologicum, 1684. Rompeu com a filosofia cartesiana em vários textos, sustentando que a substância física consiste na força e não na extensão. Profundo conhecedor de Aristóteles, Platão e dos filósofos medievais, substituiu o panteísmo de Espinosa pela teoria das mônadas, partículas de que se constitui o universo e que representam a natureza, Deus e a realidade. Seu racionalismo difundiu-se pela Alemanha no sec. XVIII. Na Matemática, deixou duas grandes contribuições: o cálculo infinitesimal e o cálculo do raciocínio. 

David Hume
Filósofo escocês ( 1711 -  1776), talvez o mais famoso filósofo empirista de todos os tempos. Levando ao limite os pressupostos do empirismo, negou o conhecimento de relações causais entre os fenómenos, assim como da existência de substâncias. Tudo se resume a uma série de percepções unidas associativamente pela imaginação. Obras: Investigação sobre o entendimento humano, Investigação acerca dos princípios da moral. 

Denis Diderot
Filósofo francês (1713 - 1784) educado para o sacerdócio, optou pelo materialismo. Seu pensamento integra conceitos das ciências biológicas, em detrimento da física, entendendo a natureza organizada num sistema que compreende as formas primitivas e complexas (homem)  numa cadeia contínua. Obras: O passeio do cético, Jóias indiscretas, Carta sobre os cegos,, A religiosa, O sonho D’Alembert. 

Emannuel Kant
Filósofo alemão ( 1724 -  1804) influenciado por Hume, afirmou que todo o conhecimento começa com a experiência, porém não deriva todo da experiência. O conhecimento conta também com a contribuição da nossa faculdade de conhecer, que não tem um papel apenas passivo. Daí decorre que o nosso conhecimento não representa as coisas tal como elas são, mas sim como são para nós. A realidade em si é incognoscível, tal como Deus, a imortalidade e a liberdade, dos quais apenas podemos ter uma certeza moral. Obras: Crítica da razão pura, Fundamentação da metafísica dos costumes, Crítica da razão prática, Crítica da faculdade de julgar. 

Hegel (1770 - 1831)
Filósofo alemão (n. , adepto  do idealismo romântico. A sua filosofia, grandiosa e complexa, assume-se como um retomar da história da filosofia e da humanidade, procurando pensar e compreender todo esse processo. Nela, na filosofia hegeliana, a intuição fundamental é a descoberta da negatividade inerente ao real, a descoberta de que a vida só se realiza através da morte, o positivo através do negativo. É isto a dialética, a qual está presente na célebre afirmação hegeliana: o real é racional e o racional é real. Como momentos opostos, só se podem realizar um através do outro: a realidade precisa dos conceitos adequados para ser dita, e os conceitos apenas têm sentido quando expressam o movimento do real. Obras: Fenomenologia do Espírito, Ciência da lógica, Enciclopédia das ciências filosóficas.

Auguste Comte (1789 - 1857)
Filósofo francês  positivista e inventor da lei dos três estados. Para C. a humanidade e o pensamento passariam por três estados: o teológico, no qual as explicações da realidade seriam baseadas nos seres sobrenaturais, deuses e demónios; o metafísico, em que os seres sobrenaturais seriam substituídos por entidades abstractas; finalmente, o estado positivo ou científico, em que o homem se limita a estudar as relações entre os fenómenos, abandonando as pretensões metafísicas. Obras: Curso de filosofia positiva, Sistema de política positiva, Catecismo positivista. 

Ludwing Feuerbach: (1804 – 1872) Filósofo alemão, considerado o maior expoente da esquerda hegeliana, teve grande influ6encia sobre Marx. Ludwig começou estudando Teologia, mas abandonou o curso para se dedicar exclusivamente à Filosofia. Foi aluno de Hegel durante 2 anos. Participou do famoso grupo de Jovens Hegelianos. Dedicou-se à critica da religião, discutindo conceitos religiosos como reflexos de conceitos terrestres e substituindo a idéia da matéria. Reduz a religião ao culto do homem. Para ele a religião não teria um objeto real, transcendente, mas seria a objetivação sentimental e fantástica dos ideais humanos, do homem ideal. A filosofia religiosa de Feuerbach demole não apenas a religião positiva, o cristianismo, mas também a religião natural em geral, e toda possibilidade de religião. As idéias deste filósofo influenciaram enormemente Karl Marx. Algumas obras: Reflexões sobre a morte e a imortalidade; Abelardo e Heloísa; Sobre a filosofia do cristianismo e Crítica da filosofia Hegeliana; A Essência do cristianismo. Princípios da filosofia do futuro; e Teogonia. 


Sören Kierkegaard (1813 -1855)
Filósofo dinamarquês, considerado um dos principais precursores do existencialismo, ou das filosofias da existência. Recusando o ideal de um saber intelectual, universal e necessário, como o defendido por Hegel, acentuou o carácter voluntário, singular e livre da verdade, que se consubstancia no acto de fé do cristão, vivido no temor e na angústia: temor de perder o que possui, angústia de se perder a si mesmo. Obras: Diário de um sedutor, Temor e tremor, Migalhas filosóficas, Banquete, O desespero humano. 

Karl Marx (1818 - 1883)   
Filósofo e economista socialista alemão Procurou explicar o desenvolvimento da história e da cultura através dos mecanismos materiais de produção e distribuição de mercadorias, tentando simultaneamente basear  nesse conhecimento uma prática política que levasse à construção de uma sociedade sem classes.  Obras: O manifesto do Partido Comunista, O Capital, O 18 brumário de Luís Bonaparte, Contribuição à crítica da economia política,  

Friedrich Engels (1820 – 1895)
Filósofo prussiano, colaborador financeiro e intelectual de Karl Marx, com quem escreveu O manifesto do Partido Comunista e A ideologia alemã. Engels exerceu forte influência no pensamento de várias gerações de operários e militantes socialistas. Obras: Anti-Dühring, A dialética da natureza e A origem da família, da propriedade privada e do Estado.

Friedrich Nietzsche (844 - 1900) 
Filósofo alemão que rejeita qualquer distinção entre diferentes tipos de realidade, umas mais reais do que as outras, representando de certo modo um retorno a Heraclito, com a valorização do devir, da mudança, do sensível, da terra. Do mesmo modo que não existe uma realidade inteligível, única e imutável, também não existe uma verdade necessária e universal, mas apenas diversas perspectivas sobre um real em permanente transformação. Nietzsche acabará, no entanto, por valorizar a perspectiva da vontade de poder. É esta que permite ao homem ultrapassar-se a si mesmo, em direcção ao sobre-humano. Obras: Origem da tragédia, Assim falava Zaratustra, Genealogia da moral, O crepúsculo dos ídolos. 

Edmund Husserl: (1859 – 1938) Filósofo alemão, fundador da Fenomenologia, um novo método de análise da consciência. O pensamento de Husserl constitui a abertura de uma das principais vertentes filosóficas do sec. XX. Pretendendo propor um novo ponto de partida para o pensar, e um novo método de pesquisa, seu pensamento evoluiu sem interrupção e se reformulou, tendo exercido e, ainda exercendo ampla influência não apenas sobre o campo filosófico, mas também sobre várias áreas da investigação científica. Entre 1881 e 1883 permanece em Viena, aí escrevendo sua tese de doutoramento sobre Calculo das Variações. Freqüentemente tem-se feito a distinção entre 3 períodos de pensamento de Husserl: de início, o não reconhecimento do primado da lógica sobre as estruturas e a análise matemáticas, bem como sobre a psicologia e outras ciências relativas a fatos naturais. Todavia, alguns anos depois mostrará, nas Investigações Lógicas, que a lógica pura é, de saída, uma fenomenologia, ou seja, uma descrição da consciência – método que permite apreender significações e chegar à visão de essências. Na última fase de sua obra, coloca problemas relativos à história, ao mundo das pessoas e da cultura em termos de historicidade da consciência, dedicando-se, então, à análise do “mundo da vida”, que seria o “horizonte da consciência”.

Bertrand Russell (1872 - 1970)
Lógico, filósofo e ensaísta inglês. Célebre pelo seu monumental trabalho, em colaboração com A. N. Whitehead, na fundamentação da lógica e da matemática, assim como pelo inconformismo que o leva a pôr em causa todas as certezas estabelecidas e todos os totalitarismos. Obras: Principia Mathematica (com Whitehead), Os problemas da filosofia, História da filosofia ocidental, A minha concepção do mundo, Porque não sou cristão. 
Martin Heidegger: (1889 – 1976) Filósofo alemão, um dos maiores nomes do Existencialismo. Para Heidegger, o ponto principal da Filosofia é o problema do SER. Padovani e Castagnola assim sintetizam o seu pensamento em História da Filosofia: “Não é a essência que dá significado à existência, mas ao contrário. A existência é possibilidade que, determinando-se, adquire uma essência. Assim, toda a metafísica fica invertida.” Para Heidegger, a filosofia deve desvendar a existência, determinar a  essência do estar no mundo; noutras palavras, a filosofia é pesquisa, determinação do concreto, do individual imediatamente presente à consciência, concebido, porém, como dado sofrido. Para enfrentar esse problema é preciso emergir do imediato estar-no-mundo, é preciso existir. O pensamento de Heidegger influenciou profundamente a Jean Paul Sartre, certamente o mais famoso existencialista do séc. XX e uma das filosofias mais divulgadas, popularizadas e até mesmo imcompreendidas do pós-guerra. Algumas obras:  O ser e o tempo; e O que é metafísica.

Antonio Gramsci: (1891 – 1937) Filósofo italiano, foi um dos fundadores e dirigente do Partido Comunista de seu país. Fez seus primeiros estudos no ginásio de Santo Lussurgiu e depois no liceu de Cagliari. Aos 17 anos obteve, juntamente com Togliatti, seu colega de estudos, uma bolsa da Universidade de Turim, onde estudou História, Filosofia e Filologia. Todo o trabalho de Gramsci dirige-se para a criação de um partido revolucionário da classe operária. Com o Partido Comunista sendo posto na ilegalidade, Gramsci foi preso por ordem de Mussolini a 8 de novembro de 1926 e deportado para a ilha de Ustica. Em 1928 foi condenado a 20 anos, 4 meses e 5 dias de prisão. Na prisão entre 1929 e 1935, escreveu os Cadernos do cárcere. Morreu poucos dias depois de sua libertação, ordenada por Mussolini, para que sua morte na prisão não abalasse o prestígio do governo. Depois de sua morte, seus escritos foram divididos em 5 volumes: O materialismo histórico e a Filosofia de B. Croce, Os intelectuais e a organização da cultura, Notas sobre Maquiavel, A política do estado moderno, Literatura e vida nacional e Cartas do cárcere.

Walter Benjamim: (1892 – 1940) Filósofo, crítico e ensaísta, deu novos contornos a abordagem das obras literárias filosóficas e de arte. Autor extremamente complexo, provocou uma reação contra a crítica tradicional, impressionista e historicista. Benjamim era judeu e foi membro da Escola de Frankfurt. Com o nazismo chegando ao poder na Alemanha, foge para a França. Lá vive até os nazistas invadirem o país. Quando é ameaçado de deportação para a Alemanha, onde os judeus sofriam perseguições, suicida-se.   Adorno foi quem mais divulgou a obra de Benjamim. Somente 15 anos após sua morte “que se descobriu o verdadeiro valor revolucionário dos trabalhos deste pensador alemão. A partir de 1955 começaram a ser publicados e lidos os seus textos. Entre eles, A obra de arte em sua época de reprodutibilidade técnica tornou-se o mais conhecido, onde o filósofo desenvolve o conceito de “aura na obra de arte”. Outras obras:  Dois Poemas de Holderlim, As afinidades eletivas de Goethe, A origem do drama alemão; Homens alemães; e Teses sobre filosofia da história.

Marx Horkheimer(1895 – 1973 ) e  Theodor Adorno (1903 – 1969) Filósofos alemães que integram o grupo dos pensadores conhecido como Escola de Frankfurt, ao qual pertenciam ainda Benjamim, Marcuse e Habermas. Por perseguição nazista, tiveram de se exilar na Inglaterra e nos EUA. Juntos escreveram importantes obras filosóficas, elaborando uma teoria crítica da ideologia da sociedade e da cultura contemporâneas, enquanto frutos de projeto iluminista da modernidade. Em co-autoria, publicaram Dialética do esclarecimento, transformada posteriormente num consistente arquétipo para a discussão da cultura produzida numa sociedade tecnologicamente avançada. Com esta publicação, inaugura-se a expressão “indústria cultural”.

 Jean-Paul Sartre ( 1905 - 1980) 
Filósofo e escritor francês, representante do existencialismo ateu. A partir do princípio de que "a existência precede a essência", afirma que o homem é aquilo que escolhe ser, sendo assim, liberdade e não natureza. Nesse sentido, o homem é responsável por aquilo que é e pelos outros homens, pois não existe nem abaixo nem acima dele excusas ou pretextos. Obras: O ser e o nada, O existencialismo é um humanismo, O Diabo e o Bom Deus, Critica da razão dialéctica. 

Louis Althusser: (1918 - ) Sociólogo francês, chamado na França de “o mestre do renascimento dos estudos marxistas”, considerado por muitos o único filósofo autêntico do comunismo atual. Suas obras são polêmicas. Seu objetivo principal é estabelecer o sentido econômico do marxismo. Homem de considerável influência dentro e fora dos partidos comunistas. Algumas obras: A favor de Marx; Filosofia e filosofia espontânea dos cientistas; Polêmica sobre o humanismo; Montesquieu, a política e a história; Ideologia e aparelhos ideológicos do estado; Sobre o estado teórico; Posições 1 e posições 2 e Materialismo histórico e Materialismo dialético. 

Thomas Kuhn (1922)
Epistemólogo e historiador das ciências americano, famoso pelo seu conceito de paradigma, que permitiria conceber a história das ciências como um processo a dois tempos: a ciência normal, período em que a evolução da ciência seria guiada por um paradigma definido, e ciência extraordinária, quando o paradigma vigente seria posto em causa, dando lugar eventualmente a um novo paradigma. Algumas Obras: A estrutura das revoluções científicas, A revolução copernicana.

 Ludwig Wittgenstein (1889 - 1951 )
Um dos mais influentes filósofos do séc. XX. De início o seu pensamento está fortemente ligado à lógica, sofrendo a influência de Russell e Frege. Considera que as proposições lógicas revelam a estrutura da linguagem e esta a estrutura do mundo. O seu pensamento irá evoluir no sentido de um pragmatismo cada vez mais acentuado, afirmando que a formação dos conceitos e o estabelecimento de regras não é algo fixado por leis lógicas imutáveis, mas algo ligado a um costume, a uma prática social. Obras: Tractatus logico-philosophicus, Da certeza. 



Bibliografia: 

ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo: Mestre Jou.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofando. Introdução à filosofia. 2ª ed. São Paulo: Moderna, 1993.

BASARIAN, Jacob. O problema da verdade: teoria do conhecimento. 2ª Ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1985.

CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 5ª Ed. São Paulo: Ática, 1995. 

CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 1996.  

Coleção História do Pensamento: das origens a idade média.                volume 1 São Paulo: Nova Cultural, 1987.

Dicionário Biográfico Universal Três. São Paulo: Três Livros e Fascículos, 1983.

LEFEBVRE, Henri. Lógica formal. Lógica Dialética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975.

PLATÃO. A república. 2ª ed. São Paulo: Difel, 1973.

PETERSON, Mariana Allen. Introdução à filosofia medieval.   Fortaleza:UFC, 19981, p. 78-79.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Filosofia. São Paulo: Cortez, 1994.



                                                            Filosofia - Apostila 1



Moral e Ética 

Introdução
A  nossa “viagem intelectual” prossegue, e agora  estará mais solidamente apoiada em exemplos do dia-a-dia.  Depois que enfrentamos um “bicho ontológico de sete cabeças”, podemos dizer – com certo exagero  – que estamos prontos para tudo na filosofia. Afinal, com as “turbulências” e os  “enjôos” da viajem anterior, adquirimos maior experiência. Vimos os filósofos dizendo sobre a matéria, a idéia, o fenômeno, o pensamento, o espírito, o real, o ideal, etc..  Agora, mais experientes, visitaremos dois campos extremamente avizinhados que, com freqüência, aparecem vinculados na filosofia: moral e ética.  Por uma decisão metodológica, a política – que poderia ser aqui abordada, pois apresenta a mesma condição de vínculo e vizinhança –  só veremos no quarto bimestre. 
Aqui percorreremos os caminhos dos valores éticos e morais, entendendo um pouco  do que os filósofos disseram sobre: o Bem, o Mal, a Felicidade, o Amor, a Amizade, o Ódio, a Virtude, a Igualdade, a Liberdade, a Felicidade, as Paixões, a Violência, a Vergonha, o Vício e o Trabalho. Veremos algumas filosofias morais no decorrer da história e pensaremos acerca das concepções éticas que preenchem o cotidiano.

Moral , Imoral, Amoral
Todos os dias experimentamos situações em que certas expressões surgem conclusivas, com força de julgamento e denúncia: “Ele não tem moral”, “Ele é imoral”, “Ele é amoral”, “Ele não tem ética”, “Ele feriu a ética”, etc..  
A moral, no sentido geral, é o universo  de regras válidas para o indivíduo ou o grupo, cuja conduta é orientada. Agimos moralmente, com consciência,  quando reconhecemos nossa conduta conforme as regras. 
O agir moral divide-se em dois lados: o ato normativo e o ato fatual. O primeiro, como o próprio nome indica, pertence às normas enunciadas. Exemplo: “Não roube”, “Não mate”, “Não fume”. O segundo, fatual, refere-se a execução ou não da norma. Apesar de serem diferentes, só atingem sentido de maneira associada, pois  toda norma é designada à prática, assim como toda a prática fatual só é moral afirmando ou negando as normas.
Todo o ato que entra em choque com a norma vigente é imoral. Chamamos de amoral, todo o ato que  desconsidera qualquer norma, desconsiderando até o próprio choque com a norma. É o chamado “homem sem moral”.       

O João não tem moral...
O aluno João Raposão tem aulas de filosofia. Ele não gosta da disciplina, mas recebe sempre notas altas. Antes das provas faz resumos em pedaços de papel, com letras pequeninas, mas conhecidos pelo o nome de “cola”. Com incrível habilidade, João termina a prova antes de todos. O professor, equivocado atrás de suas grossas lentes de miopia, convida-o para auxiliar na tarefa de olhar os colegas para que não colem.
 * João não agiu conforme as regras comuns às provas sem consultas. Além disto, aceitou a tarefa do professor. Sua hipocrisia (Etm.: grego hypokrisis, ação de desempenhar um papel numa peça) foi assistida por todos os colegas. Sua atitude chocou-se com a norma “não colar” e “não mentir”.     
Porém, ele não foi amoral, do contrário nem estaria fazendo a prova e nem aceitaria o convite. É errado dizer, neste caso, “O João não tem moral”. É certo dizer “O joão foi imoral”.

O José não tem ética...  
O médico José Esparadrapo da Bula é especializado em geriatria. Ele é conhecido pela maioria como um excelente profissional. Porém sua maior especialidade mesmo é a fofoca e o escárnio. Entre colegas de trabalho, familiares e amigos, o Dr. José comenta pormenorizadamente, com desprezo e gozação, assuntos referentes aos pobres “velhinhos” pacientes, que  pensam estar diante de um médico amigo.              
*Aqui ética está compreendida nos limites das regras da profissão. É verdade que o Dr. José não teve ética médica. Mas não podemos daí afirmar simplesmente que ele não tem ética.

Moral Constituída e Moral Constituinte


Geração coca-cola (Legião Urbana)
Quando nascemos fomos programados
A receber o que vocês nos empurraram
Com os enlatados dos USA, de 9 às 6.
Desde pequenos nós comemos lixo
Comercial e industrial
Mas agora chegou nossa vez -
Vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês.
Somos os filhos da revolução
Somos burgueses sem religião
Nós somos o futuro da nação
Geração coca-cola.
Depois de vinte anos na escola
Não é difícil aprender
Todas as manhas do seu jogo sujo
Não é assim que tem que ser?
Vamos fazer o nosso dever de casa
E aí então, vocês vão ver
Suas crianças derrubando reis
Fazer comédia no cinema com as suas leis.

Será (Legião Urbana)
Tire suas mãos de mim
Eu não pertenço a você
Não é me dominando assim
Que você vai me entender
Eu posso estar sozinho
Mas eu sei muito bem aonde estou
Você pode até duvidar
É só que isso não é amor.
Será só imaginação?
Será que nada vai acontecer?
Será que é tudo isso em vão?
Será que vamos conseguir vencer?
Nos perderemos entre monstros
Da nossa própria criação
Serão noites inteiras
Talvez por medo da escuridão
Ficaremos acordados
Imaginando alguma solução
Prá que esse nosso egoísmo
Não destrua nosso coração.
Brigar prá quê
Se é sem querer
Quem é que vai
Nos proteger?
Será que vamos ter
Que responder
Pelos erros a mais
Eu e você?

A música é bastante admirada em todos as idades. Certamente, a letras acima, recebem mais a admiração dos jovens. Falar em moral constituída e moral constituinte, é também falar em comportamento jovem e adolescente. Afinal, a adolescência proporciona a vontade de questionar normas estabelecidas e de questionar a própria identidade.       
A moral é uma construção humana, fruto da cultura e da necessária convivência social, nem sempre justa e solidária. Ela nos cerca, nos acolhendo ou repudiando. A moral se expressa num conjunto de regras que orientam e determinam as ações coletivas e individuais. Jamais existiu um povo sem uma moral e jamais existirá uma moral sem regras. 
O mundo é cultura em construção. Conhecemos valores universais expressos em regras constituídas, como as que condenam o estupro, o suicídio ou o assassinato. Porém, também conhecemos valores que pretendem uma universalidade que com o tempo demonstram uma frágil “situação universal”. 
Podemos observar que a moral tanto se herda do passado quanto se constrói no presente, tanto é incorporada quanto substituída. Às vezes alguns valores tradicionais, extremamente incorporados e reproduzidos, recebem doses altas de questionamentos até sucumbirem por completo. 
Portanto, chamamos de moral constituída àquele conjunto de normas construídas num processo cultural, onde a tradição representa a fiel depositária de nossos valores. Saímos do ventre materno e somos acolhidos num “ventre moral”.
De moral constituinte, chamamos às deliberações de nossa consciência moral. É o momento em que o constituído presta contas ao  constituinte sob uma considerável mira crítica. A crítica da moral constituinte sempre parte da autonomia e da vontade de liberdade individuais ou de grupos. No binômio constituído/constituinte, estabelece-se mudanças de regras conforme o tempo. Podem levar séculos ou apenas alguns anos. 
Tomemos dois exemplos:
  

- O TRABALHO. Desde a antigüidade clássica o trabalho é considerado “coisa menor”. Executado na maior parte do tempo por escravos, o trabalho era desvalorizado diante do ócio (tempo sem ocupação) e da atividade guerreira, privilégio dos nobres. Os cidadãos gregos possuíam todo o tempo do mundo para a política, a guerra, o entretenimento e à filosofia. Após centenas de anos, com o declínio do mundo feudal e a burguesia em ascensão no poder político e econômico, o trabalho – embora ainda desvalorizado – associa-se à honra, ao esforço digno e legítimo do ser humano. O ócio, em contrapartida, vira um mero descanso do trabalho para seu renovado retorno, ou ainda, é simplesmente sinônimo de vagabundagem. 

- O BANHO DE MAR. Em Florianópolis, capital de Santa Catarina, cidade rodeada de inúmeras praias, até a década de 40 a prática do banho de mar praticamente não existia. Somente no início dos anos 50, quando as águas da baía norte ainda eram bastante saudáveis, constituiu-se o Balneário do Estreito, com diversas casas de praia e um centro de eventos e de infra-estrutura para banhistas, antes mesmo dos balneários de Camboriú e de Canasvieiras. Imagine-se tomando banho de mar na praia da Joaquina, de calção ou biquíni, antes da década de 40. Provavelmente você seria apedrejado, como foram alguns banhistas adeptos do naturismo quando tomavam banho na praia da Galheta já na década de 90.  
  
ESTUDO ERRADO
(Gabriel o Pensador)
Eu tô aqui Pra que? Será que é pra aprender? Ou será que pra aceitar, me acomodar e obedecer? Tô tentando passar de ano pro meu pai não me bater Sem recreio de saco cheio porque eu não fiz o dever A professora tá de marcação porque sempre me pega Disfarçando espiando colando toda prova dos colegas E ela esfrega na minha cara um zero bem redondo E quando chega o boletim la em casa eu me escondo Eu quero jogar botão, video-game, bola de gude Mas meus pais só querem que eu "vá pra aula" e "estude" Então dessa vez eu vou estudar cumpádi Pra me dar bem e minha mãe me deixar ficar acordado até mais tarde Ou quem sabe aumentar minha mesada Pra eu comprar mais revistinha (do Cascão?) Não. De mulher pelada A diversão é limitada E o meu pai não tem tempo pra nada E a entrada no cinema é censurada (vai pra casa pirralhada) A rua é perigosa então eu vejo televisão (Tá lá mais um corpo estendido no chão) Na hora do jornal desligo porque não sei nem o que é inflação - Ué não te ensinaram? - Não . A maioria das matérias que eles dão eu acho inútil Em vão, pouco interessantes eu fico pu.. Tô cansado de estudar , de madrugar, que sacrilégio (Vai pro colégio!!) Então eu fui relendo tudo até a prova começar Voltei louco pra contar: Manhê! Tirei um dez na prova Me dei bem tirei um cem e eu quero ver quem me reprova Decorei toda lição Não errei nenhuma questão Não aprendi nada de bom Mas tirei dez (boa filhão!) Quase tudo que aprendi amanhã, já esqueci Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi Quase tudo que aprendi amanhã, já esqueci Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi Decoreba: esse é o método de ensino eles me tratam como ameba e assim eu não raciocino Não aprendo as causas e conseqüências só decoro os fatos Desse jeito até história fica chato Mas os velhos me disseram que o "porque" é o segredo Então quando eu não entendo nada, eu levanto o dedo Porque eu quero usar a mente pra ficar inteligente Eu sei que ainda não sou gente grande, mas eu já sou gente E sei que o estudo é uma coisa boa O problema é que sem motivação a gente enjoa O sistema põe um monte de abobrinha no programa Mas pra aprender a ser um ingonorante (...) Ah, um ignorante, por mim eu nem saia da minha cama (Ah, deixa eu dormir) Eu gosto dos professores e eu preciso de um mestre Mas eu prefiro que eles me ensinem alguma coisa que preste - O que é corrupção? Pra que serve um deputado? Não me diga que o brasil foi descoberto por acaso! Ou que a minhoca é hermafrodita ou sobre a tênia solitária. Não me faça decorar as capitanias hereditárias!! (...) Vamos fugir dessa jaula "Hoje eu tô feliz"(matou o presidente? Não. A aula. Matei a aula porque não dava Eu não agüentava mais E fui escutar o Pensador escondido dos meus pais Mas se eles fossem da minha idade eles entenderiam (Esses não é o valor que um aluno merecia) Íííh... Sujô (Hein?) O inspetor! (Acabou a farra, já pra sala do coordenador!) Achei que ia ser suspenso mas era só pra conversar E me disseram que a escola era meu segundo lar E é verdade, Eu aprendo muita coisa realmente Faço amigos, conheço gente, mas não quero estudar pra sempre! Então eu vou passar de ano Não tenho outra saída Mas o ideal é que a escola me prepare pra vida Discutindo e ensinando os problemas atuais E não me dando as mesmas aulas que eles deram pros meus pais Com matérias das quais eles não lembram mais nada E quando eu tiro dez é sempre a mesma palhaçada Manhê! Tirei um dez na prova Me dei bem tirei um cem e eu quero ver quem me reprova Decorei toda lição Não errei nenhuma questão Não aprendi nada de bom Mas tirei dez (boa filhão!) Encarem as crianças com mais seriedade Pois na escola é onde formamos nossa personalidade Vocês tratam a educação como um negócio onde a ganância a exploração e a indiferença são sócios Quem devia lucrar só é prejudicado Assim cês vão criar uma geração de revoltados Tá tudo errado e eu já tou de saco cheio Agora me dá minha bola e deixa eu ir embora pro recreio... 

Proposta de Atividade
Qual a relação entre o texto A teoria de Piaget e a música Estudo Errado ? Você pode criticar um ou outro, ou tentar  concilia-los. 


EXERCÍCIOS PARA  CASA
Escreva sobre moral constituída e moral constituinte, utilizando exemplos. retirados de jornal, revista, Internet, televisão, etc.. Depois, participe de um debate com a turma comentando o assunto. 


Conceito Filosófico de Moral e Ética

 "O dedo pode apontar a lua, o sábio olha a lua, o tolo o dedo"
Antigo provérbio Chinês. 

O provérbio acima, certamente elaborado muito antes do apogeu da Grécia antiga, é aqui reproduzido para lembrar – como já observamos no primeiro bimestre – que povos orientais, mais antigos que os gregos, produziram conhecimentos, construíram diversificadas culturas, e portanto possuidores de uma moral e de uma ética. Porém, como inicialmente optamos, rejeitamos a tese orientalista para o surgimento da filosofia, atribuindo à Grécia o seu verdadeiro berço. E se promovêssemos aqui uma investigação profunda acerca das culturas de todos os povos, constataríamos uma diversidade de valores morais e éticos apontando o que é o certo e o errado, o permitido e o proibido, o bem e o mal. Mais restritamente, se estudássemos apenas a cultura de um povo, também iríamos perceber valores morais diferentes em cada grupo ou classe social. Conforme a “moral” do adágio chinês acima, abandonemos o apontador e vamos ao apontado: 

MORAL E ÉTICA
          latim, mores             grego, ethos
costumes

Na filosofia o conceito de moral e ética é entendido sinonimamente. Como vemos acima, a etimologia revela “costumes” o termo comum. Além de moral significar ética pode ainda significar objeto da ética. Neste sentido, toda moral assenta-se nas  regras éticas que se aplicam à conduta. Por isso, de forma geral, a moral é definida na filosofia como uma teoria filosófica que diz respeito ao bem e ao mal. É uma doutrina que estabelece um conjunto de regras válidas, variando conforme a época ou conforme a cultura de povos, grupos e classes. Por isso, na Filosofia, em geral ética é também filosofia moral que determina um objetivo para a vida e aponta os meios para alcança-lo. A ética trata dos juízos de valor, das normas morais, e trabalha de forma reflexiva todos estes aspectos normativos da moral. Porém encontramos na filosofia, como veremos mais adiante, alguns pensadores que dissociam moral de ética. 

Algumas Definições                •
Antes de observarmos na história da filosofia os caminhos que tomaram os principais pensadores, vamos conhecer algumas palavras que fazem parte do rico vocabulário da ética e da moral, e o que alguns dos filósofos escreveram a respeito. Se despertar em você algum interesse sobre um tema ou um autor, procure-o nas bibliotecas e livrarias, leve-os para sua casa e conheça melhor seus pensamentos. Afinal, esta é a melhor forma para aprender filosofia.


BEM
Etim: lat. bene, bem 

Em sentido geral é o que é vantajoso ou útil a um fim dado.
Na ética é o que corresponde ao ideal moral. 
Na Antigüidade, Platão vê no Bem o Divino trazendo sentido ao universo. Em Platão, a idéia do Bem encontra-se no cume do mundo inteligível; ela ultrapassa a essência. A época moderna e contemporânea privilegia a significação ética deste termo

PLATÃO (República)
 “O bem [não e] essência, mas algo que ultrapassa de longe a essência em majestade e potência.” 
ARISTÓTELES (Ética a Nicômaco)
“Toda arte e toda busca, tanto quanto toda ação e toda deliberação refletida, tendem, parece, na direção de algum bem: aquilo a que se tende em todas as circunstâncias.” 
“[...] o bem próprio ao homem é a atividade da alma em conformidade com a virtude.” 

ESPINOZA
“Por bem entendo aqui todo gênero de Alegria e tudo o que, ainda, a isso conduz e, principalmente, o que preenche a espera seja ela qual for.” (Ética, 3ª parte, Proposição 39, in (Euvres de Spinoza, t.3, p.173, Garnier-Flammarion.)

LOCKE (Ensaio filosófico sobre o entendimento humano)
 “Chamamos Bem tudo o que é apropriado para produzir em nós prazer e, ao contrário, chamamos Mal o que é apropriado para produzir em nós a Dor.” 
BOM
Etim.: lat. bonus, bom.

HOBBES
“O objeto, qualquer que ele seja, do apetite ou desejo de um homem é o que de sua parte este chama bom; e chama mau o objeto de seu ódio e aversão” (Leviatã).

SPINOZA
“Entenderei por bom o que sabemos com certeza ser-nos útil.” (Ética).

HEGEL
“O bom é o conteúdo dos deveres, isto é, das determinações fundamentais que implicam as relações necessárias entre homens; em outras palavras, o que estas relações comportam de racional. (Propedêutica filosófica).

NIETZSCHE
“Os ‘bons’, eles próprios, isto é, os nobres, poderosos, mais altamente situados e de altos sentimentos.” (Genealogia da Moral)
“O que é bom? Tudo o que exalta no homem o sentimento de potência, a vontade de potência,  própria potência.” (O Anticristo).

VIRTUDE
Etm.: lat. virtus, qualidades que constituem o valor do homem moral e físico, 
mérito essencial, virtude.
A. Sentido primeiro: força, poder, eficácia. Propriedade de uma coisa (ex.: a virtude dormitiva do ópio, a virtude de um medicamento).
B. Ética, moral: disposição habitual para perfazer o bem, para realizar um ato moral.

PLATÃO
“A virtude [grego arete] é [...] a razão, em tudo ou parte.” ( Menon)

ARISTÓTELES
“ A virtude é [...] uma disposição adquirida voluntária, consistindo, com relação a nós, na medida, definida pela razão conformemente à conduta de um homem refletido[...]. Se, segundo sua essência [...], a virtude consiste num meio termo justo, com relação ao bem e à perfeição, ela coloca-se no ponto mais elevado.” (Ética)
“A virtude é esta disposição que nos torna capazes de colocar os melhores atos e nos dispõe o melhor possível com relação ao que há de melhor, sendo o melhor e o mais perfeito ‘o que é conforme à reta razão’, isto é, o meio-termo entre o excesso e a falta com relação a nós.” (Ética a eudemo)

SÃO TOMÁS
(A-B) “A virtude implica a perfeição de uma potência[...]. [Ela] é um hábito bom e produtor de bem.” (Suma teológica)

DESCARTES
“A virtude consiste apenas na resolução e vigor com os quais se é levado a fazer as coisas que se crê serem boas, desde que este vigor não provenha da obstinação.” (Carta a Cristina da Suécia)

SPINOZA
“Por virtude e potência entendo a mesma coisa: isto é, a virtude enquanto se relaciona com o homem, é a essência mesma ou a natureza do homem enquanto ele tem o poder de fazer certas coisas que se podem conhecer unicamente pelas leis de sua natureza. (Ética)
“A virtude é a potência mesma do homem que se define unicamente pela essência do homem, isto é, que se define unicamente pelo esforço do homem em perseverar no seu ser.” (Ética)

KANT
“A virtude é a força das máximas do homem na realização de seu dever.” (Metafísica dos costumes)
 “A virtude é [...] a força moral da vontade de um homem na realização do seu dever.” (Metafísica dos costumes)

MAL
Etim.: lat. malum, mal, sofrimento
O que se opõe ao bem e às normas e valores morais, na medida em que resulta da pessoa responsável e culpável.
.
SÃO TOMÁS (Contra os Gentios)
“Já que todo ser, enquanto tal, é bom, o mal, na medida em que existe, é do não-ser.” 

DESCARTES (Carta a Elisabeth, 6 de outubro de 1645)
“Segundo a filosofia, o mal nada é de real, mas somente uma privação.”

SPINOZA (Ética)
 “Por mal entendo todo gênero de Tristeza e principalmente o que frusta a espera.” 

LEIBNIZ (Ensaio de Teodicéia)
“Pode-se tomar o mal metafísica, física e moralmente. O mal metafísico consiste na simples imperfeição; o mal físico, no sofrimento, e  mal moral, no pecado.” 

SARTRE (Saint Genet, Comediante e Mártir)
“O mal é o Outro [...]. resultante do medo que o homem comum tem diante de sua liberdade, [ele] é uma projeção e uma catarse [...] o Outro diferente do Ser, o Outro diferente do bem, o Outro diferente de si.” 

MALDADE
Etim.: lat. malitas, maldade.

KANT
“A Maldade [...] ou, se preferir, a corrupção [...] do coração humano, é a tendência do livre arbítrio a máximas que fazem passar o motivo da lei moral depois de outros (que são morais).” (A Religião nos Limites as Simples Razão, 1ª parte, §2, p.50, Vrin.)


MALDOSO

HEGEL 
“Maldosa é a disposição do espírito que consiste em prejudicar outrem ciente e voluntariamente [...]. o que é maldoso implica ser realizado com decisão resoluta do querer.” (Propedêutica filosófica)
ÓDIO
Etim.: lat. odium, ódio.

SPINOZA 
“O ódio nada mais é do que uma Tristeza que acompanha a Idéia de uma causa exterior [...] aquele que odeia se esforça por afastar e destruir a coisa da qual ele tem ódio.” (Ética)

SARTRE 
“ O  ódio é um sentimento negro, isto é, um sentimento que visa à supressão de um outro e que, enquanto projeto, se projeta conscientemente contra a desaprovação dos outros.” (O ser e o nada)

FELICIDADE
Etim.: lat. felicitas, felicidade
Na filosofia antiga, o objetivo da vida humana é a felicidade, fim perfeito e Soberano Bem. O pensamento do sec. XIX  bem como a reflexão moderna oferecem-nos, muito freqüentemente, uma visão muito mais pessimista das coisas.
Estado de satisfação, caracterizado por sua plenitude e estabilidade. Distinto do prazer, muito efêmero, e da alegria, mais dinâmica que a felicidade.
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ARISTÓTELES
“Se é verdade que a felicidade é a atividade conforme à virtude, é evidente que a mais perfeita é aquela conforme à virtude, isto é, a mais elevada da parte do homem[...]. É a atividade desta parte de nós mesmos(divina), atividade conforme a sua virtude própria, que constitui a felicidade perfeita.” (Ética a Nicômaco)

KANT
“O poder, a riqueza, a consideração, mesmo a saúde tanto quanto o bem-estar completo e o contentamento por seu estado, o que se chama a felicidade.” (Fundamentação da metafísica dos costumes)
“[...] a felicidade, isto é, o contentamento pelo estado em que nos encontramos acompanhado da certeza de que ele é durável.” (Metafísica dos costumes )

HEGEL
“A felicidade não é apenas um prazer singular mas um estado durável, por um lado, do prazer afetivo e, por outro, também das circunstâncias e meios que permitem, à vontade, provocar prazer.” (Propedêutica filosófica)

SCHOPENHAUER
“ Toda felicidade é negativa, sem nada de positivo: nenhuma satisfação, nenhum contentamento, por conseguinte, pode ser durável; no fundo, são apenas a cessação de uma dor ou privação e, para substituir estas últimas, o que virá será infalivelmente uma nova dor ou então uma languidez, uma espera sem objeto, o tédio.” (O Mundo como Vontade e como Representação)



AMIZADE
Etim.:lat. amicitia, amizade, aliança

Inclinação ou sentimento recíproco entre duas pessoas, que não se funda numa atração sexual.
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KANT
“A amizade (considerada em sua perfeição) é a união de duas pessoas ligadas por um amor e um respeito iguais e recíprocos.” (Metafísica dos costumes).

AMOR
Etim.: lat. amor, amor, afeição, vivo desejo

Filosofia, psicologia: inclinação (passional) na direção de uma pessoa ou mesmo de um objeto considerados “bons”.
Moral: tendência oposta ao egoísmo, desinteressada, que versa geralmente sobre um valor Ex.: amor pela justiça.

PLATÃO
“Toda aspiração em geral na direção das coisas boas e na direção da felicidade, eis o Amor muito poderoso.” (O Banquete).

DESCARTES
“O amor é uma emoção da alma causada pelo movimento dos espíritos que a incita a unir-se voluntariamente aos objetos que lhe parecem convenientes. (As paixões da Alma).

SPINOZA
“O Amor [...] não é outra coisa senão uma Alegria acompanhada pela idéia de uma causa exterior, [...] quem ama se esforça necessariamente por ter presente e conservar a coisa que ama.” (Ética).



LIBERDADE

Liberdade, uma palavra com múltiplos sentidos que “exerceu todas as profissões” (Valéry). No plano filosófico puro, existem duas orientações principais que dizem respeito à liberdade como uma faculdade ligada à inteligência e à razão (o Estoicismo, p.ex.) e a que a considera como um poder perpétuo de dizer “sim” ou “não” (Sartre p.ex.).
a) estado do indivíduo cujas determinações são racionais e em quem a razão e a moralidade têm primazia (Estoicismo, etc.).
b) conhecimento das leis da natureza: necessidade compreendida (Engels, p.ex.).
c) poder espiritual de dizer “sim” ou “não”, que se descobre na angústia: consciência e liberdade são uma única e mesma coisa (Sartre).
A. Moral: obediência da vontade a uma lei moral que ela própria se prescreve; liberdade = autonomia (Kant).
B. Política:
a) estado de um grupo humano que se governa com toda soberania (liberdade política).
b) Poder de agir sob a proteção das leis, direito de fazer o que as leis permitem (liberdade civil).

SPINOZA
“Os homens enganam-se ao acreditarem-se livres; e esta opinião consiste no fato de que têm consciência de suas ações e são ignorantes das causas pelas quais eles são determinados; o que constitui, pois, sua idéia da liberdade é que não conhecem nenhuma causa de suas ações.” (Ética).

MONTESQUIEU
(D-b) “Num Estado, isto é, numa sociedade em que há leis, a liberdade só pode consistir em poder fazer o que se deve querer e em não ser de maneira alguma coagido a fazer o que não se deve querer.
É preciso pôr-se no espírito o que é a independência e o que é a liberdade. A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem: e, se um cidadão pudesse fazer tudo o que elas proíbem, não haveria mais liberdade, porque os outros teriam igualmente este poder”. (Do espírito das leis).

HUME
“Por liberdade [...] só podemos entender um poder de agir ou de não agir, segundo as determinações da vontade: isto é, se escolhemos permanecer em repouso, podemos; se escolhermos movimentar-nos, também podemos.” (Investigação sobre o Entendimento Humano).

ROUSSEAU
“A liberdade consiste menos em fazer sua vontade do que em não submeter-se à de outrem; consiste ainda em não submeter a vontade de outrem à nossa. Quem quer que seja senhor não pode ser livre, e reinar é obedecer.” (Cartas Escritas da Montanha).
“Não há, pois, liberdade sem Leis, nem onde alguém esteja acima das Leis: no estado mesmo de natureza, o homem só é livre pelo favor da Lei natural que comanda a todos. Um povo livre obedece, mas não serve: há chefes e não senhores: ele obedece às Leis, mas obedece apenas as Leis e é pela força da leis que não obedece aos homens.” (Cartas escritas da montanha).

HEGEL
“A liberdade política de um povo consiste em que este povo forma um Estado próprio, sendo decidido o que vale como querer nacional universal ou pelo povo inteiro ou pelos homens que fazem parte deste povo e, já que qualquer outro cidadão possui os mesmos direitos que eles, este povo pode reconhecer como seus.” (Propedêutica filosófica).

ENGELS
(B-b) “A liberdade não está numa independência sonhada com relação às leis da natureza mas no conhecimento dessas leis e na possibilidade dada, por isso mesmo, de pô-las em obra metodicamente para fins determinados[...]. a liberdade da vontade não significa, pois, outra coisa senão a faculdade de decidir com conhecimento de causa.” (Anti-Dühring).

SARTRE
“Ser, para o para-si, é nadificar o em si que ele é. Nestas condições, a liberdade não poderia ser outra coisa senão esta nadificação.” (O Ser e o nada).
“A liberdade coincide, em seu fundo, com o nada que está no coração do homem. (O Ser e o nada).
“A liberdade nada mais é do que a existência de nossa vontade ou de nossas paixões, enquanto esta existência é nadificação da facticidade.” (O Ser e o nada).

LIVRE-ARBÍTRIO
Etim.: lat. liberum arbitrium, poder de escolher.

KANT
“Na medida em que a [faculdade de fazer ou não fazer segundo sua vontade] está ligada à consciência da faculdade de agir para produzir o objeto, ela chama-se arbítrio[...]. o arbítrio que pode ser determinado pela razão pura chama-se o livre-arbítrio.” (Metafísica dos costumes).

NIETZSCHE
“O que se chama o livre-arbítrio é esse estado muito complexo do homem que ‘quer’, isto é, que ordena e, executando suas próprias ordens, goza ao triunfar sobre todas as resistências e julga que é sua vontade que triunfa sobre essas resistências.” (A Vontade de potência).

PAIXÃO
Etim.: lat. passio, ação de suportar, de sofrer, de pati, padecer, suportar, sofrer.
Se a tradição filosófica clássica (cf. Descartes) considera a paixão um fenômeno sofrido e passivo, Hegel, no primeiro terço do séc. XIX, define a paixão como energia do querer e movimento interno que leva à ação: como um instrumento pelo qual o Espírito estende sua racionalidade no mundo e nas coisas.
A. Sentido moderno: inclinação incontrolável; inclinação dominante que conduz a uma ruptura do equilíbrio psicológico.
B. Em Hegel, particularmente: tendência poderosa que permite unificar todas as energias espirituais e conduzir bem uma obra, um projeto, uma realização histórica.

DESCARTES
“Pode-se, em geral, denominar paixões todos os pensamentos[...] excitados na alma, sem o socorro da vontade, e, por conseguinte, sem nenhuma ação que venha dela, unicamente pelas impressões que estão no cérebro, pois tudo que não é ação é paixão.” (Carta a Elisabeth)

SPINOZA
“ Entendo por Afeições as afeições do Corpo, pelas quais a potência de agir deste Corpo aumenta ou diminui, é secundada ou reduzida, e, ao mesmo tempo, as idéias destas afeições.
Quando podemos ser a causa adequada de alguma destas afeições, entendo, pois, por afeição uma ação; nos outros casos, uma paixão.” (Ética)

KANT
“A inclinação que a razão do sujeito não pode dominar ou só pode com pena é a paixão.” (Antropologia do ponto de vista pragmático)
 “A Paixão[...] (enquanto disposição do espírito que compete à faculdade de desejar) dá-se o tempo e, por mais poderosa que seja, reflete para atingir seu objetivo. A emoção age como uma água que rompe o dique; a paixão como uma correnteza que cava sempre mais profundamente do seu leito[...]. A paixão [é] como um veneno engolido ou um enfermidade contraída; precisa de um médico que cuide da alma do interior ou do exterior, que saiba todavia, prescrever com freqüência [...] medicamentos paliativos.” (Antropologia do ponto de vista pragmático)

HEGEL
“Dizemos, pois, que nada se faz sem sustentar-se pelo interesse dos que colaboraram nele. Chamamos esse interesse paixão, quando, reprimindo todo os outros interesses ou objetivos, a individualidade inteira projeta-se num objetivo com todas as fibras interiores de seu querer e concentra nesses objetivo suas forças e todas suas necessidades. (A Razão na história).

TRABALHO
Etim.: lat. tripalium, de tripaliare, torturar com o tripálio, aparelho formado de três pés, que serve para sujeitar e imobilizar certos animais (cavalos, principalmente) para ferrá-los.
Termo marcado pela tradição religiosa – que privilegiou freqüentemente na sua definição a idéia de coerção penosa – mas que passa, no contexto filosófico moderno, a partir do séc. XIX (Hegel, Marx, etc.) a designar a atividade transformadora da natureza destinada a satisfazer as necessidades. Compreende-se então o trabalho numa perspectiva humanista e histórica.
A. Sentido ordinário: conjunto das atividades humanas coordenada em vista de produzir o que é útil.
B. Sentido ordinário, com uma nuança herdada das tradições bíblica, cristã, etc.: atividade penosa e constrangedora, que exige um esforço doloroso.
C. Filosofia: atividade consciente e voluntária, pela qual o homem exterioriza no mundo fins destinados a modificá-lo, de maneira a produzir valores ou bens social ou individualmente úteis e satisfazer assim suas necessidades.

HEGEL
(C) “O trabalho[...] é desejo refreado, desaparecimento retardado: o trabalho forma. A relação negativa com o objeto torna-se forma deste objeto mesmo, torna-se algo permanente já que o objeto tem uma independência justamente com relação ao trabalho.” (Fenomenologia do espírito).
“A mediação que prepara e obtém para a necessidade particularizada um meio igualmente particularizado é o trabalho. Pelos mais variados procedimentos, ele especifica a matéria liberada imediatamente pela natureza para diferentes objetivos.” (Princípios da filosofia do Direito).

MARX
“O trabalho é primeiramente um ato que se passa entre o homem e a natureza. Nele, o próprio homem desempenha, com relação à natureza, o papel de uma potência natural. As forças de que seu corpo é dotado [...], eles as põe em movimento a fim de assimilar matérias dando-lhes uma forma útil para sua vida.” (O capital).
“O resultado em que desemboca o trabalho preexiste idealmente na imaginação do trabalhador. Não é que ele opera somente uma mudança de forma nas matérias naturais; ele realiza nelas ao mesmo tempo seu próprio objetivo, do qual ele tem consciência, que determina como leis seu modo de ação e ao qual deve subordinar sua vontade.” (O capital).


MENTIRA
Etim.: lat. mentiri, imaginar, inventar, de mens, inteligência.

KANT
“A maior transgressão do dever do homem face a ele próprio considerado como ser moral (face à humanidade na sua pessoa) é o contrário da veracidade: a mentira.” (Metafísica dos costumes).


VERGONHA
Etim.: lat. verecundia, pudor, humilhação, vergonha.
No séc. XIX, esta noção ambígua, ao mesmo tempo negativa e positiva, é analisada de uma perspectiva histórica por Marx e Engels, que exaltam as virtudes edificadoras da violência. Na época contemporânea, Sartre refletiu igualmente sobre a violência no quadro da história.
Etim.: lat. violentia, violência, força violenta.
Recurso à força, para submeter alguém (contra sua vontade); exercício da força, praticado contra o direito.

SPINOZA
“A Vergonha é uma Tristeza que acompanha a idéia de uma ação que imaginamos ser censurada por outros.” (Ética).

SARTRE
“A vergonha é sentimento de queda original, não pelo fato de que eu teria cometido tal ou tal falta, mas simplesmente pelo fato de que ‘caí’ no mundo, em meio às coisas, e que necessito da mediação de outrem para ser o que sou.” (O ser e o nada).


VIOLÊNCIA
Etim.: lat. violentia, violência, força violenta.

ENGELS
“[A violência é] a parteira de toda velha sociedade de que carrega uma nova em seus flancos.” (Anti-Dühring).

SARTRE
“A violência não é um meio entre outros para atingir o fim, mas a escolha deliberada de atingir o fim por qualquer meio. É por isso que a máxima da violência é ‘o fim justifica os meios’.” (Cadernos para uma moral).
“A violência[...] não pode definir-se sem relação com as leis que ela viola (leis humanas ou naturais). Representa a suspensão dessas leis, a ‘vacância da legalidade’. Ao contrário, a opressão pode ser institucional.” (Cadernos para uma moral).
Etim.: lat. verecundia, pudor, humilhação, vergonha.
A. Sentimento doloroso e penoso se sua humilhação ou de uma inferioridade perante outrem.
B. Sentimento de que “caí” no mundo, coisa entre as coisas (Sartre).

Vício
Etim.: lat. vitium, defeito, imperfeição, vício.
A. Sentido geral: defeito em algo (ex.: um vício de constituição, de forma).
B. Direito: defeito que torna nulo um procedimento judiciário.
C. Lógica: o que, pela negação das regras ou formas lógicas, torna um pensamento defeituoso.
D. Moral: disposição habitual, permanente, enraizada, para realizar o mal (por oposição à virtude).


DESEJO
Etim.: lat. desiderium, desejo, necessidade.

ARISTÓTELES
“ O desejo é [...] apetite, coragem e vontade [...]. o desejo é o apetite do agradável.” (Tratado da alma).

DESCARTES
“A paixão do desejo é uma agitação da alma causada pelos espíritos que a dispõem a querer no futuro as coisas que ela representa como sendo adequadas. Assim, não se deseja somente a presença do bem ausente, mas também a conservação do presente. (As paixões da alma).

SPINOZA
“ O Desejo é o Apetite com consciência de si mesmo.” (Ética).
“ O Desejo é a essência mesma do homem enquanto concebida como determinada a fazer algo por uma afecção qualquer dada nela.” (Ética).

HEGEL
“No desejo, a consciência de si comporta-se com relação a si mesma como uma realidade singular. Ela remete a um objeto que é desprovido de si, que, em si mesmo, é outra coisa que a consciência de si. Com relação ao objeto, esta consciência só chega a atingir-se na sua igualdade consigo mesma pela supressão deste objeto.” (Propedêutica Filosófica).

SARTRE
“Se o desejo deve poder ser para ti mesmo desejo, é preciso que seja a própria transcendência, isto é, que seja por natureza fuga de si na direção do objeto desejado [...]. o desejo é falta de ser; e perseguido no seu ser mais íntimo pelo ser do qual é desejo.” (O Ser e o nada).


PRAZER
Etim.: lat. placeres, aprazer.

ARISTÓTELES
“O prazer perfaz o ato, como o faria uma disposição imanente ao sujeito, mas como uma espécie de fim advindo por acréscimo, tal como aos homens na força da idade vem acrescentar-se a flor da juventude[...]. o prazer [reside] no ato.” (Ética a Nicômaco).

EPICURO
“Quando, pois, dizemos que o prazer é nosso objetivo último, não entendemos com isso os prazeres dos libertinos nem os que se vinculam ao desfrute material[...]. o prazer que temos em vista se caracteriza pela ausência d sofrimentos corporais e perturbações da alma.” (Carta a Meneceu).

HOBBES
“O prazer ou volúpia é[...] o aperfeiçoamento, a sensação, do que é bom.” (Leviatã).

LEIBNIZ
“Acredito que, no fundo, o prazer é um sentimento de perfeição e a dor de um sentimento de imperfeição, desde que ele seja notável o bastante para fazer com que possamos percebê-lo.” (Novos ensaios sobre o entendimento humano).

NIETZSCHE
“O prazer: sensação de um crescimento de potência.” (A Vontade de Potência).
“O prazer, impressão agradável da sensação de potência, que supõe sempre uma coisa que resiste e é preciso superar.” (A Vontade de potência).

FREUD
“O prazer está em relação com a diminuição, a atenuação ou extinção das massas de excitação acumuladas no aparelho psíquico.” (Introdução à psicanálise).

TEMPERANÇA
Etim.: lat. temperantia, moderação, medida, retenção.

PLATÃO
“A temperança é[...] uma espécie de ordem e império sobre os prazeres e as paixões[...]. quando a parte que é naturalmente a melhor mantém a pior sob seu império, marca-se com a expressão ‘ser senhor se si’.” (República).



Exercício Para Casa


Escolha pelo menos cinco termos, destes conceituados pelos filósofos acima, e pergunte para cinco pessoas diferentes seus significados.



Moral e Ética na História da Filosofia
Vamos comentar algumas importantes filosofias morais que apareceram na história da filosofia, classificando-as da seguinte forma:
- Filosofia Moral Socrática: Sócrates, Platão, Aristóteles,
- Filosofia Moral Cristã: Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino
- Filosofia Moral Iluminista: Kant e Hegel
- Filosofia Moral de Marx
- Filosofia Moral de Nietzsche


Filosofia Moral Socrática 
No ocidente o responsável pelo início da filosofia moral, ou ética, foi Sócrates. Platão e Aristóteles encarregaram-se, através de diversas obras, de registrar este título ao pensador. O pensamento socrático serviu de modelo à maioria das escolas gregas de filosofia moral. A idéia de  virtude é produto da razão controladora das paixões e dos desejos, através da reflexão e da sabedoria. A virtude socrática é a característica comum predominante na filosofia moral grega.


Sócrates e a Felicidade da Vida Virtuosa
No primeiro bimestre estudamos o afastamento da cosmologia  pré-socrática, com a mudança do enfoque das reflexões sobre a natureza para assuntos da teoria do conhecimento, da ética e da política. Com Sócrates delimitamos na filosofia o início do período antropológico (ánthropos: o humano oposto ao divino), quando assuntos a respeito da formação do sábio virtuoso e do cidadão ocupam um lugar especial na discussão filosófica. Ao contrário dos Sofistas, que explicam a origem dos princípios morais  nas convenções humanas, Sócrates atribui toda a moral  natureza humana. 
A moral de Sócrates, o inventor da maiêutica,  é chamada eudemonismo (eudaimonia é felicidade), pois partia do princípio de que a felicidade é o resultado de uma vida virtuosa, de que a felicidade é a própria perfeição ética. E era provocando seus interrogados que este filósofo aparava, com habilidade parturiente, o conhecimento sobre a virtude e o bem. Portanto, a virtude socrática é a própria sabedoria. 
Segundo Michele Frederico Sciacca, no seu livro História da Filosofia  : 

“Para Sócrates, o bem consiste no proveito de todos. O homem, agindo pelo interesse comum, ganha também a própria felicidade, que reside precisamente na consciência do agir de acordo com a justiça, no domínio de si mesmo e dos próprios impulsos. O sábio é pois justo, forte e temperante. Só assim a vontade particular do homem pode coincidir com a lei moral e o bem de cada um com o de todos. Para Sócrates, é virtuoso quem é sábio: pratica o bem quem o conhece: virtude é saber (intelectualismo ético). De outro lado, quem conhece o bem não pode não fazê-lo, pois só quem é virtuoso é feliz; e todos os homens aspiram à felicidade; portanto, é impossível que quem conhece o bem faça o mal, fazendo assim também o seu próprio mal. Ninguém, portanto, é malvado voluntariamente; aqueles que praticam o mal o fazem por ignorância: a culpa e o vício são erros de juízo.” 

Sócrates, como já conhecemos, indagava os atenienses com sua ironia configurada na maiêutica. A indagação moral que Sócrates realizava, era dirigida à sociedade relacionada aos costumes, e ao indivíduo relacionado ao caráter. Ele colhia o depoimento social acerca dos valores morais e éticos, e confrontava-os com depoimentos pessoais baseados na conduta individual, medindo as deliberações particulares de cada cidadão, que eram condizentes ou não com os valores da cidade.       


Platão e a Caverna   
O filósofo Platão nasceu em Atenas ( 428-7 a.C.) e lá morre ( 348-7 a.C.). Seu nome é derivado de seu vigor físico e da largueza de seus ombros (platos significa largueza). Com vinte anos de idade entra em contato com Sócrates, tornando-se seu discípulo durante nove anos, até  quando seu mestre é condenado e bebe o cálice de cicuta. Em 387 a.C., num ginásio que levava o nome do herói Academos, Platão funda a Academia, que podemos considerar como a primeira universidade do ocidente, somente fechada definitivamente após setecentos anos pelo imperador Justiniano. Na porta da “universidade platônica” existia uma inscrição advertindo que ali não devesse entrar “quem não soubesse geometria”, pois Platão considerava a matemática o modelo seguro para enfrentar o relativismo e a diversidade de opiniões. Além de cartas Platão escreveu cerca de trinta Diálogos. Suas obras contavam sempre com Sócrates como protagonista. Também estudamos que o sistema filosófico de Platão baseia-se na distinção de duas formas de conhecimento: o sensível e o intelectual. O primeiro, como crença e opinião, só alcança a aparência das coisas; o segundo, como raciocínio e intuição, alcança a essência das coisas, as idéias. Portanto, o Ser verdadeiro somente é alcançado pelo conhecimento intelectual. 
 No livro VII da República Platão expõe o mito da caverna, obra bastante reproduzida até hoje, onde compara a condição ignorante dos homens à de escravos presos numa caverna. Esta, numa parede ao fundo, apresenta somente as sombras das coisas e dos seres iluminados pelo sol lá fora, visão que os escravos consideram a verdadeira. Assim, a filosofia consistia no esforço de libertação das aparências, de saída da caverna para encarar as coisas verdadeiras. Para Platão, o autor de tal esforço é o sábio virtuoso de Sócrates. O sol, visto fora da caverna, é a idéia do Bem.         

Aristóteles e o Saber Prático
 Nasceu em 384 a.C. em Estagira, cidade pertencente aos domínios da Macedônia. Com dezoito anos Aristóteles chegou em Atenas para estudar. Lá encontra duas instituições de ensino: a de Isócrates, seguidor do pensamento dos sofistas, que ensinava política como emissão de opiniões prováveis sobre coisas úteis; e a Academia platônica. O filósofo escolhe a Academia e permanece até a morte de Platão. Convidado pelo imperador Filipe da Macedônia para educar seu filho Alexandre, Aristóteles sai de Atenas e só retorna quando Alexandre, no lugar do pai que fora assassinado, começa a construção de  seu grande império na conquista do Oriente, o que provoca um afastamento entre os dois. Aristóteles discorda da fusão da civilização grega com a oriental por considerar a primeira uma comunidade perfeita e bastante peculiar,  impossível de ser transmitida a outros povos: os bárbaros. Retornando para  Atenas funda uma escola, o Liceu, que iria rivalizar com a Academia. O Liceu, ao contrário das investigações matemáticas da Academia de Platão, transformou-se num grande centro de estudos voltados especialmente às ciências naturais. 
Aristóteles, que havia herdado o pensamento de Platão, também considera a felicidade a verdadeira busca humana. Porém este pensador criticou a idéia platônica do bem, que considera viável pela teoria. Aristóteles, ao contrário, formula que o bem é alcançado somente a partir da prática. Na obra aristotélica destacam-se os estudos da relação entre a vida teórica e a prática. Ele foi o primeiro a realizar a separação entre saber prático e saber teorético. Conhecer pela teoria, de acordo com o filósofo, é conhecer fatos e seres independentes de nós. Eles existem por natureza, e para serem compreendidos não exigem nenhuma interferência humana. 

Se através da técnica realizamos a fabricação de algum objeto, como a cadeira em que estamos sentados, através da práxis realizamos alguma ação, como por exemplo emitir algum julgamento acerca desta cadeira. Ao fabricar a cadeira o carpinteiro, durante todo o tempo, diferenciou-se da ação fabricadora e do resultado da fabricação.. Porém, ao emitirmos um julgamento, misturamo-nos com aquilo que dizemos e fazemos. Portanto a ética é práxis. E práxis é toda a prática na qual o agente, a ação e o resultado apresentam-se inseparáveis.  
Aristóteles classificou as virtudes. Mais adiante, veremos que os valores morais decorrem dos costumes e promovem a política. 

Hedonismo e Estoicismo
Vimos no bimestre passado, que a expansão do Império Romano em toda a região da bacia do Mediterrâneo, levou a cultura grega à uma ampla divulgação, o que é conhecido como o período helênico. No início deste este período, a filosofia desenvolveu-se em pequenas escolas, como: o estoicismo, o epicurismo, o ceticismo e neoplatonismo. 
As escolas filosóficas compartilhavam do conceito de filosofia como vida contemplativa, e da afirmação da questão moral frente as teorias. Destas, destacamos duas tendências  completamente contrárias: o hedonismo  e o estoicismo. 

O Hedonismo (Etm.: grego hedoné, prazer), além de significar a busca incessante discriminada pelo prazer,   indica a doutrina sustentada por uma das escolas socráticas, a  Cirenaica, cujo fundador foi Aristipo de Cirene (séc. VI a.C ). Para os cirenaiscos os critérios da verdade e do bem, encontravam-se respectivamente na sensação e no prazer. O homem hedonista, é aquele que ilustra e resume a felicidade numa  teoria moral, que faz do  prazer o bem soberano. A maior felicidade acontece no presente. Sua plenitude está no ato do pensamento e da vida. Único e certeiro,  este ato é mais importante que  o futuro cheio de incertezas.       

Mais tarde, no período Alexandrino, Epicuro de Samos retoma as teses do hedonismo. Epicuro, como vimos anteriormente na “escola epicurista”. elaborou uma ética sustentada na sensação como critério da verdade e do prazer. Também Epicuro vê  o bem no prazer. Porém, compreende o prazer corporal como fonte de sofrimento e angústia. Pôr isso, este filósofo afirma a valorização dos prazeres intelectuais e espirituais, como a amizade.
O estoicismo, também já vimos, é a escola filosófica fundada por  Zenão de Cício, aproximadamente em 300 aC do período helênico. Sabemos que esta, depois do aristotelismo, foi a doutrina que mais influenciou o pensamento ocidental, e integra doutrinas contemporâneas. Além  do cosmopolitismo, onde se concebe o homem como cidadão do mundo e não de um país, esta escola promoveu a condição ideal de sábio apático, distante totalmente das emoções. Assim, no estoicismo o prazer é desprezado porque é nascente de diversos males. O homem sábio e virtuoso deve eliminar todas as paixões para enfrentar com insensibilidade a tristeza e a força do acaso.  No estoicismo, o mundo é regido por uma razão divina, operadora de normas infalíveis. A natureza humana ordenada e racional, diferente dos instintos, só pode ser boa na harmonia. Embora a vida seja influenciada por circunstâncias materiais, o indivíduo tem que se tornar independente desses condicionamentos através da prática de algumas virtudes fundamentais, como a prudência, o valor, a temperança e a justiça. 

Leia o texto abaixo e escreva algum comentário a respeito, utilizando no mínimo 20 linhas. Depois, participe de um debate com a turma e expresse suas opiniões.

Aristóteles:
A maioria das pessoas parecem, devido à ambição, preferir ser amada a amar. E é por isso que os homens, em geral, amam a lisonja. Com efeito, o lisonjeiro é um amigo em posição inferior, ou finge ser tal ao mesmo tempo que simula amar mais do  que é amado; e ser amado parece ter bastante semelhança com ser honrado, e isso é o que a maioria das pessoas ambicionam (...).
(...) O ser amado, por outra parte, é deleitável em si mesmo, e por isso afigura-se preferível ao ser honrado; e a amizade parece digna de ser desejada por si mesma. Mas dir-se-ia que ela reside antes em amar do que em ser amado, como mostra o deleite que as mães sentem em amar; pois algumas mães entregam os filhos a outros para serem educados, e, enquanto conhecem o destino deles, amam-nos sem procurar ser amadas em troca (se não lhes são possíveis as coisas), mas parecem contentar-se em vê-los prosperar; e amam os seus filhos mesmo quando estes, por ignorância, não lhes dão nada do que se deve a uma mãe.
E assim, como a amizade depende mais do amar que do ser amado, e são louvados, o amar parece ser a virtude característica dos amigos, de modo que só aqueles que amam na medida justa são amigos duradouros, e só a amizade desses resiste ao tempo(...).
(...) A amizade com vistas na utilidade parece ser a que mais facilmente se forma entre contrários, como, por exemplo, entre pobre e rico, entre ignorante e letrado; porque um homem ambiciona aquilo que lhe falta e dá algo em troca. Mas nesta classe também se poderia incluir amante e amado, belo e feio. É por isso que os amantes parecem às vezes ridículos, quando pretendem ser amados em troca; quando ambos são igualmente dignos de amor a pretensão talvez se justifique, mas é ridícula quando não tem nenhuma qualidade própria para despertar o amor(...).
(...) A própria amizade dos familiares, embora seja de várias espécies, parece depender em todos os casos da amizade paterno-filial; porquanto os pais amam os filhos como partes de si mesmos, e os filhos amam os pais por serem algo que se originou deles. Ora , os pais conhecem os filhos melhor do que estes se conhecem como seus filhos, e o procriador sente os filhos como seus mais do que os filhos sentem os pais como seus, pois o produto pertence a quem o produziu (como, por exemplo, um dente, um fio de cabelo ou qualquer outra coisa pertence ao seu dono), mas o produtor não pertence ao seu produto, ou pertence em menor grau. E finalmente, o tempo decorrido contribui para o mesmo resultado: os pais amam os filhos desde que estes nascem, mas os filhos começam a amar os pais só depois de algum tempo, quando adquiram entendimento ou o poder de discriminação pelos sentidos. Por isso tudo se evidencia também a razão de ser o amor das mães maior que o dos pais (...).
(...) A amizade de irmãos tem as carcter;isticas observadas na amizade entre camaradas (especialmente quando estes são bons) e, de modo geral, entre pessoas semelhantes umas às outras, porquanto eles vivem em comum e se amam desde que nasceram, e já que os filhos dos mesmos pais, tendo crescido juntos e recebido a mesma educação, têm maior semelhança de caráter; e no seu caso, a prova do tempo foi aplicada de maneira mais completa e concludente.
Entre outros graus de parentesco as relações amigáveis são encontradas nas proporções correspondentes. Entre marido e mulher a amizade parece existir por natureza, pois a espécie humana se inclina naturalmente a formar casais  mais do que a formar cidades, já que a família é anterior à cidade e mais necessária do que esta, e a reprodução é  comum aos homens e aos animais. Entre os outros animais a união vai apenas até esse ponto, mas os seres humanos vivem juntos não só para reproduzir-se, senão também para os vários propósitos da vida. E desde o começo são divididas as funções, diferindo entre si as do homem e as da mulher, e ajudam eles um ao outro fazendo capital comum de seus dotes individuais. Por tais motivos, tanto a utilidade como o prazer parecem ser encontrados nessa espécie de amizade. Pode ela, no entanto, basear-se também na virtude, se as partes são boas; pois cada uma possui a sua virtude própria, e ambas se deleitam nisso. E os filhos constituem um laço de união (motivo pelo qual os casais sem filhos separam-se mais facilmente); porquanto os filhos são um bem comum a ambos, e o que ambos possuem em comum os conserva unidos.
Como devem portar-se um para com o outro marido e mulher, e, de um modo geral, amigo com amigo, parece ser a mesma questão que a de determinar qual seja a sua conduta justa, porque um homem não parece ter os mesmos deveres para com um amigo, um estranho, um camarada e um condiscípulo(...).
(...)
Existem três espécies de amizade, como dissemos no começo de nossa investigação, e com respeito a cada uma delas alguns são amigos em termos de igualdade e outros em virtude de uma superioridade (pois não só homens igualmente bons podem tornar-se amigos, mas um homem melhor pode fazer amizade com outro pior, e também nas amizades que se baseiam  no prazer ou na utilidade os amigos podem ser iguais ou desiguais quantos aos benefícios que conferem). Assim sendo, os iguais devem ser amigos numa base de igualdade quanto ao amor e a todos os outros respeitos, ao passo que os desiguais devem beneficiar-se proporcionalmente à sua superioridade ou inferioridade.
As queixas e censuras surgem unicamente ou principalmente nas amizades que se baseiam na utilidade, e isso está conforme ao que seria de esperar. Com efeito, os que são amigos com base na virtude anseiam por fazer bem um ao outro (pois que isso é uma marca de virtude e de amizade), e entre os homens que emulam entre si nessas coisas não pode haver queixas nem disputas. Ninguém é ofendido por um homem que o ama e lahe faz bem  e, se é uma pessoa de nobres sentimentos, vinga-se fazendo bem ao outro. E o homem que supera o outro nos serviços prestados não se queixará do seu amigo, visto que obtém aquilo que tinha em vista: com efeito, cada um deles deseja o que é bom. E tampouco nas amizades baseadas no prazer surgem muitas queixas, porque ambos recebem simultaneamente o que desejam, se se comprazem em passar o tempo juntos; e mesmo o homem que se queixasse de outro por não lhe proporcionar prazer seria ridículo, uma vez que depende dele não passar seus dias em companhia do outro.
Mas a amizade que se baseia na utilidade é repleta de queixas; porquanto, como cada um se utiliza do outro em seu próprio benefício, sempre querem lucrar na transação, e pensam que saíram prejudicados e  censuram seus amigos porque não recebem tudo o que  “necessitam e merecem”; e os que fazem bem a outros não podem ajudá-los tanto quanto eles querem.
Ora, é de supor que, sendo a justiça de duas espécies, uma não escrita e a outra legal, haja também uma espécie moral outra legal de amizade baseada na utilidade. E assim, as queixas surgem principalmente quando os homens não dissolvem a relação dentro do espírito do mesmo tipo de amizade em que a contraíram.
O tipo legal é aquele que assenta sobre termos definidos. Sua variedade puramente comercial baseia-se no pagamento imediato, enquanto a variedade mais liberal dá uma certa margem de tempo, mas estipula uma troca definida. Nesta variedade a dívida é clara e não ambígua, mas a sua protelação contém um elemento de amizade; e por isso alguns Estados não  admitem ações judiciais em torno de tais acordos, mas pensam que os homens que transacionaram numa base de crédito devem aceitar as consequências.
O tipo moral não assenta em termos fixos. Faz uma dádiva, ou o que quer que seja, como se fosse a um amigo; mas espera receber outro tanto ou mais, como se não tivesse dado e sim emprestado; e, se a situação de um deles é pior após dissolver-se a relação do que antes de havê-la contraído, esse homem se queixará. Isso acontece porque todos os homens ou a maioria deles desejam o que é nobre mas escolhem o que é vantajoso; ora, é nobre fazer bem a um outro sem avisar a qualquer compensação, mas receber benefícios é que é vantajoso.
Portanto, cabe-nos retribuir, se possível, com o equivalente do que recebemos (porque não devemos fazer de um homem nosso amigo contra a sua vontade; é preciso reconhecer que nos enganamos no começo, aceitando um benefício de uma pessoa de quem não devíamos aceitá-lo, já que não era nosso amigo, nem de alguém que o fez simplesmente por fazer; e cumpre-nos saldar as contas exatamente como se tivéssemos sido beneficiados com base em termos fixos). Em verdade, teríamos concordado em retribuir se pudéssemos (do contrário, o próprio benfeitor não contaria com isso); e, por conseguinte, devemos retribuir, se isso nos é possível. Mas de início devemos considerar o homem por quem estamos sendo beneficiados e em que termos ele procede, a fim de aceitar o benefício nesses termos, ou então recusá-lo.
É indiscutível se devemos medir um serviço pela sua utilidade para o beneficiado e retribuí-lo nessa base, ou pela benevolência do benfeitor. Com efeito, os que recebem dizem ter recebido de seus benfeitores o que custou pouco a estes e que eles poderiam ter obtido de outros  subestimando dessa forma o serviço; ao passo que os benfeitores, pelo contrário, afirmam ter feito o máximo que podiam e o que não poderia Ter sido obtido de outros, e que o serviço foi prestado em ocasião de perigo ou necessidade.
Ora, se a amizade é do tipo que visa à utilidade, certamente a vantagem para o beneficiado é a medida, porquanto é ele quem solicita o serviço e o outro o ajuda na suposição de que receberá o equivalente. Destarte, a ajuda foi exatamente igual à vantagem do beneficiado, o qual, por conseguinte, deve retribuir com o equivalente do que recebeu, ou mais (pois isso seria mais nobre).
Nas amizades que se baseiam na virtude, por outro lado, não surgem queixas, mas o propósito do benfeitor é uma espécie de medida; pois no propósito reside o elemento essencial da virtude e do caráter.

Aristóteles. Ética a Nicômaco. In: Ética a Nicômaco. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 147-154 

Filosofia Moral Cristã: A Ideia do Dever e da Intenção
Chegamos ao fim do Império Romano. O cristianismo, fortalecido, assume a educação dos novos povos do Norte europeu encarregando-se de todo o poder político e religioso que perdurará durante a Idade Média. Época em que a filosofia retorna ao mito, reunindo as verdades da razão às verdades da fé. 
Na antigüidade as religiões, de forma geral, pertenciam a algum Estado e tinham um forte vínculo com a política. O cristianismo, ao contrário, não pertencia à nenhum território nacional. A participação da fé em um único Deus e o relacionamento individual desta fé, dissociada de qualquer vínculo político-social, fez com que os cristãos introduzissem questões novas à ética.  
Marilena Chauí nos indica duas concepções primárias, que foram decisivas na construção da ética ocidental:
1 – “...a idéia de que a virtude se define por nossa relação com Deus e não com a cidade (a polis)  nem com os outros. Nossa relação com os outros depende da qualidade de nossa relação com Deus, único mediador entre cada indivíduo e os demais. Pôr esse motivo, as duas virtudes cristãs primeiras e condições de todas as outras são a fé (...) e a caridade (...).” ( CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 5ª Ed. São Paulo: Ática, 1995. p. 343) 
 2 – “... a afirmação de que somos dotados de vontade livre – ou livre arbítrio – e que o primeiro impulso de nossa liberdade dirige-se para o mal e para o pecado, isto é, para a transgressão das leis divinas. Somos seres fracos, pecadores, divididos entre o bem (obediência a Deus) e o mal (submissão à tentação demoníaca). Em outras palavras, enquanto para os filósofos antigos a vontade era uma faculdade racional capaz de dominar e controlar a desmesura passional de nossos apetites e desejos, havendo, portanto, uma força interior (a vontade consciente) que nos tornava morais, para o cristianismo, a própria vontade está pervertida pelo pecado e precisamos do auxílio divino para nos tornar-mos morais.”   (CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 5ª Ed. São Paulo: Ática, 1995. p. 343 )
O cristianismo, ao introduzir estas duas novas concepções éticas, associa duas novas idéias morais que irão permanecer na moral ocidental até hoje: a idéia do dever e a idéia da intenção. 
O dever é o que faz  um sentimento ser moral. Deus, com suas vontades e leis, promete a salvação em troca do dever do cumprimento moral, ou o castigo diante da desobediência.
A intenção é uma espécie de ação invisível que presta contas ao olhar divino e não humano. A filosofia moral grega, diferentemente, considerava apenas as ações visíveis passíveis de julgamento.    
Os dois principais filósofos cristãos foram Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. 

Aurelius Augustinus (354-430) 
Santo Agostinho nasceu no norte da África, na cidade de Tagarte. Quando criança era cristão, mas depois interessou-se por outras religiões, como a dos maniqueus, que formavam uma seita, e dividiam o mundo entre o bem e o mal, trevas e luz, espírito e matéria. Foi influenciado pelos estóicos e os neoplatônicos, e também aderiu ao ceticismo. Conheceu a palavra do apóstolo Paulo convertendo-se à fé cristã. Fundou uma comunidade monástica, disposto a fundamentar racionalmente a fé, como foi comum na Idade Média. Vira vigário aos trinta e seis anos, e mais tarde bispo de Hipona. Algumas obras: Contra Academicos; As Confissões; De Trinitate; e a Cidade de Deus.
Conforme já vimos, Agostinho "cristanizou" Platão, fazendo vários paralelos entre a parte espiritualista Platônica e as sagradas escrituras. Fez a distinção entre o corpo (sujeito à sorte do mundo) e a alma com a qual se pode conhecer Deus. Tentou provar que sem a fé a razão não é capaz de chegar à felicidade. A razão para Agostinho serve como auxiliar da fé, esclarecendo e tornando inteligível aquilo que intuímos.

São Tomás de Aquino (1227-1274)
Nasceu em um castelo próximo à cidade de Aquino, na Itália. Com 25 anos escreveu um opúsculo O Ente e a Essência. Virou professor e foi para Paris, onde escreve comentários sobre a Bíblia. Nessa cidade passa a vida e escreve as duas Sumas que compõe a sua obra: A Suma contra os gentios e a Suma teológica. Trata de Deus e suas obras, da fé no mistério a santíssima trindade, da encarnação, dos sacramentos e da vida eterna. Afirma que o homem possui uma capacidade, passada por Deus, de distinguir naturalmente o certo e o errado. Este filósofo faz uma exposição completa da religião católica, identificando o que há de verdade nela. Acerca das mulheres, como Aristóteles, que dizia ser o homem ativo, criativo e doador de energia vital na concepção, enquanto a mulher é receptora e passiva, Aquino encontra justificativas com a afirmação da Bíblia que a mulher deriva de uma costela do homem. 
São Tomás “cristianizou” Aristóteles, à semelhança do que fez Agostinho com Platão. Apesar de Aristóteles não ter conhecido a revelação cristã, como diz Tomás, e de sua obra ser original, autonôma e independente de dogmas, ele está em harmonia com o saber contido na Bíblia. As observações sobre Aristóteles vão permanecer em todas as suas obras. Tomás de Aquino afirma que podemos conhecer Deus pelos seus efeitos, ele é o último em uma escala evolutiva, a causa de todas as coisas. Aquino fundamentou na lógica aristotélica os conceitos de Agostinho de pecado original e do perdão por meio da graça divina.

Filosofia Moral Iluminista
Iluminismo ou Filosofia das Luzes, é o nome que se dá ao movimento filosófico do séc. XVIII que se caracterizou pela confiança no progresso e na razão, pelo desafio à tradição e à  autoridade e pelo incentivo à liberdade de pensamento. A heteronomia (heteros, o outro entre dois, e nomos, regra), que prevalecia de acordo com a ordem religiosa, é criticada profundamente  e substituída pela autonomia (autós, este aqui, eu mesmo), em que o homem dirige-se por leis ou régras próprias.  
Os ingleses  Thomas Hobbes (1588-1679) e John Locke (1632-1704), o holandês Benedito Spinoza (1632-1677),  o francês Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), e o alemão Emmanuel Kant (1724-1804), são alguns dos principais filósofos que pensaram a ética no Iluminismo. Porém, cabe ressaltar, a importância do filósofo italiano Nicolau Maquiavel (1469-1527), que ainda na Idade Média causou uma verdadeira revolução na ética, repelindo as filosofias morais grega e cristã. Definindo a ética cristã como “efeminada”, ele busca um modelo moral baseado nos antigos romanos. Maquiavel influenciou muitos pensadores modernos, principalmente Hobbes e Spinoza. Conheceremos melhor este filósofo no próximo capítulo quando tratarmos de política. 
Thomas Hobbes, no Leviatã, afirmou a maldade humana e justificou a necessidade de um Estado forte e repressor. Spinoza defendeu a razão humana como critério da conduta correta, atribuindo às necessidades humanas o poder de apontar o bem e o mal, o bom e o mau. Rousseau em o Contrato social, atribuiu o mal à sociedade afirmando que esta corrompem os seres humanos que são bons por natureza. Uma das maiores contribuições iluministas à ética partiu de Emmanuel 


Emannuel Kant 
Sem nunca ter saído de sua cidade natal, este filósofo alemão desenvolveu um pensamento extremamente variado, que ultrapassou continentes e séculos. Muitas reflexões dos séculos XIX e XX brotaram da filosofia kantiana. A variedade de seu pensamento pode ser resumida em torno de duas grandes questões: o conhecimento e a moral. 
Quando estudamos anteriormente “Kant e a  Conciliação Ontológica”, vimos a primeira destas questões. O que ele propôs foi uma síntese entre empirismo e racionalismo. Afirmou que todo o conhecimento começa com a experiência, porém não totalmente. O conhecimento conta também com a contribuição da nossa faculdade de conhecer. Quanto à possibilidade do conhecimento, vimos que Kant é agnóstico (do grego a, não e gnosis, conhecimento).  Demolindo o sistema ontológico pensada desde os clássicos, Kant negou a possibilidade de conhecer a essência das coisas. Para ele, a pretensão do conhecimento metafísico, de querer conhecer as coisas-em-si, esbarrou em contradições e falsidades. O conhecimento só pode ocorrer nos limites do conhecimento do fenômeno. Ao afirmar, no final da Crítica da razão pura, a constituição de uma proporção teórica,  expõe a existência de uma outra proporção: a prática.   
Foi tratando da dimensão prática  que Kant elaborou sua teoria moral contrariando a concepção cristã e questionando a filosofia moral grega baseada na felicidade. O importante na moral kantiana é a liberdade pautada pela razão universal, necessária e autônoma. Desta forma, expôs em duas grandes obras – Crítica da razão prática e Fundamentação da metafísica dos costumes – o agir de acordo com a razão. Porém, o agir de Kant só é moral quando regido por imperativo categórico.


Os Imperativos de Kant
A palavra “imperativo” origina-se do latim imperare e significa  ordenar, comandar. Na Lógica o filósofo definiu imperativo como “qualquer proposição que exprime uma ação livre possível, pela qual se deve realizar um fim determinado.” Além do categórico, o filósofo define o hipotético. Mas somente o categórico refere-se à vontade humana verdadeiramente moral.
É um imperativo condicionado. 
A força do comando está subordinado aos conselhos
 da prudência ou às normas da aptidão.
Kant, em Fundamentação da metafísica dos costumes, afirmou que eles “...representam a necessidade prática de uma ação possível, considerada como meio de chegar a alguma outra coisa que se quer...” 
Exemplos:  “Estude, se queres passar” “Tome o remédio, se queres sarar” 
É um imperativo condicionado. 
Comanda ou ordena sem condição.
Único imperativo moral  existente.

Novamente, na Fundamentação da metafísica dos costumes, ele define: “O imperativo categórico seria aquele que representaria uma ação como necessária para si mesma e sem relação com um outro fim, como necessária objetivamente. [...] Há [...] apenas um só imperativo categórico, e é este: Age unicamente segundo a máxima que faz com que possas querer ao mesmo tempo que ele se torne uma lei universal.” 
Devemos agir de alguma forma que a causa  nos levou a agir possa ser transformada em lei universal. Por conter a forma da razão pura, o imperativo categórico entrega ao homem a lei moral, tendo como singular princípio a autonomia da vontade. 
A filosofia moral de Kant acentuou o caráter da liberdade como autonomia. Expôs as principais categorias filosóficas do iluminismo, aprofundando o papel da consciência moral  , seguidora de liberdade e dever. Com isso,  revelou que nosso interior é responsável único por nossos deveres, e não sujeito às imposições estranhas à nossa vontade. Este entendimento foi importantíssimo para afastar a moral vinculada a fé, cuja vida após a morte era a grande referência da ação moral. O pensamento de Kant é bastante questionado a partir do século XIX, quando vários filósofos destacam a importância de resgatar o homem concreto, perdido em sua razão pura. Destacamos três filósofos – estudados bimestre passado em “Origens da ontologia contemporânea” –  que se empenharam de formas diferentes nesta tarefa : Marx, Hussel e Nietzsche. Porém, antes destes, Hegel já havia apresentado a sua filosofia e questionado a consciência moral subjetiva de  Kant.


Após a leitura do texto abaixo, faça uma redação abordando “A liberdade e seus limites”. 


Monografias do CAB
Argumentações contra a Eutanásia
Câmara estudantes de direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Sociais Aplicadas - Departamento de Direito Público
Disciplina: Filosofia do Direito


Preâmbulo.

Poucos problemas abrangem tantos aspectos quanto o da eutanásia, tema cujo debate parece condenado ao emocionalismo, seja qual for a posição dos interlocutores; e disto decorre o fato de tal questão suscitar, a fim de que se proceda uma lúcida análise do tema, uma rigorosa adequação jurídica, moral e médica concomitantemente.
A palavra eutanásia tem origem grega e significa morte serena, morte suave, sem sofrimento ou dor hodiernamente, entretanto, o termo é usado para referir-se à morte concedida àqueles que encontram-se acometidos por doenças incuráveis e/ou sofrem de angústia e dores insuportáveis; é uma prática, destarte, utilizada em benefício(?) dos enfermos e tem por finalidade ab-rogar a agonia demasiado longa e dolorosa daqueles que, por ventura, desejam por termo às suas vidas.
A eutanásia, dentro dos parâmetros acima traçados, pode ser tipificada em passiva ou ativa. No primeiro caso, consiste em permitir que alguém morra, isto é, em não prestar o adequado tratamento médico necessário ao prolongamento da vida do moribundo; já no segundo, resume-se a matar alguém de forma rápida e indolor.
Ambas as formas de eutanásia supracitadas podem, por conseguinte, ser classificadas em voluntária (feita a pedido da pessoa que pretende ser morta), involuntária (ocorre quando a pessoa morta tem condições de consentir com a própria morte, mas não o faz, tanto porque não lhe perguntam se quer ou porque o fazem e ela opta por continuar vivendo) e não-voluntária (ocorre quando o ser humano não é capaz de compreender a opção entre morrer ou continuar a viver). Há também o problema do suicídio assistido e da distanásia, temas estes freqüentemente discutidos e contendidos por todo o mundo jurídico, médico, filosófico e religioso e que, devido a sua complexidade e amplitude, não vislumbram um fim consensual próximo.
Os argumentos em geral invocados para se justificar a eutanásia podem ser assim resumidos: dores insuportáveis; doenças incuráveis; vontade do enfermo, que pede (muitas vezes suplica) a morte e, ônus econômicos decorrentes de moléstias irremediáveis. 
(...)
Uma Crítica à Eutanásia Voluntária.
Os propugnadores da eutanásia voluntária afirmam que a mesma apenas tem ocorrência quando, para o que há de melhor no conhecimento médico, uma pessoa está a sofrer de uma doença incurável e dolorosa, não se podendo dizer, em tais circunstâncias, que o fato de alguém optar por uma morte rápida configure uma escolha irracional. Asseveram que a legalização da eutanásia, permitindo aos pacientes a possibilidade de deliberarem se a sua situação é ou não suportável estaria muito mais em concordância com o respeito pela liberdade individual e pela autonomia. Deveras, consoante explicita o filósofo australiano Peter Singer, a força do argumento em favor da eutanásia voluntária está na combinação do respeito pelas preferências ou autonomia dos que se decidem por ela e da base inequivocamente racional da decisão em si, não havendo, portanto, segundo os páraclitos (a justificativa das palavras pós-proparoxítonas) do ato eutanásico, um só motivo para se recusar a eutanásia aos que devem viver e morrer em condições muito menos confortáveis.
Entretementes, constata o indivíduo de raciocínio perspicaz e penetrante, mediante os conhecimentos científicos e filosóficos que lhe servem de arcabouço para julgamento, o caráter falacioso das assertivas supra mencionadas. Apartando-nos de toda compreensão eudemonista da liberdade e do dever moral e abordando a problemática em análise à luz da Psicologia e da filosofia moral de Immanuel Kant, pretendemos demonstrar a irracionalidade subjacente ao arbítrio das pessoas que optam pela morte eutanásica.
A personalidade, à proporção que se desenvolve, enfrenta uma série de problemas e situações novas às quais se deve adaptar ou com as quais se deve conviver. Nestes problemas, têm sua gênese estados psicológicos denominados conflitos, frustrações e ansiedades, os quais estão presentes na existência de qualquer ser humano. É precisamente ao esforço empreendido pela personalidade, visando à superação de tais dificuldades psíquicas ou à convivência com as mesmas, que se designa ajustamento.
Entende-se por frustração o estado emocional subsequente à interrupção de um comportamento motivado, de modo que necessidade e desejos não são satisfeitos, independendo a saúde mental de arrostarmos ou não frustrações, senão da maneira como nos portamos ante elas.
As frustrações mais dolorosas atingem incisivamente o auto-conceito, provocando sentimentos de inadequação e inferioridade, o que é significativamente agravado quando as pessoas, não possuindo uma real compreensão de sua personalidade, não sabem avaliar suas potencialidades. Estas pessoas, experienciando o incômodo e a angústia advindos de expectativas frustrâneas, podem reagir a estas de forma ajustada ou desajustada. Reagindo desajustadamente, tendem a adotar uma postura agressiva ou apática.
A agressão decorrente da frustração manifesta-se deslocada ou diretamente. É deslocada quando dirigida a alguém ou a um objeto não relacionado com a circunstância geratriz do problema. Contudo, delineando-se algo mais grave, ao se ter em mente os objetivos de nossa abordagem, a agressão, sendo direta, direcionar-se-á à impossibilidade causadora da frustração. Assim, um indivíduo tetraplégico ou que seja o portador de uma doença congênita poderá encaminhar toda sua agressividade a si próprio, haja vista estar necessariamente ligada a si a causa da inexequibilidade de uma existência, consoante seus padrões e ideais, plena.
A tendência normal, diante da frustração, como melhor exporemos a posteriori, consiste em resistir à mesma, e isto de modo psicologicamente saudável. Contudo, quando as esperanças de solução desaparecem, a apatia pode instalar-se. Esta reação foi, repetidas vezes, observada entre os prisioneiros de guerra, entre os capturados como reféns e os retidos em campos de concentração. Homens cheios de energia e inteligência, ativos e criativos, nestas contingências, tornaram-se tão apáticos que se recusavam a fazer qualquer coisa, mesmo alimentar-se. Neste sentido, uma pessoa que sofre de uma doença degenerativa, diante da inviabilidade de cura, pode tornar-se apática a ponto de irrelevar suas potencialidades intelectuais, as quais permanecem ilesas, e, tendo em mente unicamente os sofrimentos físicos que lhe serão causados por sua doença, preferir uma morte rápida e "digna", uma vez que a vida para si perdeu o significado e alojou-se a desesperança e ao enfado.
Os conflitos e as frustrações, assim como estados emocionais de medo, vergonha e ridículo se constituem em fontes de ansiedade, um temor vago, sem fundamento lógico, irracional ou desproporcional ao objeto ocasionador. Consoante Sullivan, a ansiedade é o medo da insegurança, da solidão, do isolamento e da falta de afeto e , segundo os existencialistas, a ansiedade nasce da constatação da inevitabilidade da morte e da certificação de tantas possibilidades não realizadas. A sofreguidão, assim definida, constitui um dos fatores propulsores da decisão de se conferir cabo à vida.
Não obstante, em contraposição às considerações acima consignadas, a pessoa frustrada, mas psicologicamente ajustada, oferece combate a seus problemas vinculados a conflitos, frustrações e ansiedades, mediante mecanismos de defesa, na denominação do pai da Psicanálise, Sigmund Freud, são recursos ardilosos pelos quais o "eu" se defende das emoções violentas que ameaçam seu equilíbrio. A principal função dos mecanismos de defesa á ajudar-nos a manter a ansiedade e a tensão em níveis que não sejam tão dolorosos para nós, evitando o desgaste advindo pelo grande aumento de tensão intrapsíquicos causado pela situação de frustração e conflito. Portanto, são eles benéficos, haja vista favorecerem o auto-respeito e evitarem o "stress" psíquico. 
Dentre os vários mecanismos de defesa identificados por Sigmund Freud, consideramos especialmente importante, para os fins a que nos propomos, o mecanismo da compensação, o qual se estriba em um extraordinário esforço realizado pelo indivíduo, a fim de obter sucesso em uma determinada área. Este esforço visa a compensar uma fraqueza ou malogro em outra área da existência.
(...)
Alfred Adler conferiu considerável relevância a esse mecanismo, no desenvolvimento da personalidade: todo o comportamento humano, todo o esforço humano, seria uma permanente luta para superar nossos fracassos e para nos superarmos a nós mesmos.
Analogamente, Carl Rogers sugere que em cada um de nós há um impulso imanente em direção a sermos competentes e capazes quanto ao que estamos aptos a ser biologicamente.
Logo, o homem tem que usar todas as suas faculdades para enfrentar, superar ou conviver com seus problemas. Deste modo, tendo-se novamente em vista o caso de alguém que não possa se locomover em função de ser tetraplégico, corroboramos a afirmação de que uma pessoa, em tal situação, terá uma vida relativamente limitada, haja vista não lhe ser exeqüível a satisfação de todos os seus mais caros desejos, como patinar no gelo, dirigir um automóvel, ou exercer algum trabalho prolífico que lhe exija a utilização de suas mãos. Entretanto, asseveramos que de modo algum sua vida torna-se vá, pois permanece a possibilidade de instrumentalização de todo o seu potencial intelectual e emotivo no sentido de galgar a felicidade. E, considerando que alguém que tenha consciência de si a ponto de poder optar pela manutenção de sua vida ou pelo fim da mesma, poderá , qualquer que seja sua limitação física, ser enquadrado no âmbito destas reflexões, este indivíduo, sendo psicologicamente ajustado, esforçar-se-á para superar ou conviver com suas licitações, procurando desenvolver suas potencialidade remanescentes. Do contrário, esta pessoa será desajustada e não poderá racionalmente deliberar sobre questão tão significativa, como é aquela concernente à conservação da vida ou à morte.
Portanto, tendo-se em mente estas perspícuas considerações, reveste-se de irrefragabilidade, calcando a falaz vaniloqüência dos incautos defensores da eutanásia, as ilustradas e sensatas palavras do mestre Nelson Hungria, ao argüir: "O indivíduo que autoriza a morte não está, não pode estar na integridade de seu entendimento. O apego à vida é um sentimento tão forte todas as dores e todos os calvários à mais suave das mortes".
Tal asserção adquire mais força perante a impugnação dos desarrazoados princípios utilitaristas que orientam os "caritativos advogados do exício digno" pela concepção de dignidade do indivíduo que fundamenta a filosofia moral do homem de Könnigs Ler.
Consoante Immanuel Kant, a dignidade do homem consiste em não obedecer senão às leis que ele próprio estabeleceu como ser racional. O homem, deste modo, deve ser considerado ou tratado como coisa, como instrumento ou meio, sim como fim em si mesmo. Se o agente racional é verdadeiramente um fim em si mesmo, ele deve ser o autor das leis que observa, e é isso que constitui seu supremo valor. Ora, obedecer às suas próprias leis é ser livre, Portanto, o homem, enquanto ser racional, é livre. "Das Tun ist das Homdeln des Menschen und betrefft seine Persoenlich Keit und Freihet" ("Os atos são a atividade do homem respeitante à sua personalidade e liberdade").
A compreensão do princípio da liberdade na ética Kantiana se alicerça na contraposição entre fenômeno e coisa em si. Nas palavras do ilícito professor de Viena, Jodl, "O homem, como 'phenomenon", recebe, como 'noumenon', da a lei", ou seja, como ser empírico o homem se submete às leis psicológicas, como ser racional, inteligente, isto é, como "coisa em si", ele se ergue acima de toda condicionalidade empírica, movido por força que lhe confere a consciência do dever, que existe na intimidade dele mesmo e que sempre intervém no domínio das suas ações, qual supremo agente da razão, elevando-o a uma ordem moral superior. Essa força se chama imperativo categórico.
O comando moral é categórico, pois as ações a ele conformes são objetivamente necessárias, independentemente de sua finalidade material ou substantiva particular. Nisso reside sua diferença com respeito aos imperativos hipotéticos, os quais definem a necessidade de uma certa ação para a consecução de um objetivo desejado pelo indivíduo.
Com maestria, ensina-nos Wilhelm Wundt que "o imperativo categórico manifesta-se em nós diretamente, como 'voz da consciência', na qual se exprime um dever incondicionado, por trás do qual 'se calam todos os impulsos sensitivos'. Portanto, não é o 'bem-estar', que permanece sempre em bem exterior, senão o chamamento ao dever, o que constitui o mais alto bem". Se os valores são associados às inclinações subjetivas, sustenta Kant, ainda que sob a forma genérica de "felicidade", eles não são definidos pela razão, e, se os homens deixam-se orientar por eles, não são livres.
Depreende-se, assim, que a liberdade em Kant se constitui em a liberdade de agir segundo leis, conforme o imperativo da razão : "Atua apenas segundo aquelas máximas, mediante as quais possas ao mesmo tempo querer que elas se convertam em uma lei geral". Ou, como expressa o exímio jurista e filósofo neokantiano espanhol Felipe González Vicén, "a teoria da liberdade significa a ordenação da vontade pela atividade do eu inteligível sobre todos os afetos e impulsos que atuam 'naturalmente' sobre o querer humano".
Em conclusão, com estas asseverações pretendemos, como Immanuel Kant, desjungir a Moral da reflexão sobre o útil e o nocivo e, concomitantemente, demonstrar ser incabível vincular o discurso moral concernente à eutanásia voluntária a qualquer modalidade de utilitarismo. Reafirmamos a desarrozoabilidade substancial a guiar aqueles que "decidem" optar pela morte eutanásica e consideramos urgir a altiloqüente defesa da vida como um fim em si contra a infame valorização da existência humana a partir de outros critérios quaisquer.


Hegel e a Vontade Objetiva
Assim como Kant, Hegel foi idealista. Seu idealismo, no entanto, refletiu uma profunda crítica às soluções kantianas, assim como às teses  racionalistas e empiristas. Observou que todos deixaram de compreender uma questão elementar da razão: a história. 
Em sua crítica à razão pura de Kant, apontou que este errou por exagero de subjetividade na prioridade que deu ao sujeito, da mesma forma que os empiristas e racionalistas erraram priorizando o objeto. Hegel compreende a razão dialética como uma síntese necessária do objetivo com o subjetivo. Ele entende a razão  histórica  movida por contradição. No pensamento hegeliano, a razão não ocupa um lugar na história, é história.
 Porque o pensamento kantiano desconsiderou a relação homem-história, priorizando apenas a vontade individual, não enxergou a vontade objetiva. Esta vontade, impessoal, é revelada no movimento contraditório e crescente da história, e não manifestada como autonomia da vontade individual. Por isso,  para Hegel, o imperativo categórico não é universal por estar engessado no tempo. Ele será universal somente aceitando conteúdos determinados pela história, variando conforme cada período da sociedade e da cultura. 
Portanto, para este grande filósofo dialético, o agir ético e livre estabelece-se na relação entre a vontade objetiva histórica e a vontade subjetiva individual, de onde surgem as instituições (família, sociedade civil, Estado) com suas regras morais orientadoras da conduta. Segundo Hegel, toda vez que esta relação vê-se abalada, através das contestações aos valores morais da sociedade, presenciamos o anúncio do nascimento de um novo período histórico.          


Karl Marx
Como  vimos anteriormente, Marx colocou a dialética hegeliana de “pernas para o ar”  e causou uma significativa virada na interpretação da história. 
Este filósofo, um dos maiores do mundo moderno, construiu o conceito do materialismo histórico, de onde afirmou que as transformações das sociedades são produzidas pelas lutas de classes. Estudou profundamente economia e explicou o desenvolvimento da história e da cultura através dos mecanismos materiais de produção e distribuição de mercadorias, tentando simultaneamente basear  nesse conhecimento uma prática política que levasse à construção de uma sociedade sem classes. 
Segundo ele, a moral numa sociedade onde vivem exploradores e explorados, é a moral da classe dominante. Os valores, como liberdade, racionalidade e felicidade, são hipócritas porque são irrealizáveis numa sociedade fundada na divisão do trabalho. Desta forma, falar em moral universal (tarefa ideológica), ou racionalismo humanista, é completamente falso; é camuflar os interesses antagônicos das classes para manter a dominação de uma sobre a outra. Somente poderá existir uma moral verdadeira, quando vivermos numa sociedade sem Estado e sem propriedade privada.   


                       
 Friedrich Nietzsche

Segundo Nietzche, a partir do que vimos no bimestre passado, as classes superiores inventaram as palavras e com elas impuseram uma interpretação. O pensamento lógico-racional expulsou a visão mística e instintiva da arte trágica pré-socrática e definiu as fronteiras entre o verdadeiro e o aparente. Assim começou, a partir de Sócrates, a degeneração da filosofia baseada na ilusão ontológica de um pensamento puramente racional. Para Nietzche, a aparência é a única existência. Ao homem, destinado à multiplicidade, cabe a interpretação instintiva. Para ele, a verdade necessária e universal não existe, mas apenas inúmeras idéias do real em constante transformação.
No sentido moral, Nietzche parte da destruição das idéias socráticas, e se coloca radicalmente contra o cristianismo. A chamada conduta moral só é necessária ao fraco, uma vez que visa  permitir que este impeça a auto-realização do mais forte. Ele expressou uma concepção ética totalmente contrária à racionalista. Entre as principais éticas racionalistas inclui as filosofias: socrática, kantiana, judaico-cristã, socialistas e democráticas. Isto porque Nietzsche parte do princípio de que os seres humanos não são iguais. Assim, ele repudia os três principais critérios de igualdade na filosofia: 
1 – racionalidade (Sócrates e Kant).
2 – fraternidade (religião judaico-cristã)
3 – direitos sociais (ética democrática e socialista)
Para Nietzsche, a moral racionalista tem por objetivo a repressão e não a liberdade. Transgredir as regras estabelecidas é expressar a verdadeira liberdade, que só os homens fortes são capazes de fazer. A moral racionalista é inventada pelos fracos e ensina o temor à vida, ao corpo, ao desejo e às paixões. Ele propôs uma ética baseada na vontade de potência, onde ergue-se moral dos senhores oposta à moral dos escravos (ética racionalista). Pôr fim, valoriza a perspectiva da vontade de poder, que permite ao homem ultrapassar-se a si mesmo, em direcção ao sobre-humano. 
Vejamos alguns destes conceitos no esquema abaixo:


- Super-Homem
(Übermensch, no Alemão, “além-do-homem”, “sobre-humano”)
Apesar da ilustração acima, lembramos que o Super-homem nietzschiano não é o que conhecemos das histórias em quadrinhos ou dos filmes. Nietzsche utiliza-o para exprimir um tipo superior de humanidade, obra da vontade de potência criadora. Esse super-homem não é um ser, cuja vontade “deseje dominar”. A vontade de potência do Super-Homem situa-se além do bem e do mal e o faz liberto das amarras de uma sociedade decadente.


- moral dos senhores: 
A moral dos senhores, ou moral aristocrática, é positiva porque obtém o resultado da alegria afirmada na plenitude da vida, baseada na capacidade de invenção e criação. Aqui se define o homem-fera, animal de rapina. Afirma-se, sobretudo, a potência de onde origina-se o “sobre-humano”, o Super-Homem.
- moral dos escravos:
A moral negativa e decadente do homem fraco, cujos valores são: humildade, piedade, amor ao próximo e bondade. Aqui a consciência do pecado, que inibe a ação, volta-se contra si mesmo. Um homem  que desconfia de seus instintos, que vive envenenado pela inveja e pelo ódio à própria impotência. O homem-fera vira um animal doméstico.  Este é o homem, que começa com sócrates e atinge seu extremo no cristianismo.

Nietzche sempre foi visto como uma espécie de homem solitário e incompreendido. Apesar de se opor aos movimentos nacionalistas e racistas da época,  após sua morte, por iniciativa de sua irmã Elisabeth, foi utilizado para fundamentar o nazismo. Sua filosofia, no entanto, teve o grande mérito de criticar a moral hipócrita, que agia com preconceito e repressão. Desta forma, influenciou obras recentes de pensadores como Foucault, Deleuze e Guattari, e algumas das principais correntes de pensamento do século XX, como o existencialismo, a filosofia analítica e a psicanálise.



EXERCÍCIOS PARA CASA

C
R
U
Z
   PALAVRAS
D
A
S

HORIZONTAIS          
1- Palavra em latim que significa a oposição ao bem, às normas e  aos valores morais.

  7 - Para Platão é uma espécie de império sobre os prazeres e as paixões.
10 - Aristóteles chamou de apetite do agradável. 

13 - Epicuro reconheceu como um dos prazeres intelectuais e espirituais
15- Rousseau escreveu sobre a adolescência como o  segundo nascimento da criança, onde sente-se  os fortes impulsos  e os interesse em tudo o que o cerca, sobretudo no modo como o vêem na sociedade. Para este filósofo, os sentimentos púberes têm uma origem especificamente sexual que pode causar uma preocupação obsessiva acerca do ... 
            
16- Palavra que expressa a tristeza acompanhada da idéia de uma causa exterior, identificada por um filósofo do séc. XVII.

17- Escola filosófica fundada aproximadamente em 300 aC do período helênico e que depois do aristotelismo, foi a escola que mais influenciou o pensamento ocidental. Além  do cosmopolitismo, onde se concebe o homem como cidadão do mundo e não de um país, esta escola promoveu a condição ideal de sábio apático, distante totalmente das emoções. De acordo com seus ditames, o indivíduo tem que se tornar independente dos condicionamentos materiais da vida através da prática de algumas virtudes: a prudência, o valor, a temperança e a justiça. 
                  
18- Imersão parcial ou total do corpo em água salgada, especialmente para fins lúdicos.    
            
19- Simplório, boquiaberto, abobado. Palavra bastante utilizada no linguajar dos descendentes de açorianos, habitantes do litoral catarinense.

20- Nome de um herói grego, em quem Platão se inspirou para denominar sua Academia. 

21- Estrela que torna a imersão do corpo em água salgada mais prazerosa.

                                       
VERTICAIS
1- Palavra em latim, que na filosofia pode identificar a doutrina que estabelece um conjunto de regras válidas, variando conforme a época e conforme o grupo social. 

2- Escola fundada por Aristóteles após a morte de Platão. Ao contrário das investigações matemáticas da Academia de Platão, esta escola transformou-se num grande centro de estudos voltados especialmente às ciências naturais.
3- Obra onde Platão compara a condição ignorante dos homens à de escravos. 

4- Na Antigüidade, Platão coloca-o no topo do mundo inteligível. Em sentido geral é o que é vantajoso ou útil a um fim dado. Na ética é o que corresponde ao ideal moral. 
5- Filósofo moderno que conceituou o materialismo histórico, de onde afirmou que as transformações das sociedades são produzidas pelas lutas de classes.

6- Filósofo que procurou sintetizar o racionalismo e o empirismo. Sua teoria contrariou a concepção cristã e questionou a filosofia moral grega baseada na felicidade. Para ele as bases morais encontram-se na liberdade orientada pela razão universal, necessária e autônoma. 
8- Segundo Epicuro, é o que se caracteriza pela ausência dos sofrimentos   corporais e perturbações da alma.
9- Todo o ato que  desconsidera qualquer norma. 
 11- Para  Schopenhauer é um sentimento negativo e não durável. Para Kant, ao contrário, é o contentamento pelo estado em que nos encontramos acompanhado da certeza de que ele é durável. Para o estudante de filosofia, é o que se sente após saber que tirou uma boa nota na prova.

12-  Palavra grega que significa cidade.

13- Filósofo que Platão utilizou como protagonista em suas obras.
14-  Para Rousseau é aquilo que o homem é, representando o primeiro estado de natureza humana. De acordo com Nietzsche, é o que exalta no homem o sentimento de potência.







Filosofia - Apostila 4



Introdução
Nossa “viagem intelectual” está terminando. No início de nosso percurso, entre outros assuntos, tivemos contato com a origem da filosofia no mundo grego, com as tensões entre mito e razão, e conhecemos os primeiros filósofos (pré-socráticos), Sócrates, Platão e Aristóteles. Depois, enfrentamos um “bicho ontológico de sete cabeças”, quando estudamos a matéria, a idéia, o fenômeno, o pensamento, o espírito, o real e o ideal. Por isso, seguimos mais experientes nos estudos dos valores éticos e morais, onde discutimos sobre o Bem, o Mal, a Felicidade, o Amor, a Amizade, o Ódio, a Virtude, a Igualdade, a Liberdade, a Felicidade, as Paixões, a Violência, a Vergonha, o Vício e o Trabalho. Agora, finalizando nossa trajetória, estudaremos a política.
Preparem-se para percorrer um caminho extremamente delicado, preenchido de teorias que trataram de prescrever a ação do indivíduo e da sociedade, diante das formas reais e ideais de governo. Aprenderemos na política, entre outras coisas,  que: liberal não é aquele pai que deixa os filhos sair na noite para namorar, ou aquele profissional sem patrão; comunista não é simplesmente o antigo regime na URSS; maquiavelismo não é o agir maldoso, com segundas intenções; contratualismo não é a atividade de um escrevente de contratos; anarquia não é bagunça; globalização não é o excesso de audiência da Rede Globo de TV; e que, acima de tudo, política não se resume em politicagem.  
Antes de abordarmos algumas das grandes teorias políticas,  desde a antigüidade até hoje, faremos  uma breve reflexão tendenciosa  sobre o amor e o ódio. Esta tendência é tranqüila e natural para amantes da sabedoria que somos, e deve ser emprestada à política como sinônimo de crítica e transformação.


                       
" O pior analfabeto , é o analfabeto político .
Ele não fala ,não participa dos acontecimentos políticos .
Ele não sabe que o custo de vida , o preço do feijão , do frango , da carne ,
 do aluguel , do sapato e do remédio dependem das decisões políticas .
O analfabeto politico é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia política .
Não sabe o imbecil , que da sua ignorância política nasce a prostituta , o menor abandonado, o assaltante e o pior de todos os bandidos , que é o político vigarista e pilantra . "
"O analfabeto político" de Bertold Brecht





Fonte da imagem: http://www.basicthink.in/


Política, Amor e Ódio
Estudando ética e moral, entendemos que o amor é um vivo desejo, uma inclinação oposta ao egoísmo, direcionada a pessoas e objetos considerados bons. Lembremos que Platão, em O Banquete, conceituou o poderoso amor como uma “aspiração em geral na direção das coisas boas e na direção da felicidade...”  Na Ética, de Spinoza, encontramos o amor descrito como a  “Alegria acompanhada pela idéia de uma causa exterior, [...] quem ama se esforça necessariamente por ter presente e conservar a coisa que ama.” Sobre o ódio, o mesmo filósofo define:  “Tristeza que acompanha a Idéia de uma causa exterior [...] aquele que odeia se esforça por afastar e destruir a coisa da qual ele tem ódio.” E a política? Devemos amá-la ou odiá-la?  Uma frase muito interessante, cujo autor desconhecemos, nos responde com sabedoria:  “a infelicidade dos que odeiam a política é serem governados pelos que  a amam”.
Geralmente quem divulga seu ódio pela política – e não são poucos – demonstram, além de uma grande insatisfação, uma completa incompreensão acerca dos fenômenos políticos que atuam em nosso cotidiano. Desconhecem seus próprios potenciais transformadores, e por omissão colaboram com a manutenção daquilo que tanto reprovam: injustiça, corrupção, desigualdade, etc.. Este pensamento, equivocado e tendente ao conformismo, resume a política nos espaços onde transitam senadores, deputados, vereadores, prefeitos, governadores  e presidentes. Por isso, é comum odiarem a política quando se odeiam as atitudes de parlamentares e chefes do executivo, dividindo erroneamente a sociedade em políticos e não políticos. O grande poeta Alemão, Bertold Brecht (xxxx-14/08/1956),  escreveu “o analfabeto político” e criticou os não participantes dos “acontecimentos políticos”, só que não resumiu esta participação no voto. Apenas, o poeta quis destacar um ódio ignorante, favorecedor das causas do próprio ódio.
Não devemos odiar a política, afastando-nos – até porque qualquer afastamento é ilusório –,  sob o risco de tornarmo-nos espectadores de acontecimentos quase sempre cruéis e injustos, onde o destino de toda humanidade é traçado. Devemos, ao contrário, transformarmos este ódio em força crítica e participativa, nos colocando como atores políticos, amantes e contribuintes da justiça. Muitos são os motivos para se amar a política, como sinônimo de amor à vida. Basta analisar e refletir sobre a situação social de hoje, no mundo e no Brasil.



O BICHO
Vi ontem um bicho
Na imundice do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão ,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho meu Deus, era um homem.

Manuel Bandeira, dezembro de 1947


A poesia do nosso grande poeta, Manuel Bandeira, continua mais real do que nunca.  No mundo, dados da ONU (Organização das Nações Unidas), cerca de um bilhão e duzentos milhões de pessoas vivem com menos de um dólar por dia. Destes, mais de oitocentos e oitenta milhões são desprovidos de qualquer serviço de saúde. Quarenta milhões de seres humanos morrem de fome todos os anos. Uma em cada quatro crianças no planeta é desnutrida, e duzentos e cinqüenta milhões delas não podem brincar, apenas trabalham. E os números não param, a cada dia apontam uma absurda e crescente concentração de renda. Além da desigualdade social, a saúde do planeta está comprometida e apresenta um quadro bastante pessimista. A vegetação original e a água potável estão desaparecendo. De acordo com o Greenpeace, uma respeitada organização ecológica não governamental, a cada 2 segundos perde-se no planeta uma área verde correspondente a um campo de futebol.
No Brasil,  o contraste entre riqueza e pobreza é uma reprodução  do que ocorre nos países mais pobres do mundo. Campeão da concentração da renda em poucas mãos, o Estado brasileiro “distribui” a mais da metade de sua população: doenças, ausência de moradia, educação insuficiente (somos uma nação de analfabetos), insegurança e muito desemprego. Segundo estudos da economista Sonia Rocha, do IPEA, órgão do governo federal, os 50% mais pobres do país detêm cerca de 13% da renda nacional, parcela equivalente ao que os 1% mais ricos detêm. Em 1997, antes mesmo do país mergulhar na crise financeira, contavam-se 51,84 milhões de pessoas vivendo na pobreza absoluta.
Nossa lei maior, a Constituição Federal promulgada em 1988, destaca a igualdade social como objetivo da República. Vejamos um de seus artigos:

“Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” 

Esses objetivos fundamentais da República não podem se eternizar em formal promessa, pois constituem obrigações de resultado. Afinal, poder público  e sociedade, conseguem – ou  conseguirão –  alcançar estes objetivos e torná-los verdades de fato, e não apenas de direito? A resposta para esta questão está na política. Neste país, em que vivem milhões de analfabetos e miseráveis, aonde a política é incompreendida e a democracia ilusoriamente conquistada e mantida, avistamos milhões de motivos para o amor e a conquista. Devemos amar a política, assim como amamos a  esperança em dias melhores, para todos. E será possível “para todos” ? Se não for possível, não será novidade. Se for, em que condições se dará?     




Política é politicagem?

Fazendo esta pergunta a diversas pessoas, teremos inúmeras respostas, uma bem diferente da outra. Perguntamos para uma professora da Universidade Nacional de Brasília, localizada na cidade mais comentada nos assuntos políticos brasileiros, e ela lucidamente nos respondeu:

Política não é politicagem
"Os jovens vêm se distanciando da política porque a confundem com os políticos ou com aquilo que alguns chamam de "politicagem". Se os eleitores escolhem mal ou preferem se omitir, então os políticos certamente não terão as qualidades e o comportamento que idealmente se esperaria deles. Já a ‘politicagem’ é uma forma de expressão da pequenez do jogo de interesses humanos e pode ocorrer em qualquer situação, inclusive fora das instituições políticas.
Na realidade, a política é o conjunto de procedimentos e de instituições por meio dos quais é possível solucionar pacificamente conflitos que envolvem interesses coletivos. Todos que defendem o benefício coletivo frente aos interesses particulares devem refletir cuidadosamente sobre o significado da política. E participar, pois só assim poderão utilizá-la como instrumento na construção de um mundo melhor."
Maria das Graças Rua – professora da UNB
* depoimento cedido gentilmente para esta apostila



EXERCÍCIO PARA SALA
1 - Sugestão de atividade:
Realize uma poesia coletiva, ou música, com a turma da seguinte forma:
-        discuta um assunto referente a este primeiro capítulo;
-        peça para o primeiro aluno de cada fileira destacar uma folha em branco;
-        cada um deles deverá escrever uma frase (reflexão qualquer), dobrar a folha suficientemente para tapar o que escreveu, e passar a folha para o colega de trás, que fará a mesma coisa sem saber o que foi anteriormente escrito, e assim sucessivamente;   
-    recolha todas as folhas e leia para a turma a obra coletiva, ou leve para casa e elabore uma       ordem que julgar mais lógica.


EXERCÍCIO PARA CASA

2 - Após cantar – ou somente ler – as músicas abaixo, você poderá elaborar uma nova música, ou poesia, com os mesmos temas. Depois, faça uma dissertação (pode ser uma música ou um poema), abordando a relação entre: política, desigualdade, miséria e violência:

               A NOVIDADE       ¯
(Gilberto Gil)
A novidade veio dar à praia
Na qualidade rara de sereia
Metade, o busto de uma deusa maia
Metade, um grande rabo de baleia
A novidade era o máximo
Do paradoxo estendido na areia
Alguns a desejar seus beijos de deusa
Outros a desejar seu rabo pra ceia
Ó, mundo tão desigual
Tudo é tão desigual
Ó, de um lado este carnaval
Do outro a fome total
E a novidade que seria um sonho
O milagre risonho da sereia
Virava um pesadelo tão medonho
Ali naquela praia, ali na areia
A novidade era a guerra
Entre o feliz poeta e o esfomeado
Estraçalhando uma sereia bonita
Despedaçando o sonho pra cada lado
Ó, mundo tão desigual
Tudo é tão desigual
Ó, de um lado este carnaval
Do outro a fome total
¯

O MEU GURI
Chico Buarque
Quando, seu moço, nasceu
Meu rebento
Não era momento
Dele rebentar
Já foi nascendo
Com cara de fome
E eu não tinha nem nome
Pra lhe dar
Como fui levando,
Ele a me levar
E na sua meninice ele
Um dia me disse
Que chegava lá
Olha aí, olha aí
Olha aí, ai o meu guri,
Olha aí olha aí, é o meu guri
E ele chega
Chega no morro
Com o carregamento
Pulseira, cimento, relógio
Pneu, gravador
Rezo até ele chegar
Cá no alto
Essa onda de assaltos
Tá um horror
Eu consolo ele, ele me consola
Boto ele no colo
Pra me ninar
De repente acordo
Olho pro lado
E o danado
Já foi trabalhar,
Olha aí olha aí
Ai meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega
Chega estampado
Com vendas nos olhos, legenda
E as iniciais
Eu não entendo
Essa gente, seu moço
Fazendo alvoroço de mais
O guri no mato,
Acho que tá rindo
Acho que tá rindo
De papo pro ar
Desde o começo, eu não disse,
Seu moço
Ele disse que chegava lá
Olha aí, olha aí
Olha aí, aí meu guri
Olha aí olha aí,
É o meu guri
¯

QUINHENTOS ANOS DE HISTÓRIA  ¯

TRIBO DE JAH

500 anos de história
Se não me falha a memória
Não há muito que comemorar
Melhor que se investir de glórias ilusórias
E se por em seu devido lugar
Os anos e danos da colonização
Índios dizimados, a escravidão
Ainda se fazem lembrar
De que vale Ter riquezas em demasia
No mundo ser a oitava economia
Se poucos podem desfrutar
A educação entre as piores do terceiro mundo
A saúde é um poço profundo
(que humilhação)
Onde se lança a sorte da população
A dignidade não se irá conquistar
Nem com dez copas mundiais
Se a injustiça é a premissa da
Ordem a nos desgovernar
Com a ditadura sem compostura
De quem pode mais
O salário mínimo é um salário mísero
O máximo da hipocrisia
(Tente Sr. Presidente, passar ao menos um
dia com um salário tão indecente)
É uma afronta a cidadania
Uma ofensa aos direitos do cidadão
Do trabalhador, da família
Uma verdadeira agressão
A justiça omissa e submissa
Poderosos imunes a punição
(A impunidade é uma crônica enfermidade
que corrói o corpo da sociedade assim
como a corrupção
Sem falar no fisiologismo
Na politicagem e no banditismo
De um capitalismo selvagem
Sem lei e sem restrição)
¯



¯
Perfeição
Renato Russo,

"Vamos celebrar (...) nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo e nosso Estado que não é nação
Celebrar a juventude sem escola
As crianças mortas
Celebrar a nossa desunião (...)
Vamos Celebrar nossa tristeza
Vamos celebrar nossa vaidade
Vamos comemorar como idiotas a cada fevereiro e feriado
Todos os mortos nas estradas
Os mortos por falta de Hospitais
Vamos celebrar nossa Justiça
A ganância e a difamação (...)
O voto dos analfabetos
Comemorar a água podre e todos os impostos
Queimadas, mentiras e seqüestros
Nosso castelo de cartas marcadas
Não se ter a quem amar
Vamos celebrar nossa bandeira
Nosso passado de absurdos gloriosos
Vamos cantar juntos o Hino Nacional
(A lágrima é verdadeira)
Vamos celebrar nossa saudade e comemorar a nossa solidão

Vamos celebrar a inveja
A intolerância e a imcompreensão
Vamos festejar a violência
E esquecer a nossa gente
Que trabalhou honestamente a vida inteira
E agora não tem mais direito a nada! (...)"

Teorias Políticas Antigas e Medievais Política (Etim.: grego politike, pólis       cidade.)

Filosofia e política nasceram na mesma época. Alguns dos primeiros filósofos, que conhecemos como pré-socráticos (período cosmológico), foram políticos. Filosofando há mais de dois mil e  seiscentos anos, os pré-socráticos  discordaram do  óbvio mítico, e trataram sobre o  princípio das coisas e do universo, ou seja, sobre o que os gregos entendiam como Arkhé (o que está à frente). Cada um deles defendeu este princípio. Assim, por exemplo, Tales de Mileto falou em água, Anaxímenes  em ar , Anaximandro em água,  ar,  terra e fogo, Pitágoras em números , e  Demócrito em  átomo.
 Começamos analisando a Arckhé cosmológica , porque daí originou-se as definições dos primeiras regimes políticos, relacionados a quantidade dos que comandam. Outro vocábulo grego que define os regimes políticos, não a partir da quantidade dos que comandam mas de quem  comanda, é Kratos , que significa poder.


                                                                                                     ARCKHÉ


 



O QUE ESTÁ À FRENTE
COMANDO
AUTORIDADE
MAGISTRATURA
POR EXTENSÃO


GOVERNO

                                 
REINO             IMPÉRIO
                                                           
COMANDO POLÍTICO


MONARKHIA                       ANARKHIA                                       OLIGARKHIA
(MONOS: UM)                                 (A:NÃO)                             (OLIGOS: POUCOS NUMEROSOS)
KRATOS
 


PODER
 





AUTOCRACIAS                      ARISTOCRACIA                   DEMOCRACIA
(AUTOS: EU MESMO)           (ARISTOS: O MELHOR)      (DEMOS: O POVO)

Invenção da Democracia

Na Grécia arcaica (século VIII a.C.), a pólis (cidade) surgiu resultante de vários  avanços técnicos, como a navegação, e a partir do estabelecimento do poderio econômico e militar. Este foi o período vivido pelos pré-socráticos. Porém, somente na época clássica (século V a.C.), Atenas foi a cidade mais importante da Grécia, expandindo seu império marítimo, militar e comercial, e atingindo o apogeu da vida urbana, intelectual, artística e política. Época em que a democracia foi inventada e fortalecida, e na qual viviam  Sócrates e os sofistas. A filosofia, afastando-se da cosmologia  pré-socrática, mudou o foco de suas reflexões para assuntos da teoria do conhecimento, da ética e da política. O que está em pauta é a formação do sábio virtuoso e do cidadão, e por isso é também conhecido como o período antropológico (ánthropos: o humano oposto ao divino).  
DEMOCRACIA
 


DEMOKRATÍA
palavra grega
 DÊMOS                                                  KRÁTOS
(O POVO)                                                   (O PODER)

 
                                                           O PODER POPULAR
      O GOVERNO DE TODOS OS CIDADÃOS

A  democracia dos gregos na antigüidade clássica era direta. O caráter representativo, de delegação de poderes, tal como conhecemos hoje em dia, em que o cidadão utiliza o voto para a  escolha de seus representantes, era desconhecido dos gregos. Eles praticavam a  democracia direta ou participativa, na qual os cidadãos discutiam e votavam seus assuntos nas assembléias gerais (chamadas de ekklesía) e no conselho de quinhentos cidadãos ( boulé ), onde cada cidadão era submetido a um sorteio, obtendo a garantia de participar das decisões da pólis. Existiam dois direitos inquestionáveis: isonomia e isegoria. O primeiro direito significa igualdade perante a lei, e o segundo, isegoria, era o direito de discutir em público todas as questões que dissessem respeito à cidade. Porém, já sabemos, somente os cidadãos gozavam destes direitos. Escravos, mulheres, crianças e estrangeiros não participavam do espaço da cidadania.

(FOTO DE ARISTÓTELES/ VER ÚLTIMA PÁGINA)
“O homem é por natureza um animal político, de modo que quem vive fora da cidade, naturalmente, por certo, e não pelo acaso das circunstâncias, é um ser degradado  ou um ser sobre-humano”
Política, Aristóteles.

(FOTO DE PLATÃO/ VER ÚLTIMA PÁGINA)
 “A arte política [...] realizando o mais magnífico e mais excelente de todos os tecidos, envolve, em cada cidade, todo o povo, escravos ou homens livres, mantém-nos juntos em sua trama e, assegurando à cidade, sem falta ou fraqueza, toda a felicidade de que ela pode desfrutar, comanda e dirige.
Político, Platão.

 Platão (427-347 a.C) e Aristóteles (384-322 a.C) deram seguimento ao período inaugurado por Sócrates, o período antropológico (ánthropos: o humano oposto ao divino).  Os dois viveram na época helenística, quando a democracia grega já havia enfraquecido  e a Grécia passa a pertencer ao Império de Alexandre da Macedônia, de quem Aristóteles fora preceptor.
Os primeiras  estudos sistemáticos sobre a sociedade começaram com Platão, em seu livro A República, e Aristóteles, com a obra Política. Principalmente com Aristóteles,  as bases  estatutária do que viria a se transformar em ciência política, foram primeiramente elaboradas. Definida como ciência da cidade (polis), a política é o maior patrimônio do “animal político”, ou seja, do ser social e coletivo que é o homem , conforme Aristóteles classificou. Para eles, morar na cidade e ser cidadão, são duas condições básicas  para a felicidade. Na filosofia antiga, o objetivo da vida humana é a felicidade, fim perfeito e Soberano Bem.

CIDADE
lat. civitas, conjunto de cidadãos.
Comunidade organizada e mantida por leis:
a cidade forma um conjunto político.

 “Toda cidade, vemos, é uma certa comunidade [...]. quanto à comunidade formada de várias aldeias, é a cidade acabada que já atinge uma espécie de autarquia completa: sua gênese se explica pelas necessidades vitais, mas, quando ela existe, ela permite, além disso, uma vida feliz. É por isso que toda cidade é natural, como são as primeiras comunidades que a constituem.”
(Aristóteles, Política)



CIDADÃO
Etim.: lat. civis, cidadão.
Indivíduo membro do corpo político, que desfruta de direitos políticos
 e, portanto, participa do poder.

 “O que constitui [...] propriamente o cidadão, sua qualidade verdadeiramente característica, é o direito de sufrágio nas assembléias e de participação no exercício do poder público.” 
(Aristóteles, Política)



FELICIDADE
Etim.: lat. felicitas, felicidade
.
“Se é verdade que a felicidade é a atividade conforme à virtude, é evidente que a mais perfeita é aquela conforme à virtude, isto é, a mais elevada da parte do homem[...]. É a atividade desta parte de nós mesmos(divina), atividade conforme a sua virtude própria, que constitui a felicidade perfeita.” (Aristóteles, Ética a Nicômaco)




Platão trata  do problema da política nas obras:  República, Políticos e Leis. Na República, ele pensa numa cidade ideal dividida em três classes sociais: filósofos, guerreiros e produtores. Aos filósofos, homens sábios, caberiam o comando da república, onde orientariam as ações do homem em direção a uma ordem ideal do mundo, guiados por uma razão teorética.  Aos demais, homens comuns, caberiam as tarefas de defesa da cidade, da agricultura e do comércio. Aristóteles também excluiu da política algumas classes, como os comerciantes e os artesãos, e assim como Platão, compartilhou da idéia de que ética e política se completam. Para ambos a virtude do governante é que determina a justiça na política. A política será boa se bom for o governante. Eles tratam da formação do sábio virtuoso e do cidadão. Cabe ao Estado defender os cidadãos dos inimigos externos e internos, e promover a educação física e moral dos cidadãos.
Porém, com maior rigor histórico que Platão e mais próximo à realidade concreta, Aristóteles não se preocupa com  uma forma ideal de Estado: "é preciso pensar num governo não só perfeito, mas também realizável e que possa facilmente adaptar-se a todos os povos". Ao ideal sensível platônico, ilusório e aparente, Aristóteles analisa um mundo político onde o governante não é o homem filósofo, mas sim o homem prudente possuidor do saber prático. Ao contrário de Platão, Aristóteles define a origem da pólis de forma histórica e empírica. Para ele, o Estado é uma instituição decorrente da natureza humana. Entendendo o bem comum como superior ao bem particular, Aristóteles defende  um Estado superior  ao indivíduo. O homem, que  “é por natureza um animal político”, realiza sua perfeição e felicidade pertencendo ao Estado, que é uma categoria humana auto-suficiente.
(FAVOR TRANSFORMAR EM ESQUEMA)
1 MONARQUIA                 2 ARISTOCRACIA                      3  DEMOCRACIA              4  FORMA MISTA

1 O GOVERNO DE UM SÓ,
O VALOR É A UNIDADE
A DEGENERAÇÃO É A TIRANIA

2 O GOVERNO DE POUCOS
        VALOR É A QUALIDADE
        DEGENERAÇÃO É A OLIGARQUIA

3 O GOVERNO DE MUITOS,
VALOR  É A LIBERDADE

4 DEGENERAÇÃO É A DEMAGOGIA.
A MELHOR FORMA DE GOVERNO
VALOR É A MEDIANIA

 Antes de Platão e Aristóteles, Heródoto (séc. V a.C), considerado o pai da História, já havia registrado em uma de suas narrações (ver texto complementar)  três formas de governo: o governo de muitos, de poucos e de um só. Na Política, tendo como base as constituições então existentes (reuniu 158 das quais apenas uma – a de Atenas – foi encontrada), Aristóteles distinguiu três tipos de constituições, ou formas de comando: monarquia , aristocracia e democracia. Destas, o filósofo destaca pontos válidos  e  pontos degenerados.  
Aristóteles observa, na Política, que "a extrema pobreza diminui o caráter da democracia e que, portanto, medidas devem ser adotadas para lhes proporcionar prosperidade duradoura; e que é igualmente do interesse de todas as classes que os proventos das receitas públicas devem ser acumulados e distribuídos entre os pobres, se possível em quantidades que os possibilite adquirir um sítio ou, ao menos, iniciar um comércio ou plantação" As preferências de Aristóteles apontam para uma forma mista baseada na mediania, ou seja, na defesa que faz de uma classe média, livres do excesso da riqueza e do limite da pobreza. Deste modo, o filósofo conclui acerca da melhor forma de governo: “Está claro que a forma intermediária é a melhor, já que é a mais distante do perigo das revoluções; onde a classe média é numerosa raramente ocorrem conspirações e revoltas entre os cidadãos.”
Assim como na Antigüidade, na Idade Média os filósofos continuaram a descrever a sociedade em que viviam e a propor normas para que o homem vivesse numa sociedade ideal, governados por homens virtuosos. Porém, diferente da Antigüidade, na Idade Média prevalece o valor da divindade. Santo Agostinho, por exemplo, na sua obra A Cidade de Deus, achava que os homens viviam na cidade onde reinava o pecado. Propunha então, normas para se viver numa cidade onde não houvesse pecado. O poder espiritual era superior ao poder temporal (dos homens, dos reis), e a Igreja Católica foi a força dominante de toda a vida política medieval. O pensamento político cristão misturou os pensamentos platônico e aristotélico, adequando-os aos princípios teológicos de onde se atribuiu que “todo o poder vem do alto”.  Na visão política  cristã, o regime político perfeito, que melhor  representa o poder de Deus sobre os homens, é a Monarquia.

TEXTO COMPLEMENTAR Nº 1
(COPIAR TEXTO “A CIDADE E O CIDADÃO” REALE, Giovanni. História da filosofia: Antigüidade e Idade Média. São Paulo: Paulus, 1990. Pp. 208-209)



TEXTO COMPLEMENTAR Nº 2

PERGUNTAS DE UM OPERÁRIO QUE LÊ.

Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilònia, tantas vezes destruida,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio
Sò tinha palácios
Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.
O jovem Alexandre conquistou as Indias
Sòzinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?
Em cada página uma vitòria.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?
Tantas histórias
Quantas perguntas

Bertold Brecht
EXERCÍCIO PARA CASA

4 – Qual a relação existente entre os dois textos complementares?
5 – Hoje, que tipo de dificuldades um operário encontra para participar politicamente?


Teorias Políticas  Modernas
Na história ocidental, denominou-se “moderno” o período que começou no séc. XVII, após o Renascimento. Vimos no segundo bimestre, que o Renascimento (fins do séc. XIV até  fins do séc. XVI ) foi um movimento filosófico, literário e artístico, espalhado da Itália para toda a Europa. Termo de origem religiosa e que durante a Idade Média designou o retorno do homem a Deus, a partir do século XV Renascença representou a renovação moral, política e intelectual. Com o Renascimento, surgiram  pensadores que começaram a  tratar os fenômenos sociais numa perspectiva realista e não religiosa. Assim, escrevem sobre a sociedade de sua época: Maquiavel, (considerado o primeiro cientista político) em O Príncipe; Tomás Morus, em Utopia; Tommaso Campanella, em A Cidade do Sol; Francis Bacon, em Nova Atlântida. Mais tarde, destacam-se Elogio da Loucura, de Erasmo de Rotterdam, e Leviatã, de Thomas Hobbes.
Depois dos renascentistas vieram os iluministas. Fruto da modernidade, o Iluminismo (também conhecido como Filosofia das Luzes) foi o movimento filosófico do séc. XVIII, caracterizado pela confiança no progresso e na razão, pelo desafio à tradição e pela liberdade de pensamento. A heteronomia (heteros, o outro entre dois, e nomos, regra), que prevalecia de acordo com a ordem religiosa, com o Iluminismo foi substituída pela autonomia (autós, este aqui, eu mesmo), em que o homem dirige-se por leis ou régras próprias. O suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), foi um  dos principais filósofos que pensou a política no Iluminismo.
Este panorama intelectual reflete interesses da burguesia consolidada no poder político e econômico, interesses de uma classe revolucionária e  dirigente. O capital se expande em diversos ramos de atividade. Desenvolve-se intensamente a manufatura, tornando-se necessário o desenvolvimento de novas técnicas de produção. O trabalho, antes realizado com  mãos ou  ferramentas simples, incorpora novas divisões. A máquina a vapor passa a ser a grande otimização econômica, e inaugura um processo irreversível de construção de novas máquinas. Surge junto à burguesia, entre as máquinas que tecem e descaroçam o algodão e as quentes  que “cospem fumaça”, uma nova classe: o operário.. Essas alterações no processo produtivo, somadas a herança cultural e intelectual do séc. XVII irão definir o séc .XVIII como um século explosivo, servindo de exemplo e parâmetro para as revoluções políticas posteriores.
Na Idade Moderna, o capitalismo, filho da Idade Média, cresceu e atingiu sua emancipação. Algumas teorias que trataremos a partir de agora,  sustentaram teoricamente, nas suas mais diversas formas,  esta nova realidade capital, como em geral o contratualismo e o liberalismo. Outras, como o socialismo,  trataram do questionamento e das propostas alternativas  ao capitalismo. Porém, antes de abordarmos o pensamento dos  contratualistas e dos liberais, faremos uma incursão ao maquiavelismo, entendendo aqui se tratar de um modelo  realista e experimental, inaugurado por Maquiavel, que provocou uma revolução nas teorias políticas, separando o que após Antigüidade e a Idade Média encontravam-se juntas: ética, religião e política. Ele iniciou a ciência política moderna e pavimentou o caminho para os  contratualistas e os liberais, e também para os socialistas. 

Maquiavel

"Tendo o príncipe necessidade de saber usar
bem a natureza do animal, deve escolher a raposa e o leão,
 pois o leão não sabe se defender das armadilhas
e a raposa não sabe se defender da força bruta dos lobos.
 Portanto é preciso ser raposa, para conhecer as armadilhas
 e leão, para aterrorizar os lobos."
(O Príncipe)

“Os fins justificam os meios”
Máxima extremamente conhecida,
 jamais escrita por Maquiavel.

Nicolau Maquiavel (1469-1527) nasceu em Florença, na Itália. Para este pensador, toda a teoria política anterior a ele era equivocada, pois ocultava a realidade social em favor dos poderosos. Para ele, a sociedade sempre foi dividida e resultou de um jogo de interesses opostos. E o que os gregos, os romanos e os cristãos entenderam como finalidade política –   baseados na ética, na justiça e na religião – era somente para mascarar esta divisão social e oprimir o povo. Ele não acreditou que a prudência, a virtude e a representação divina, fossem o melhor caminho para bem governar e, desta forma, inaugurou a separação da ética e da religião do pensamento político. A arte de governar  parte de uma análise fria sobre o Estado onde, por exemplo, a ausência da violência, por parte de seus governantes, é a responsável por  sua completa ruína.
 Diferente das três formas de governo definidas por Aristóteles, Maquiavel definiu apenas duas: principados e repúblicas. Estas estariam mais de acordo com a realidade de seu tempo, assim como as formas definidas por Aristóteles também correspondiam a realidade na Antigüidade. Seu pensamento não chega a teorizar o Estado moderno, mas teoriza de forma realista e experimental os mecanismos necessários para a construção e a manutenção de um Estado, inaugurando a ciência política.
Vivendo durante a Renascença Italiana, este pensador presenciou inúmeras revoltas e crises permanentes. A Itália estava dividida em diversos principados cuja tirania imperava. Em O príncipe, obra que ingressou brilhantemente no patrimônio do pensamento político, Maquiavel revoluciona toda a teoria política até então existente. Sua inspiração para escrevê-lo, partiu de um ato violento praticado por César Bórgia, que após ter conquistado uma cidade afundada em  furtos e crimes diversos, encarregou um ministro de resolver a situação. Este, de forma tirana e resoluta, pois fim aos problemas mas tornou-se odiado por toda parte. Bórgia, que havia designado tal função ao ministro, resolveu recuperar sua popularidade mandando executar o mesmo  em praça pública. O livro é um manual prático presenteado ao Príncipe Lorenzo de Médice, onde Maquiavel analisa  procedimentos corretos, de forma  fria e calculista, para a obtenção e manutenção do poder.   Para Maquiavel , um príncipe não deve evitar a crueldade se o que estiver em jogo for a integridade nacional e o bem do seu povo. Temor e ódio são dois sentimentos diferentes, e o príncipe deve impedir que o segundo se manifeste. “Deve, portanto, o príncipe fazer-se temer de maneira que, se não se fizer amado, pelo menos evite o ódio, pois é fácil ser ao mesmo tempo temido e não odiado.[...] Deve, sobretudo, abster-se de se aproveitar dos bens dos outros, porque os homens esquecem mais depressa a morte do pai do que a perda de seu patrimônio.”  
É importante destacar que Maquiavel  deve ser compreendido em seu contexto.  Ao escrever O Príncipe, Maquiavel desejou uma Itália forte e unificada, sob o comando de um monarca decidido e atuante, que defendesse o povo sem medir esforços, abrindo mão de todos os escrúpulos.  Maquiavel morreu antes da unificação da Itália e certamente não imaginava o estrondoso sucesso que faria. Ele entrou para ficar na história política e circula em todas as esferas da vida. O termo maquiavélico se popularizou e geralmente é empregado de forma pejorativa.  Filósofos e cientistas políticos de hoje, sustentam que Maquiavel, fingindo ensinar aos governantes, ensinou também ao povo. Este filósofo influenciou muitos pensadores modernos, principalmente Hobbes e Spinoza.
(TEXTO COMPLEMENTAR Nº 2 “ Da crueldade e da piedade – se é melhor ser amado ou temido” / OS PENSADORES – MAQUIAVE PP. 69-71)
(TEXTO COMPLEMENTAR Nº3 “ Lições de Maquiavel” / Revista Veja, ano 33, nº 31, 02/08/00 pp. 52-53)

EXERCÍCIO PARA CASA

6 – Explique, de acordo com o texto nº2, como Maquiavel relaciona temor e ódio na política?
7 – Por que sustentam que Maquiavel, fingindo ensinar aos governantes, ensinou também ao povo?
8 – Levando em consideração que você já conhece Maquiavel, leia a matéria (texto complementar nº3) e coloque-se no lugar do repórter Mario Sabino, fazendo  a sua própria reportagem, abordando o mesmo assunto.
9 - Sugestão de atividade:
    - pergunte a três pessoas o que é Maquiavelismo, anote e traga para discutir em sala de aula.



Contratualismo
O contratualismo é uma  vertente de pensamento que entende o Estado – também a sociedade civil – originado em um contrato. Alguns filósofos e historiadores atribuem aos sofistas a inauguração deste pensamento. Contudo, o contratualismo que abordamos neste capítulo, determinante na formação do Estado moderno, é aquele defendido a partir de três grandes pensadores: Hobbes, Locke e Rousseau. Eles analisaram a passagem do homem por três dimensões: estado natural, contrato social e estado civil. Apesar de partirem da idéia de que os homens constróem o Estado (estado civil) quando abandonam seu estado de natureza, através de um pacto ou contrato, apresentam  diferentes concepções de Estado e de soberania. Porém, de forma geral, o contratualismo defende o individualismo (um dos princípios fundamentais do liberalismo), e por isso exige do Estado a função  de salvaguarda  da harmonia  dos interesses particulares.



 Você sabia ?
O autor desta tira colocou o nome no bicho de estimação de Calvin, em homenagem a Hobbes.


Thomas Hobbes (1588-1679)
O filósofo inglês Thomas Hobbes, quando estudamos ontologia, foi visto como representante do materialismo mecanicista, que teorizou a natureza considerando um “corpo natural” e a sociedade um “corpo artificial”. Na galeria dos filósofos, mencionamos sua teoria de Estado Absolutista. No início de sua vida intelectual, Hobbes traduziu Tucídidas (historiador grego) , que detalhou a Guerra do Peloponeso. Por ocasião da tradução, admitiu um caráter frágil e traiçoeiro da Democracia, tendo Atenas como o exemplo histórico do desastre democrático.
Em sua maior obra, Leviatã (nome bíblico de um monstruoso peixe que protegia os menores da gula dos peixes maiores), desenvolveu um aprofundado  estudo filosófico, afirmando a maldade humana e justificando a necessidade de um Estado forte e repressor, o Absolutismo. O Estado, segundo o filósofo,  é a única garantia  do controle dos sentimentos naturais do homem: a ambição, o egoísmo,  a crueldade, e outros similares.  Isto, porque o estado de natureza (primitivo) era contaminado pela guerra constante, pois o homem, escreveu Hobbes, é naturalmente “lobo do próprio homem”, e somente a partir de um pacto social, orientado pela força da espada, o homem supera o egoísmo e a guerra, impedindo a ferocidade do “lobo”.  Para Hobbes, a propriedade (bens móveis e imóveis) não existe no estado de natureza, pois foi criada pelo Estado-Leviatã, e  somente este, com poder absoluto, poderá acabar com o direito de propriedade, quando necessário for.


John Locke (1632-1704)
 Opondo-se ao absolutismo de Hobbes, Locke, o maior representante do empirismo moderno, (autor da famosa teoria da tábula rasa) pensou o contratualismo em bases liberais, tornando-se o fundador  do liberalismo na Inglaterra. Além de ter influenciado a revolução norte-americana, influenciou a revolução francesa e a declaração dos direitos do homem e do cidadão. Locke defendeu o poder político vinculado a uma origem democrática e parlamentar, e lançou os princípios da separação  dos poderes legislativo, executivo e judiciário, dos quais Montesquieu iria desenvolver no século XVIII.
 Na obra Ensaio sobre o Governo Civil afirmou que o homem atribuiu ao Estado apenas o papel de  regulamentador da vida social, e que os direitos individuais são intocáveis e indelegáveis. As liberdades fundamentais, como o direito à vida e à propriedade, e todos os direitos comuns ao homem, são anteriores e superiores ao Estado. Portanto, ao contrário de Hobbes, Locke observa que a propriedade é criação do estado de natureza, e que o contrato social é um pacto de consentimento, onde o homem busca no Estado, na sociedade civil e política, o reconhecimento e a proteção da propriedade. Este pacto, quando desrespeitado, pode ser alterado e desfeito, assim como faz-se em qualquer contrato, autorizando o homem a limitar o poder dos governantes e de, inclusive, promover insurreições. A base principal da liberdade burguesa, que nesse período era uma classe revolucionária, é a propriedade. E  para Locke, a liberdade está em função da propriedade.


 “A liberdade consiste menos em fazer sua vontade do que em não submeter-se à de outrem; consiste ainda em não submeter a vontade de outrem à nossa.
Quem quer que seja senhor não pode ser livre, e reinar é obedecer.”
 (Cartas Escritas da Montanha).

Jean-Jacques Rousseau (1712 - 1778)
Na França, o filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau, filho de um relojoeiro, não perdeu a hora na tarefa de defender uma sociedade baseada na justiça, na igualdade e na soberania do povo. Suas principais idéias deste iluminista estão nas obras: Emílio, Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens e O Contrato Social. As idéias do brilhante filósofo, além de fundarem a concepção democrático-burguesa, inspiraram os movimentos socialistas do século XIX.
Como os demais contratualistas, Rousseau afirma que a sociedade se funda num contrato, porém estabelece diferenças fundamentais em sua concepção. Ao contrário de Hobbes, que via no estado de natureza o homem egoísta e cruel, Rousseau viu um homem feliz, sadio, livre e igual. Em O Contrato Social ele afirma que “O homem nasce puro; a sociedade é que o corrompe.” E ao contrário de Locke, onde o contrato é a realização da sociedade civil e do Estado, para Rousseau é somente a sociedade civil, de onde emana o poder soberano do povo, independente do Estado. Locke defende a liberdade em função da propriedade, Rousseau atribuiu à propriedade a causa da corrupção dos homens, da queda das democracias e do crescimento das desigualdades sociais. Para ele, onde existe desigualdade não existe liberdade.
Inspirado pela antiga democracia direta de Atenas, onde a soberania era exercida na assembléia, Rousseau rompe com a separação dos três poderes (legislativo, executivo e judiciário) submetendo a vontade individual à vontade geral expressa por maioria na assembléia, único lugar verdadeiramente soberano.  Porém, admitindo o caráter utópico desta concepção, Rousseau afirmou que este tipo de democracia nunca havia existido e  talvez nem viesse a existir,  mesmo entre os gregos, onde a participação era limitada ao cidadão ocioso.
  
Liberalismo

O economista inglês Adam Smith (xxxx –xxxx), autor de A riqueza das nações, partiu do princípio de que a  natureza humana teria uma tendência para trocar uma coisa por outra. Analisando a estrutura da sociedade capitalista, Adam Smith chegou a extraordinária conclusão, para a sua época, da divisão da sociedade em classes. Para ele, três são as classes fundamentais da sociedade capitalista: o operariado, os capitalistas e os proprietários de terras. Salienta que, na sociedade capitalista, existe comunidade de interesses, uma vez que os benefícios comuns resultam sobretudo do choque de interesses das diversas classes sociais. Por isso defendia a livre concorrência.


Também economista inglês, David Ricardo (xxxx –xxxx) apresentou os princípios básicos de seu pensamento na obra Ensaio sobre a influência do baixo preço dos cereais nos lucros da bolsa. Ele defendeu a idéia de que os  lucros aumentam com a redução dos salários e diminuem com a elevação destes. Com outros economistas da época, entendeu que a tendência ao desemprego, no sistema capitalista, era fenômeno limitado.

O liberalismo é a teoria política e econômica da burguesia, onde os princípios que regem uma sociedade capitalista encontram total sustentação. Surgida no início do séc. XVII e  consolidada nas duas grandes revoluções burguesas (na Inglaterra, em 1688, e na França, em 1789), que derrubaram os regimes teocrático e absolutista do feudalismo, esta teoria consagrou como direito natural dos indivíduos a propriedade privada.  Da mesma forma, consagrou a idéia de contrato social voluntário, opondo-se  a idéia de poder e Estado nos limites da divindade, cujo representante era o rei.
O liberalismo, que às vezes é empregado como sinônimo de individualismo, aplica a liberdade  individual nos terrenos político e econômico e defende a idéia de Estado mínimo. Estabelece-se claramente  a distinção entre as atribuições  do Estado e as da sociedade civil. No Estado abrigam-se assuntos da vida pública (política), e   na sociedade civil assuntos  da vida particular (principalmente a economia). Surge A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 26 de agosto de 1789, que oficializou a destruição do regime feudal, livrando os servos de seus compromissos com os senhores. Esta, formalizou os burgueses definitivamente no poder, e promoveu o individualismo, o igualitarismo e a fraternidade entre os revolucionários. Essas idéias propagaram-se por toda a Europa devido à política expansionista de Napoleão Bonaparte.
 Na esfera política, o liberalismo teve como um dos  maiores representantes o contratualista John Locke. Na econômica, Adam  Smith e David Ricardo foram os dois maiores expoentes. Algumas de suas características:
Liberalismo Político:
-   oposição ao absolutismo, pois a burguesia já estava fortalecida e não precisava mais da aliança com o Estado;
-     teorias contratualistas para legitimar o poder independentemente da religião;
-     criação do voto;
-        limitação de poderes;
-         garantia dos direitos individuais, liberdade de pensamento, expressão e religião.
 Liberalismo Econômico:
-        oposição à intervenção do rei nos negócios;
-         defesa da propriedade privada dos meios de produção e a economia de mercado;
-         Estado mínimo, ou seja, um Estado não intervencionista;

  

Declaração Universal dos Direitos Humanos
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,
Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultam em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum.
Considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão.
Considerando essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações.
Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla.
Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos e liberdades,
Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso,
A Assembléia Geral proclama:
A presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.
Artigo I - Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.
Artigo II - Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
Não será tampouco feita qualquer distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.
Artigo III - Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Artigo IV - Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.
Artigo V - Ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.
Artigo VI - Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa perante a lei.
Artigo VII - Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.
Artigo VIII - Toda pessoa tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.
Artigo IX - Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.
Artigo X - Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.
Artigo XI
1. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.
2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.

Artigo XII
- Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.
Artigo XIII
1. Toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado.
2. Toda pessoa tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar.
Artigo XIV
1. Toda pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países.
2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos propósitos e princípios das Nações Unidas.
Artigo XV
1. Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade.
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.
Artigo XVI - Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução.
1. O casamento não será válido senão como o livre e pleno consentimento dos nubentes.
2. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado.
Artigo XVII
1. Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.
Artigo XVIII - Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.
Artigo XIX - Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.
Artigo XX
1. Toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas.
2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.
Artigo XXI
1. Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.
2. Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.
3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.
Artigo XXII - Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.
Artigo XXIII
1. Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.
3. Toda pessoa que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.
4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para a proteção de seus interesses.
Artigo XXIV - Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias periódicas remuneradas.
Artigo XXV
1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
2. A maternidade e a infância tem direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora de matrimônio, gozarão da mesmo proteção social.
Artigo XXVI
1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigratória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.
2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.
Artigo XXVII
1. Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus benefícios.
2. Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor.
Artigo XXVIII - Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.
Artigo XXIX
1. Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, em que o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível.
2. No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações determinadas por lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.
3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos propósitos e princípios das Nações Unidas.
Artigo XXX - Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.
Fonte: Biblioteca Virtual de Direitos Humanos da Universidade de São Paulo - Comissão de Direitos Humanos


(TEXTO COMPLEMENTAR Nº 4 “DA MORTE DO CORPO POLÍTICO”/ OS PENSADORES – ROUSSEAU, PP 102-103)




EXERCÍCIO PARA CASA


10 -  A Declaração Universal dos Direitos Humanos, feita pela ONU, estabelece critérios quanto a maus-tratos cometidos por países contra seu povo. Este critério corresponde a realidade atual?

11 – Sugestão de atividade:
-        divida a turma de acordo com os artigos da Declaração, ou selecione apenas alguns.
-        peça para os alunos redigirem sobre o artigo escolhido, relacionando-os com o presente. 
12 – Explique, situando no texto, a seguinte frase de Rousseau : “ O corpo político, como o corpo do homem , começa a morrer desde o nascimento e traz em si mesmo as causas de sua destruição.”
13 – Rousseau compreendeu o estado de natureza diferente de Hobbes, e a sociedade civil e o Estado diferente  Locke. Que diferenças foram  estas ?
14 – O liberalismo, que às vezes é empregado como sinônimo de individualismo, aplica a liberdade  individual nos terrenos político e econômico e defende a idéia de Estado mínimo. O que significa Estado mínimo?

Teorias Políticas Socialistas
¯Ó, mundo tão desigual
Tudo é tão desigual
Ó, de um lado este carnaval  
¯
Do outro a fome total
¯
(A NOVIDADE, de Gilberto Gil)
 
Mais recentemente, a partir do séc. XIX, apesar de se diferenciarem em diversos aspectos, as teorias socialistas criticam o individualismo burguês e seu caráter exploratório, responsabilizando-os pelas condições precárias em que vive a classe operária. Para acabar com esta situação, colocaram a necessidade de acabar com a propriedade privada e de expandir a igualdade social. As principais teorias socialistas modernas são: o socialismo utópico, o anarquismo e o socialismo científico.


Socialismo Utópico


Na história da humanidade encontramos diversos pensamentos acerca de uma sociedade perfeita, sem injustiças e com distribuição de riquezas. No século V a.C., o filósofo grego Platão já inaugurava, em A República, o ideal deste tipo de sociedade. Porém, a palavra utopia, de origem grega (significa “lugar inexistente”), foi empregada primeiramente no séc. XVI por Tomás Morus, quando escreveu um romance filosófico, cujo nome é Utopia. No livro, Morus escreve sobre uma ilha onde não existia  a propriedade privada e nem o poder da religião. No séc. XIX, alguns dos principais socialistas utópicos foram os franceses Saint Simon, Proudhon e Fourier. Eles defenderam a liberdade e a igualdade, como conseqüência  de um autogoverno dirigido por trabalhadores organizados em cooperativas. 
Anarquismo


O Anarquismo (anarkhía, a, não, e arkhé, comando ) parte do princípio de que todo ser humano é capaz de autogovernar- se, através da convivência comunitária. As idéias do socialista utópico Proudhon, influenciaram bastante esta  teoria política, que teve como um dos principais representantes  o russo Mikhail Bakunin (1814-1876). 
Confiando na convivência pacífica dos homens, o anarquismo baseia-se numa estrutura autogestionária, ou seja, sem regras, autoridades e hierarquias, valorizando apenas  a liberdade natural de cada indivíduo. Conhecidos como libertários, contrários aos ideais do liberalismo, ao autoritarismo e à autoridade, os anarquistas são contra qualquer tipo de Estado, curiosamente levando ao extremo uma concepção liberal. Se o liberal considera o Estado  um mal necessário, o anarquista considera-o um mal desnecessário.


Socialismo Científico


 “Os filósofos sempre se preocuparam em interpretar a realidade,
é preciso agora transformá-la”. Karl Marx



2 – Karl Marx  (1818 - 1883)

Somente com Marx, o socialismo tornou-se objeto de análise científica. É isto que veremos a partir de agora: Como que Karl Marx, o fundador do socialismo científico, conseguiu criar uma teoria que apontasse efetivamente para a transformação da sociedade?
Depois de Maquiavel, que separou a ética da política, e provocou uma verdadeira revolução nas teorias políticas desde a antigüidade, Marx,  desmascarando a política liberal,  causou uma verdadeira revolução, não só teórica, mas também prática. Diversos países, como a URSS, e Cuba, entre outros, realizaram suas revoluções instrumentalizados pela teoria marxista. Para Marx, a  liberdade numa sociedade baseada na divisão do trabalho é ilusória, porque camufla os interesses antagônicos das classes para manter a dominação de uma sobre a outra. Sua obra, extremamente complexa, parte de um profundo combate às filosofias idealistas e avança para a construção do materialismo histórico, uma doutrina baseada no princípio de que são as lutas de classes que produzem a história e transformam as sociedades. Foi assim entre senhores e escravos, e entre senhores feudais e servos. Da mesma forma, entre burguês (patrão) e proletário (operário).
Na base do pensamento marxista, divide-se a realidade social em três dimensões: econômica, política e simbólica. Nestas dimensões definem-se a  infra-estrutura e a superestrutura. A infra-estrutura, é a base de toda a superestrutura, a realidade econômica fundamental, que comanda todos os fenômenos sociais. A superestrutura (determinada pela infraestrutura) é dividida em superestrutura jurídico-política (Estado, polícia, exército, leis, normas e tribunais) e superestrutura ideológica (idéias políticas, religiosas, estéticas, éticas, morais e  filosóficas).




REALIDADE
POLÍTICA E
SIMBÓLICA
SUPERESTRUTURA
 JURÍDICO-POLÍTICA
 (ESTADO, POLÍCIA, EXÉRCITO,
LEIS, NORMAS E TRIBUNAIS)
 SUPERESTRUTURA IDEOLÓGICA
(IDÉIAS POLÍTICAS, RELIGIOSAS,
ESTÉTICAS, ÉTICAS, MORAIS E  FILOSÓFICAS).
 INFRA-ESTRUTURA
REALIDADE ECONÔMICA

Portanto a visão que temos do mundo e a nossa psicologia são reflexo da base econômica de nossa sociedade. As idéias que surgiram ao longo da história se explicam pelo desenvolvimento das  sociedades. Elas são oriundas das necessidades das classes sociais de cada tempo. Por isso a teoria marxista é materialista, porque considera que as manifestações espirituais  ( idéias/pensamentos) são determinadas pela estrutura material da sociedade (superestrutura) , diferente dos idealistas para quem as idéias movimentam o mundo.  Segundo Marx, ao examinar-mos  a maneira pela qual os homens produzem  os bens necessários à vida, podemos compreender as formas do seu pensamento.
Assim escreveu Marx em Ideologia Alemã :  “A classe que tem à sua disposição os meios de produção material dispõe, ao mesmo tempo, dos meios de produção espiritual, o que faz com que a ela sejam submetidas, ao mesmo tempo e em média, as idéias daqueles aos quais faltam os meios de produção espirituais.”. Portanto a representação ou idéia apresentada como racionais mas que exprimem os interesses da classe dominante, Marx chama de ideologia. Devido à ideologia o proletário não percebe a própria alienação e, portanto, não reconhece a exploração de que é vítima. Um operário sem consciência de classe é um reprodutor das idéias dominantes, contrárias aos seus próprios interesses. Para Marx, a ideologia surge das relações de produção que determinam as contradições sociais. A realidade contraditória da sociedade é negada e ocultada por falsas idéias, produzidas  e divulgadas pela classe  dominante. De acordo com a teoria marxista,  o operário, a classe social que vende sua força de trabalho para viver, quando consciente de ser explorada, se destina a libertar-se e libertar toda a humanidade na construção do socialismo.          
Após o socialismo, de acordo com a teoria marxista, uma fase superior se desenvolveria: o comunismo. O Estado desapareceria definitivamente, pois seu único papel é manter a divisão das classes e perpetuar a exploração. Com o fim das classes, a sociedade seria baseada no bem coletivo dos meios de produção, com todas as pessoas sendo absolutamente livres.
(TEXTO COMPLEMENTAR Nº 5 “DINHEIRO”/ OS PENSADORES – MARX, PP 197-198)
15 – De acordo com Marx, no texto complementar, como o dinheiro representa “a inversão geral das individualidades” ?
16 – O que é ideologia para Marx? De onde ela surge e qual sua função?
17 – Na apostila, quando lemos sobre os anarquistas, encontramos a seguinte afirmação: “Se o liberal considera o Estado  um mal necessário, o anarquista considera-o um mal desnecessário.” Explique.
18 - Sugestão de atividade:
- pergunte a três pessoas com ocupações diferentes (empresário, professor e estudante), “o que é o dinheiro e para que serve”, anote e traga para discutir em sala de aula.


Neoliberalismo, Globalização e Democracia
O liberalismo fundamentou a expansão da economia capitalista, que trouxe um desenvolvimento impar em toda a história da humanidade. Matematicamente pensando, antes da Revolução Industrial, a ciência desenvolveu-se aritmeticamente (1,2,3,4,5,6...). A partir da Revolução, o ritmo foi geométrico (2,4,8,16,32,64...). Em praticamente 200 anos, superamos toda a  técnica desenvolvida em mais de 3.000 anos. Verdadeiras maravilhas foram criadas, marcando decisivamente como tecnológica nossa civilização. Conhecemos o telefone, o rádio, a fotografia, o cinema, a televisão, o computador, a Internet, o fax, o forno de microondas, a cura de muitas doenças, satélites, ônibus espaciais, etc.. Muitas coisas, hoje consideradas normais e simples em nosso cotidiano, eram temas de ficção científica. Assim como hoje, também muitas coisas consideradas ficção científica poderão, em um futuro não muito distante, ser pura realidade. No passado, era ficção a imagem de um robô. Hoje, temos um número variado deles, desempenhando funções humanas, principalmente na linha de montagem industrial. E no presente, é ficção falar em igualdade social?
  Diante dos inúmeros problemas ocasionados pela lógica capitalista, o maior deles é a desigualdade social. Desde que o capitalismo se tornou o modo produção dominante em todo o mundo, a concentração de renda em poucas mãos e a proliferação da miséria tem aumentado vertiginosamente. Em apenas uma dúzia de países bem sucedidos o capitalismo obteve sucesso, levando em conta o bom nível de vida de  seus operários. Os demais países, entre eles o Brasil, sofrem um processo crescente de injustiças sociais, agravado por um novo impulso do capitalismo: o neoliberalismo.    


Em 1987, Berlim comemorava seus setecentos e cinqüenta anos de fundação, quando o presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, que estava presente à solenidade, falou:
- "Senhor Gorbachov, abra estes portões! Senhor Gorbachov, derrube esta parede! "

Neoliberalismo
Antes do neoliberalismo, o Estado, no início do século XX, começou a adquirir um caráter intervencionista, chamado de Estado de Bem Estar Social. Este intervencionismo configurou-se em ações controladoras no campo econômico e social, e deflagrou um processo de prosperidade econômica a partir da Segunda Guerra Mundial. Sobretudo nos EUA e na Inglaterra, fruto deste caráter intervencionista do Estado, surgem programas de empréstimos a empresas, e políticas assistenciais responsáveis por melhores condições de vida e trabalho  dos operários. Portanto, o Estado  capitalista, contrariando as aspirações liberais, entre elas, a nítida separação entre Estado e sociedade civil, provoca uma reação liberal, um novo  liberalismo.      
O chamado neoliberalismo resultou do encontro de duas correntes do pensamento econômico: a Escola Austríaca e a Escola de Chicago. O principal representante da primeira foi  Leopold von Wiese, que na década de 40  prosseguiu com Friedrich von Heyek, autor de "O Caminho da Servidão" (1944),  considerado a “Bíblia” do neoliberalismo. A Segunda, Escola de Chicago, foi fundada pelo prof. Milton Friedman, e combateu especialmente a política do Presidente Roosevelt (New Deal), dos EUA. Os neoliberais consideram o mercado auto-suficiente e auto-regulado, e qualquer tipo intervenção estatal contraria suas leis próprias, levando a crise do capitalismo. Para eles o poder do mercado é ilimitado e o poder do Estado deve ser, ao contrário, limitado.
As políticas do Estado de Bem-estar Social, orientadas principalmente por sociais-democratas, orientavam-se na distribuição de renda, baseada nas Leis do Serviço Nacional de Saúde, da Educação e do Seguro Nacional. O Partido Trabalhista inglês, adotando estas políticas, venceu as eleições de 1945.  Os neoliberais, criticaram radicalmente estas políticas, chegando a compará-las aos princípios do nazismo. Contra qualquer interferência do Estado no mercado, os neoliberais atribuíram às conquistas sindicais a culpa pela adulteração da dinâmica natural dos preços dos produtos e do valor dos salários. Porém, as teses neoliberais só ultrapassaram os limites da academia a partir da década de setenta, quando a grande crise do petróleo provocou uma grande onda inflacionária. O neoliberalismo focalizou as causas da crise mundial nas políticas do Estado de Bem-estar Social. Com isto, inicia-se um processo de desmonte do Estado, com a diminuição dos impostos, a privatização das estatais, e as demissões de seus funcionários. A Inglaterra, com a Sra. Margaret Tatcher, foi o primeiro país do ocidente a empregar  os princípios neoliberais. Ela aprovou leis que limitaram  as atividades sindicais e que diminuíram os impostos sobre as grandes fortunas, além disto privatizou diversas empresas estatais, diminuindo a função pública do Estado. Nos EUA, o presidente Ronald Reagan foi o precursor, e no Brasil o neoliberalismo começou com  Fernando Collor de Melo. Hoje, a ordem econômica que impera na esmagadora maioria dos países é o neoliberalismo.


Globalização
Chamamos de global uma visão total, integral. Decorrente desta palavra, globalização é uma denominação nova, que procura identificar o atual estágio do capitalismo: a mundialização da economia e da cultura. Porém, esta nova palavra, diz respeito a um processo nem tão novo assim. Na verdade, diz respeito a um novo e mais forte estágio de globalização. Na história, ocorreram diversas globalizações, como a constituição do Império Romano, que através de um forte poderio militar e político, se mantiveram no poder durante seiscentos anos (de 300 a.C. a 300 d.C.). Podemos ainda destacar os séculos XIV e XV, período das grandes navegações e  descobertas de novos continentes. Também no séc. XIX,  após as Guerras napoleônicas,  quando ocorreram a colonização européia da África e da Ásia, uma nova globalização se fez presente. No séc XX, após a II Guerra Mundial, quando o mundo é dividido (EUA X URSS) e passa a vigorar a guerra fria. E mais recentemente, a partir da década de 80, quando os EUA passa a ocupar sozinho a posição de  potência mundial, cujo marco simbólico foi a derrubada do Muro de Berlim. O período atual de globalização, muito mais “globalizado” que os anteriores, está  caracterizado pela acumulação capitalista financeira, que tem na liderança o império americano. A vida social, regida por um capital sem fronteiras, comporta um cotidiano padronizado internacionalmente, expresso na música, na roupa, nos meios de  comunicações, nas relações de trabalho, na política, etc..

Democracia
É prudente que, ao falarmos em democracia, façamos algumas considerações acerca de dois pólos diferentes: o formal e o substancial. Esta diferenciação tomamos emprestado do italiano Norberto Bobbio (ver texto complementar), filósofo contemporâneo, que identifica um antagonismo entre liberalismo e democracia substancial.
De acordo com os princípios neoliberais, são demagogos os regimes políticos que defendem a  igualdade social, pois a desigualdade é da natureza humana, e qualquer tentativa de superação desta é pura demagogia.  Também, de acordo com o neoliberalismo, são injustos estes regimes, porque favorecem o capaz e o incapaz. Um pensamento assim, é incompatível com a democracia, sobretudo àquela em que as  igualdades social, política e econômica, são os objetivos substanciais.


ISTOÉ
14 de agosto de 1996

Desordem mundial
Ignacy Sachs, economista polonês radicado na França, diz que a globalização produz desigualdades sociais e prevê a disseminação da pobreza no planeta

 

Sachs: "Livre comércio não passa de retórica"


O economista Ignacy Sachs, 68 anos, tem tudo para se encaixar no figurino do indivíduo globalizado. Nasceu na Polônia, estudou no Brasil, doutorou-se na Índia e foi morar na França em 1968 no auge do movimento estudantil. Hoje, Sachs naturalizou-se francês, mas visita o Brasil pelo menos três vezes por ano. Em Paris, dirige o Centro de Pesquisas sobre o Brasil Contemporâneo na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais. Apesar de ser um autêntico cidadão do mundo, quando o assunto é a globalização, Sachs revela-se um crítico feroz. Ele acha que a abertura das economias nacionais foi excessiva e aumentou o fosso entre ricos e pobres em todos os países. Esse fenômeno foi batizado por Sachs de "terceiro-mundialização" do planeta. Segundo ele, o processo de globalização está produzindo uma massa de excluídos, espalhada não apenas pelas favelas e bairros periféricos das metrópoles do Terceiro Mundo mas também pelas esquinas e becos de Paris, Nova York e Londres.
Ao contrário do receituário neoliberal, propagado pelos quatro cantos do mundo, Sachs defende uma atuação mais vigorosa dos Estados Nacionais, que deveriam impor limites às forças do mercado e estabelecer o combate ao desemprego como prioridade número 1 das políticas públicas. Diz também que o livre comércio não passa de uma mera peça de retórica, deixando de cabelos em pé os "teólogos do mercado sem fronteiras". "Os países praticam formas de protecionismo dissimulado. Embora da boca para fora digam que a intenção é abrir o mercado, os blocos econômicos estão sempre se fechando ao mundo exterior", sustenta Sachs.
Casado, pai de três filhos e avô de cinco netos, Sachs orientou as teses de doutorado de pelo menos 20 brasileiros, entre eles o governador do Distrito Federal, Cristovam Buarque (PT). Conheceu o presidente Fernando Henrique Cardoso como acadêmico na França no final da década de 60. Quando provocado para comentar o governo do seu colega, Sachs é tão tucano quanto diplomático. Evita as críticas, mas deixa insinuar uma leve reprovação à timidez do projeto de reforma agrária. Falando um português fluente, adquirido quando, entre os anos de 1941 e 1954, morou no Rio de Janeiro, onde cursou economia na Faculdade Cândido Mendes, Sachs recebeu ISTOÉ na terça-feira 13, um dia depois de dar uma palestra em Brasília sobre "Globalização sem exclusão: possibilidade ou ilusão?"
ISTOÉ - A palavra da moda é "globalização". Esse é um processo irreversível, que vai afetar todos os países do mundo?
Ignacy Sachs - A globalização não é só uma palavra da moda, mas uma expressão que está sendo esticada para encobrir diferentes sentidos. Na medida em que aumentam os fluxos de mercadorias e de capital, todos os países do mundo, em proporções diversas, vão ser afetados por este processo. Mas a internacionalização da economia não data de hoje. Já teve fases altas, como entre 1870 e 1913, que coincidiu com o auge do imperialismo. Depois, houve uma grande retração e agora vive mais um período de ascensão. Mas a globalização não andou tão depressa quanto se pensa. A liberalização da economia foi que andou longe demais, depressa demais e produziu alguns efeitos nefastos.
ISTOÉ - De que maneira os países vão se prejudicar com esse fenômeno?
Sachs - Um dos aspectos mais importantes do processo atual é que os principais atores não são países e sim empresas. Então raciocinar em termos de países requer um certo cuidado. Entretanto, haverá certamente países que vão perder mais e outros que terão alguns ganhos. O importante é dizer que neste processo haverá ganhadores e perdedores dentro de cada nação. Os processos de exclusão que estamos observando no mundo inteiro não afetam unicamente os países do Sul, mas representam a principal preocupação dos países industriais. Tal como se processa a globalização nas formas atuais, muita gente está ficando de fora. Segundo estimativas de autores americanos, inclui um terço e deixa fora dois terços da população mundial. Metaforicamente, está havendo uma terceiro-mundialização do planeta.
ISTOÉ - O que o sr. quer dizer com isso?
Sachs - Há 40 anos, pensava-se que exportar o modelo dos países ocidentais para os países periféricos teria como consequência superar a pobreza estrutural desses países periféricos, porque um setor moderno em expansão acabaria por exaurir toda a força de trabalho no setor tradicional. A história nos pregou uma piada. Hoje estamos com dualismo entre pobres e ricos em todos os países industrializados. Os mesmos modelos utilizados para analisar a situação dos países pós-coloniais e periféricos estão sendo utilizados para os países industrializados. Hoje a agenda dos países ricos inclui temas como exclusão social e segregação.
ISTOÉ - Além da terceiro-mundialização do planeta, o sr. sustenta que vivemos uma era de "darwinismo social". O que isso significa na prática?
Sachs - Não importam os custos sociais e ecológicos. A palavra de ordem é competitividade a todo e qualquer preço. Quando se coloca isso em termos de disputa de mercado pelos países, o significado é que o capitalismo de hoje é o capitalismo dos que têm a melhor capacidade de sobreviver. É a fórmula de Darwin, em síntese. No nível ideológico, isso se reflete no individualismo exacerbado. Cada um é convidado a se virar sem olhar os outros. Isso é o oposto de uma ideologia de solidariedade. Como escreveu o cientista político italiano Norberto Bobbio, aceitar esse individualismo exacerbado ou acentuar a sensibilidade social, mais do que nunca, continua a ser a linha divisória entre a direita e a esquerda.
ISTOÉ - O que países como o Brasil têm de fazer para ficar no rol dos ganhadores dentro do processo de globalização?
Sachs - Defendo a tese que retoma a argumentação do economista indiano Deepak Nayyar, segundo a qual só se beneficiarão países que tenham uma estratégia de desenvolvimento autônomo e uma política industrial firme, ou seja, países que seguirão o postulado da autoconfiança e autonomia tão bem desenvolvido no livro do presidente Fernando Henrique Cardoso Idéias em seu lugar.
ISTOÉ - O sr. acha que o governo do sociólogo Fernando Henrique está conseguindo colocar em prática esse postulado?
Sachs - Olha, eu acho impossível formular juízos peremptórios sobre um governo e sobre um processo tão complexo que leva anos como esse de adaptação à nova situação mundial. Não posso honestamente como cientista social responder esta questão. Aliás, fico chocado quando leio nos jornais declarações desse tipo que viajantes de outras partes do mundo formulam, gerando polêmicas ocas. Não se pode julgar a atuação de um governo frente a um problema estrutural que requer um longo prazo a partir de alguns meses. O que se pode dizer é que o problema de fratura social provocada pelo desemprego afeta o Brasil tanto quanto outros países e isso tem de ser equacionado.
ISTOÉ - No manual do neoliberalismo, uma das regras é o livre comércio entre os países. Isso está acontecendo na prática?
Sachs - Está acontecendo um discurso sobre livre comércio. Por detrás deste discurso, diferentes países praticam formas de protecionismo dissimulado. Embora da boca para fora estejam sempre dizendo que a intenção é abrir, os blocos econômicos se fecham ao mundo exterior. A União Européia faz o grosso do seu comércio no seu interior. Além disso, é preciso lembrar que três quartos do fluxo de capitais, mercadorias e tecnologias da economia internacional se passam na tríade composta pelos Estados Unidos, Europa e Japão. Todo o resto do mundo é apenas um apêndice dessa tríade. Por isso, qualquer análise prospectiva da economia mundial depende do que vai acontecer com essa tríade e com que o economista Roberto Macedo chamou de "baleias". Existem quatro baleias no oceano global: China, Índia, Rússia e o Brasil.

ISTOÉ - O que os países devem fazer para enfrentar o problema do desemprego estrutural?
Sachs - Em primeiro lugar, tornar o problema do emprego o ponto central na formulação das estratégias de desenvolvimento. É necessário ver quais são os setores da economia em que existem reais possibilidades de geração de empregos. A minha lista é a seguinte: primeiro o desenvolvimento rural, em segundo o conjunto de empregos ligados à eliminação do desperdício no uso dos recursos naturais e a uma melhor manutenção da infra-estrutura. A terceira grande área é a expansão de empregos nos serviços sociais, sobretudo quando se tentam criar novas parcerias entre os usuários, as entidades da sociedade civil e o setor público. A quarta é a construção de moradias populares para atacar o problema das populações que vivem nas pré-cidades, talvez também aí em parceria com eles próprios, através de mutirões assistidos pelo poder público. É claro que a demanda por investimentos de infra-estrutura é enorme, o problema é até onde se pode avançar sem comprometer o equilíbrio fiscal.
ISTOÉ - O que o sr. está propondo é uma série de políticas públicas para combater o desemprego. Mas com a globalização, os Estados Nacionais não estão ficando impotentes diante dos problemas estruturais?
Sachs - Discordo frontalmente desta tese. É uma tese fácil porque os Estados falam que não podem fazer nada diante desta força avassaladora. É verdade que estamos atravessando um momento difícil e que não se trata de jeito nenhum de voltar aos excessos do estatismo. Não é uma questão de mais Estado ou menos Estado. Isso é um falso problema. Trata-se de discutir para qual desenvolvimento e com que métodos vai-se regular uma economia que se baseia em grande parte no mercado, mas que comporta uma função importante para o setor público e que contém no seu bojo uma economia fora do mercado, a economia doméstica. Quando falo dessa economia, não estou me referindo ao mercado informal. Estou falando das atividades domésticas que consomem nas sociedades industrializadas, sobretudo no cotidiano das mulheres, mais da metade do tempo total de trabalho e provavelmente aqui no Brasil mais ainda. Estado reformulado é certamente um Estado enxuto, um Estado desprivatizado. Esta é a verdadeira reforma.
ISTOÉ - O sr. citou o desenvolvimento rural como um dos principais mecanismos para gerar empregos. Um dos maiores problemas do Brasil é justamente a reforma agrária. O sr. acha que o País tem condições de resolver esta questão?
Sachs - Um colega meu da Universidade de Nice escreveu recentemente um trabalho que se chama A França doente de trabalho. Parafraseando, eu diria que o Brasil está doente da sua questão agrária não resolvida. Isso pesa sobre tudo. Este País, olhado de fora, tinha as melhores condições do mundo para realizar um desenvolvimento equilibrado cidade-campo. Em vez disso, enveredou numa urbanização excessiva. Eu considero que aqueles que saíram do campo foram desruralizados, mas não foram ainda urbanizados. Os refugiados rurais vivem numa espécie de purgatório, numa pré-cidade, nas favelas, nos bairros periféricos e estão esperando para serem urbanizados. Esse problema coloca a questão: o que é mais fácil? Urbanizar toda essa gente, dando-lhes emprego decente, moradia e condições efetivas para o exercício da cidadania? Ou frear o êxodo rural, gerando empregos e ao mesmo tempo urbanizando o campo, ou seja, levando os serviços sociais e culturais ao campo? Eu penso que a segunda solução não está sendo explorada .i.que, penso a segunda solução não está sendo explor ;.i.que, penso a segunda solução não está sendo explor ; até os seus últimos limites. Quando se olha o potencial do Brasil em terras ainda não aproveitadas, quando se olham aqueles enormes latifúndios improdutivos de um lado e, do outro, a massa dos sem-terra, fica muito difícil de entender por que esse problema não está sendo tocado para frente de uma forma mais enérgica e, eu diria, até mais radical. Isso explica a impaciência dos sem-terra.
ISTOÉ - Ao mesmo tempo que a onda é a globalização, é consenso que o chamado Estado de Bem-Estar Social está em falência. O sr. concorda?
Sachs - Não há dúvida de que existe uma crise da social democracia na Europa. Durante três décadas, depois da Segunda Guerra Mundial, o capitalismo civilizado funcionou relativamente bem, baseado no paradigma de uma economia propulsada pelas forças do mercado e um Estado que assegurava a justiça social através da redistribuição da renda. Hoje, esse esquema está se desagregando porque ficou impossível arcar com o seu custo por causa do número de excluídos.
ISTOÉ - Uma crítica que se faz ao governo Fernando Henrique Cardoso é de que ele estabilizou a moeda, mas não deu atenção à questão social. Isso não compromete o discurso social-democrata?
Sachs - É perigoso discutir rótulos. O Plano Real estabilizou razoavelmente a economia, graças à eliminação do imposto da inflação, e transferiu renda para as camadas mais pobres. Mas a estabilização acontece uma vez. A questão agora é como fazer essa economia estabilizada retomar o crescimento mais rápido sem entrar uma vez mais no processo de fabricação de excluídos. Os dados mostram que o problema de desemprego é sério e a economia não está gerando o número de empregos suficientes para absorver o contingente enorme de brasileiros jovens que ingressam no mercado de trabalho. Este é o cerne do problema que o governo vai enfrentar nos próximos dois anos. Vamos ver o que vai ocorrer. Ainda é cedo para julgá-lo.

ISTOÉ - Um dos grandes problemas da globalização é a velocidade com que os capitais especulativos se movimentam de um país para outro numa extraordinária ciranda financeira. A crise do México foi provocada pela fuga em massa desses capitais depois de uma desvalorização cambial. O sr. acha que Brasil e Argentina correm esse risco?
Sachs - O México e a Argentina são antimodelos para o Brasil. Acho que o governo brasileiro tirou algumas lições da crise mexicana. O presidente Fernando Henrique Cardoso está consciente do perigo e está colocando a regulação dos capitais voláteis como tema da agenda internacional. A economia não é uma ciência. A condução da política de um país é uma arte que requer atenção a tudo.
ISTOÉ - O que o Brasil pode fazer para se vacinar contra esse perigo?
Sachs - O Chile pode ser um exemplo. Eles têm um mecanismo fiscal que praticamente impede o capital volátil de entrar e sair. No Brasil, as reservas estão muito altas e isso cria um certo clima de confiança. Mas há vulnerabilidades potenciais. A conjunção de um real sobrevalorizado com taxas de juros escorchantes é uma camisa-de-força para a economia, que terá de ser revista mais dia menos dia.
ISTOÉ - O sr. é um pessimista?
Sachs - Respondo dizendo: a razão é pessimista, mas a ação é otimista. Quanto mais pessimista é a análise, tantas mais razões existem para se engajar na luta com o objetivo de reverter as atuais tendências.

(TEXTO COMPLEMENTAR Nº7 “ Só vale fora daqui” / Revista Veja, ano 33, nº 31, 02/08/00 p. 128)



EXERCÍCIOS PARA CASA


19 – sugestões de atividades
-        procure algum material de propaganda ou documento partidário, de pelo menos três dos partidos abaixo, e identifique-os com relação às  propostas diferentes de Estado.
-        promova um debate em sala de aula, em que haja o confronto entre as diferentes propostas.
PARTIDO DA MOBILIZAÇÃO NACIONAL - PMN
PARTIDO DA RECONSTRUÇÃO NACIONAL - PRN
PARTIDO DE REEDIFICAÇÃO DA ORDEM NACIONAL - PRONA
PARTIDO GERAL DOS TRABALHADORES - PGT
PARTIDO RENOVADOR TRABALHISTA BRASILEIRO - PRTB
PARTIDO REPUBLICANO PROGRESSISTA - PRP
PARTIDO SOCIAL CRISTÃO - PSC
PARTIDO SOCIAL DEMOCRÁTICO - PSD
PARTIDO SOCIAL LIBERAL - PSL
PARTIDO SOCIAL TRABALHISTA - PST
PARTIDO TRABALHISTA DO BRASIL - PT Do B
PARTIDO TRABALHISTA NACIONAL - PTN
PARTIDO VERDE - PV

20– sugestões de atividades:
- após ler a reportagem “ Só vale fora daqui”, elabore um texto à respeito da posição líder dos Estados Unidos e dos efeitos da  globalização em países pobres.  


21 – De acordo com o texto de Bobbio, responda:
-        É possível uma sociedade liberal igualitária? Por quê?
-        Qual dos dois significados de democracia é ligado ao modelo liberal?
-        O que é uma democracia substancial?


22 – De acordo com o economista Ignacy Sachs, em entrevista publicada pela Revista ISTOÉ, responda:
-         O que é globalização?
-        Qual o principal problema ocasionado pelo fenômeno da globalização?
Quando foi que o mundo presenciou o “capitalismo civilizado” ?

23 – Você acha que a corrupção é uma das conseqüências da democracia, ou que é anterior e independente  desta? 


FERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Temas de filosofia. São Paulo: Moderna, 1998.

BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
        1995.
________. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
_______. Liberalismo e Democracia. São Paulo: Brasiliense, 1988.
CEPAT INFORMA. Ano 5. Nº55. Curitiba: Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores, 1999. pp. 01-08.

CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1995.

CONSTITUIÇÃO da República Federativa do Brasil. Org. Juarez de Oliveira. São Paulo: Saraiva, 1988.

GRUPPI, Luciano. Tudo começou com Maquiavel: as concepções de Estado em Marx, Engels, Lênin e Gramsci. Porto Alegre: L&PM, 2000.

SARTORI, Giovanni. A política: lógica e método nas ciências Sociais. Brasília: Editora Universidade de Brasília

REALE, Giovanni. História da filosofia: Antigüidade e Idade Média. São Paulo: Paulus, 1990.

RUSS, Jacqueline. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Scipione, 1994.

SILVA, Murilo. A indústria cultural: peripécias da ideologia pensadas por um frankfurtiano. In: Phrónesis. Revista de Ética. V.1. Nº3. São Paulo: Editora Alínea. 1998. pp. 33-53.

WEFFORT, Francisco C. (org). Os Clássicos da Política. São Paulo: Ática, 1989. vol. 1.

































































4 comentários:

  1. Que material maravilhoso!
    Vou trabalhar com meus alunos do EJA e, principalmente mostrar quem o construiu.
    Agradeço, por compartilhar esses conhecimentos, até mesmo os "que ficaram de cstigo".

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    1. Obrigado pelo interesse e desejo um bom aproveitamento dos alunos. Você leciona onde?

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  2. Oi boa noite, você tem em PDF esse material?Poderia mandar pró meu email?
    elizandragavino@hotmail.com

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  3. Parabéns pela excelente pesquisa e a metodologia com a qual você expôs. Assim como a Tanely Porto, também esse material me será de grande utilidade.
    Abraços

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